Em meio ao risco de nova crise, surge alternativa surpreendente. Impulsionada pelo Papa, articulação global com forte presença de economistas, questiona bases éticas do capitalismo e propõe alternativas. Leia Carta dos participantes brasileiros
Carta da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco
Embora poderosa e fulgurante, a Apple puxou, no início desta semana, a fila das corporações globais que soam o alarme de pânico, diante das consequências do Coronavírus. As vendas e os lucros cairão abruptamente neste trimestre, revelou um comunicado oficial da empresa. As pressões vêm de dois lados. Cerca de 50% fábricas da Foxconn, que produz na China a maior parte dos Iphones vendidos em todo o mundo, está parada em consequência da epidemia. Mas as vendas também despencaram, porque as 42 lojas no país – o maior maior mercado consumidor da marca, após os EUA – fecharam e até o momento só sete reabriram. Eo drama não é apenas da Apple. Crescem os sinais de que o vírus pode contaminar a economia mundial, advertiu a revista “Economist” em 18/2.
Estamos condenados a um sistema econômico que, além de desigualdade e devastação, produz incerteza permanente? Em maio do ano passado, o papa Jorge Bergoglio apostou que não. Diante do silêncio com que a mídia conservadora e a própria hierarquia católica encobrem suas críticas ao sistema, ele convocou um encontro mundial pela Economia de Francisco. A referência é ao frade de Assis (Itália) que, no século XIII, desprezou a fortuna para abraçar a igualdade e a natureza. A mesma cidade sediará o evento, entre 26 e 29 de março. Já há cerca de 3,3 mil inscritos, de dezenas de países.
Mas no Brasil produziu-se uma movimentação maior. O convite de Francisco entrou em sinergia com um fenômeno novo e pouco observado. Há vários anos, desponta uma geração de jovens economistas claramente opostos à ditadura financeira. Eles se juntaram a ativistas experimentados, mas que encontram pouco espaço nas organizações políticas tradicionais. Resultou que a preparação do assembleia de Assis desdobrou-se em conferências, debates, oficinas, embriões de comitês. Uma reunião nacional, em São Paulo, reuniu mais de 500 pessoas, em novembro. O economista Ladislau Dowbor, uma das referências do processo, considerou-a uma das mais produtivas e inspiradoras de sua longa trajetória.
Outro participante destacado, o historiador Célio Turino, lança uma previsão ousada. Ele acredita que após Assis, a luta pela Economia de Francisco desdobre-se, no Brasil, num movimento social. Seria um passo sagaz, em conjuntura difícil: convidar a população a questionar a naturalidade da “leis” econômicas que produzem desigualdade e alienação; a compreender que elas são frutos de decisões políticas – e que, portanto, podem ser questionadas e transformadas.
Uma Carta expõe a profundidade do desafio a que se propõe a articulação brasileira. Ela sugere que a alternativa para as crises e incertezas da economia capitalista exige o questionamento das próprias bases éticas em que seapoia o sistema. Afirma que, por trás do fantasmas das crises, estão ideias velhas de séculos – como a competição incessante, o egoísmo, a produção sem limites, a acumulação de riquezas e o progresso baseado em extração. Estriam vinculadas não apenas à ideologia de mercado como ao patriarcalismo. Contra elas, seria possível propor uma economia baseada nos valores que nossa civilização associa ao feminino: o cuidado, a colaboração, a generosidade, o cíclico (em oposição ao linear), adistribuição.
A íntegra da Carta vem a seguir. Para examinar em detalhes as alternativas econômicas debatidas no âmbito da Economia de Francisco, vale ler três textos de Ladislau Dowbor (1 2 3). Para participar do processo, e do possível movimento que surgirá a partir dele, vale acompanhar o site criado pela Articulação Brasileira pela Economia de Francisco. Boa leitura! (A.M.)
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrapolitica/podera-francisco-salvar-a-economia-e-o-planeta/
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