De 14 de agosto de 1956 até hoje muita coisa aconteceu: novas guerras, fim do bloco comunista, novos “ismos”. Será que a poeira cobriu de vez a obra deste autor? Uma seleção de citações brechtianas, para conferir.
O que nos ensinou este meio século sem/com Bertolt Brecht? A simples menção a seu nome ainda evoca conceitos intimidadores: “dialética”, “técnica de distanciamento”, “teatro didático”, “épico” ou, pior ainda, “arte engajada”. Uma bagagem incômoda, para quem só queria uma noite divertida no teatro.
Parte da culpa cabe ao próprio Brecht. A certa altura de sua trajetória, ele considerou importante teorizar sobre seu trabalho no palco, e teoria assusta os pobres mortais. O autor jamais escondeu que boa parte de suas inovações eram, na realidade, revisões (revisitações!) de momentos anteriores do teatro, pré-realismo, pré-Stanislavski.
Afinal, o palco elisabetano já ostentava refinadas “técnicas de distanciamento”, assim como a commedia dell’arte, a ópera de Pequim e o nô japonês, todas estas fontes de inspiração declaradas para Brecht. Um fato que não torna menos inovadoras e geniais as conseqüências que o dramaturgo alemão tirou dessas “velhas” formas, o modo como soube instrumentalizá-las para seus fins.
“A coisa não é tão séria assim”
Não obstante, o rótulo de “revolucionário” – com todo o potencial de “difícil”, “hermético”, “sério demais”, “inteligente demais” que implica – paira como uma maldição sobre a obra brechtiana. “Materialista” e “marxista” tampouco soam especialmente convidativos. Afinal, quanto de política, idéias, mensagem, agitação, doutrinação há em Brecht, e quanto de arte?
Jan Knopf, um de seus principais estudiosos, afirma: “Durante toda a vida o supostamente tão político Brecht esteve mais ocupado com seu impacto artístico e como se impor em público do que com política”. Embora crítico social, ele nunca quis se comprometer com uma determinada visão de mundo, afirma o professor de Literatura.
Numa conversa com o filósofo Walter Benjamin, o dramaturgo em pessoa confessou: “Muitas vezes imagino um tribunal me interrogando. ‘Como é, então? O senhor leva a coisa mesmo a sério?’ Aí tenho que reconhecer: não é tão sério assim. Penso demais no lado artístico, no que é bom para o teatro. Então não posso estar levando a coisa tão a sério assim”.
Em seus últimos anos, na Alemanha comunista, à frente do recém-fundado Berliner Ensemble, ele reduziu o tempo para discussões a apenas três minutos, no espaço de duas semanas de ensaios. Em se tratando de teatro, Brecht estava mais disposto a fazer do que a refletir e teorizar.
Um nosso contemporâneo
Tudo isso dito, é inegável que a maior parcela da obra brechtiana, cênica e lírica, é voltada a comunicar conteúdos e incitar mudanças. Brecht se indigna, delata injustiças, exploração e guerra, critica políticos e poderosos. Mas também confessa a dificuldade de sincronizar intenções e atos, de se comunicar, fala de auto-enganos e equívocos, fala do humano, demasiadamente humano.
Brecht é comovente, cômico, poético, grotesco, compreensivo, agridoce, cruel. Seu leitor precisa estar preparado para a ironia. Em vez de bradar ultraje e fornecer fórmulas mágicas, faz parte da dialética brechtiana adotar o discurso mesmo do inimigo, expondo as contradições de dentro para fora. Isso torna os vilões brechtianos tão eloqüentes e sedutores: cabe ao espectador separar o joio do trigo.
Lidas em voz alta, certas passagens soam surpreendentemente contemporâneas. Mais do que nunca, em nossos tempos de liberalismo selvagem, em que a mentira e o impensável ocupam os noticiários dia após dia, em que guerra e miséria (dos outros) ameaçam tornar-se normalidade. Onde em Brecht o contexto era europeu, leia-se global; onde havia referência a uma ditadura, pensemos em outra, exótica ou assustadoramente próxima.
Diga-se o que disser, Bertolt Brecht se encontra longe de estar obsoleto. E boa parte da culpa é nossa. Com a palavra, o dramaturgo e poeta.
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