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Por uma teoria econômica além do antropocentrismo

Sociólogo sugere nova interpretação das relações entre capitalismo e natureza. É preciso enxergar o “metabolismo singular” do sistema, diz ele, para vencer a apropriação do trabalho de florestas, oceanos, solos e seres humanos

Jason W. Moore, em entrevista a Kamil Ahsn, na ViewPointMag | Tradução: Eleutério Prado

Em o Capitalismo na teia da vida, Jason W. Moore sustenta a necessidade imperativa de fazer uma síntese e uma reformulação teórica completa dos pensamentos marxista, ambiental e feminista. Eis que o que afirma: “Acho que muitos de nós entendemos intuitivamente – mesmo se os nossos quadros analíticos estejam defasados – que o capitalismo é mais do que um sistema ‘econômico’ e mesmo mais do que um sistema social. O capitalismo é uma forma de organizar a natureza.”

O jornalista Kamil Ahsan conversou com Moore sobre seu livro Capitalismo na Teia da Vida (Verso), lançado em agosto de 2015, o qual busca enfrentar os novos desafios que se levantam diante das velhas maneiras de compreender o nosso mundo.

Qual foi a motivação para escrever Capitalismo na Teia da Vida?

Eu queria apresentar um arcabouço que nos permitisse entender a história dos últimos cinco séculos de uma forma que fosse adequada à crise que enfrentamos hoje. Nas últimas quatro décadas, adotamos uma abordagem para a crise que pode ser denominada de “aritmética verde”. Quando temos uma crise econômica ou social, ela vai para uma caixa. Quando temos uma crise ecológica – relacionada à água, energia ou clima – ela vai para outra caixa.

Assim, nas últimas quatro décadas, ambientalistas e outros radicais têm alertado sobre essas crises, mas nunca descobriram como resolvê-las. Os pensadores ambientais costumam dizer uma coisa e depois fazerem outra – eles alegam que os humanos são parte da natureza e que tudo no mundo moderno relaciona-se com a biosfera; porém, quando começam a analisar e a propor, se esquecem da unidade “sociedade mais natureza”, como se a relação entre ambas não fosse íntima, direta e imediata.

A premissa de seu livro é que precisamos quebrar o dualismo “natureza/sociedade” que prevaleceu em grande parte dos pensamentos vermelho e verde. De onde veio essa ideia e por que ela é totalmente artificial?

A ideia de que os humanos estão fora da natureza tem uma longa história. Trata-se de uma criação do mundo moderno. Muitas civilizações antes do capitalismo tinham a sensação de que os humanos eram algo distinto. Mas nos séculos XVI, XVII e XVIII, essa poderosa ideia surgiu – ela se incorporou à violência imperialista e à expropriação de camponeses; produziu uma série de reformulações sobre o que significa ser um humano, particularmente no que se refere às divisões em torno de raça e gênero. Passou a existir algo que, nas palavras de Adam Smith, foi chamado “sociedade civilizada”, uma sociedade restrita que incluía apenas alguns humanos.

Mas a maioria dos humanos foi, então, colocada na categoria de “natureza”, a qual era considerada como um mundo que deveria controlado, dominado e posto para trabalhar – em prol do mundo civilizado. Parece muito abstrato, mas o mundo moderno foi realmente baseado nesta ideia de que uma parte dos humanos eram chamados de “sociedade”, mas a maioria do resto é posta noutra caixa chamada “natureza” – com N maiúsculo! Essa formulação é muito poderosa. Isso não aconteceu apenas porque havia cientistas, cartógrafos ou governantes coloniais que decidiram ser esta uma boa ideia, mas por causa de um processo muito amplo que uniu mercados e indústria, império e novas formas de ver o mundo, assim como uma concepção ampla da Revolução Científica.

Esta ideia de natureza e sociedade está profundamente enraizada em outros dualismos do mundo moderno: o capitalista e o trabalhador, o Ocidente e o resto, homens e mulheres, brancos e negros, civilização e barbárie. Todos esses outros dualismos realmente encontram suas raízes principais no dualismo natureza/sociedade.

Qual é a importância de quebrar esse dualismo, em especial devido ao fato de que o capitalismo, segundo o seu entendimento, está sendo “coproduzido” por ambas as naturezas, humana e extra-humana?

É importante entender que o capitalismo é coproduzido pelos humanos e pelo resto da natureza; em especial, para entender a crise que se desdobra hoje. A maneira usual de pensar sobre os problemas do nosso mundo é separar: de um lado, tem-se as crises sociais, econômicas e culturais, as quais são postas na rubrica de “crises sociais”, de outro, tem-se as crises ecológicas, do clima, dos oceanos e assim por diante. Hoje, estamos cada vez mais percebendo que não podemos manter essa separação; porém, apesar disso, ela tem sido mantida ainda o tempo todo.

Precisamos superar esse dualismo para construir nosso conhecimento da crise atual, uma crise singular com muitas expressões. Algumas, como a financeirização, parecem ser puramente sociais; outras, como a potencial sexta extinção das espécies neste planeta, parecem ser puramente ecológicas. Mas, na verdade, esses dois momentos estão intimamente ligados de várias maneiras importantes.

Uma vez que entendemos que essas relações são centrais, começamos a ver como Wall Street é uma forma de organizar a natureza. Vemos o desdobramento de problemas atuais – como as turbulências nos mercados de ações da China e dos Estados Unidos – estão também relacionados com problemas maiores do clima e da manutenção da vida neste planeta. Ora, isso tem um impacto na política que nem mesmo os economistas radicais estão dispostos a reconhecer. Estamos vendo hoje movimentos – como os movimentos de justiça alimentar – dizerem que precisamos entender essa transformação e ela tem a ver com o direito à alimentação no sentido ecológico, mas também no sentido cultural e democrático – e eles não podem ser separados.

O problema com a “aritmética verde” inerente ao binômio “sociedade + natureza” está em que faz uma separação indevida entre justiça ambiental e justiça social, sustentabilidade ambiental e sustentabilidade social, imperialismo ecológico e imperialismo regular. Ora, qualquer um que conheça a história do imperialismo sabe que se trata sempre de saber “o que vai se transformar em valor” e “que grupos da sociedade se tornarão agora fonte de valorização de valor”. Assim que paramos com essa promiscuidade adjetiva, vemos claro que o imperialismo sempre considerou que o humano e o resto da natureza eram partes de um todo que cabia explorar o mais possível.

Acho, por isso, que é possível e necessário começar a fazer na prática novas alianças entre as diferentes partes dos movimentos sociais mundiais que, por enquanto, estão ainda desconectados . É preciso ligar os movimentos camponeses com os movimentos de trabalhadores urbanos, os movimentos de mulheres com os movimentos por justiça racial. Eis que existe uma raiz comum a todos eles. A razão para reunir o que chamo de “metabolismo singular” dos humanos na teia da vida é muito crucial – ele nos permite começar a fazer conexões entre momentos sociais e momentos ecológicos.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/para-superar-o-antropocentrismo-da-teoria-economica/

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