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Preparados para o mundo pós-petróleo?

Cada vez menos eficiente, indústria petroleira sustenta-se graças a simbiose com os cassinos financeiros. Alternativas enfrentarão resistência feroz: estará em xeque a mesma lógica de infinitude que sustenta o capitalismo

Por Nafeez Ahmed | Tradução de Simone Paz

Pela primeira vez na história, os preços do petróleo foram para abaixo de zero, há algumas semanas. A crise é conseqüência direta da queda súbita da demanda econômica, dado que o mundo parou com a pandemia de Covid-19. Mas, considerando que nossos problemas econômicos irão se estender por muitos anos, este pode muito bem ser o começo do fim da era do petróleo.

A crise mundial do petróleo está escancarando as vulnerabilidades estruturais do sistema de energia de hidrocarbonetos — e da civilização industrial — que as petrolíferas internacionais esconderam por décadas. Há sete anos, descrevi com detalhes algumas dessas vulnerabilidades estruturais. Avisei: “A revolução do gás de xisto tinha como objetivo trazer uma prosperidade duradoura. Mas o resultado dessa abundância de gás pode não passar de uma bolha, produzindo apenas uma recuperação temporária que mascara uma profunda instabilidade estrutural”.

A pandemia desmascarou a insustentável economia de bolha por trás do boom do xisto, revelando um setor sem resiliência e inflado a partir de níveis de dívida irreparáveis.

O conceito científico mais importante para compreendermos tudo isso é o do Retorno Sobre o Investimento em Energia (ou EROI – Energy Return on Investment – na sigla em inglês). A métrica, pioneira, desenvolvida por um ecologista de sistemas, orofessor Charles Hall da Faculdade de Ciências Ambientais e Florestais da Universidade Estadual de Nova York, é a base da emergente disciplina de “economia biofísica”.

O EROI mede quanta energia é necessária para extrair energia de uma fonte específica. O que resta é conhecido como um excedente de ”’energia líquida”, que podemos usar em bens e serviços da economia fora do sistema energético. Quanto maior a proporção, mais energia excedente resta para a economia. Nas últimas décadas, esse excedente ficou cada vez menor.

No início do século XX, o EROI de combustíveis fósseis chegava, às vezes, a 100:1. Isso significa que uma única unidade de energia era suficiente para extrair cem vezes essa quantidade. Mas, desde então, o EROI de combustíveis fósseis tem se reduzido drasticamente. Entre 1960 e 1980, o valor médio mundial de EROI para combustíveis fósseis diminuiu mais da metade, de cerca de 35:1 para 15:1. E segue em declínio, com as estimativas mais recentes colocando o valor entre 6:1 e 3:1.

Usamos cada vez mais energia só para extrair energia de nossa base de recursos. Assim, ficamos com menos “energia líquida” para fornecer aos bens e serviços públicos. Isso tem atuado como um “freio” de fundo para a taxa de crescimento das economias mundiais industriais avançadas, que também diminui desde a década de 1970.

De acordo com o professor Mauro Bonaiuti, economista da Universidade de Turim, na Itália, a economia do mainstream fracassou na explicação desses fundamentos “biofísicos” da economia: os fluxos de materiais dependem da energia. Ele argumenta que desde a década de 1970, as sociedades industriais estão numa “fase de retornos decrescentes” — o que é sinalizado pelas queda das taxas de crescimento do PIB, do EROI, da produtividade do trabalho e da indústria.

Bonaiuti argumenta que, para compensar o déficit, as economias passaram a crescer com base em níveis de dívida cada vez maiores. Após o colapso financeiro de 2008, um enorme programa de flexibilização quantitativa (QE) elevou a dívida global para níveis maiores do que aqueles anteriores ao colapso — sustentando, apesar disso, um nível de crescimento do PIB muito mais lento.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/preparados-para-o-mundo-pos-petroleo/

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