O fogo que consome o Pantanal desde julho avança e coloca em risco um dos maiores abrigos de araras azuis do país.
Camilla Veras Mota
Cerca de 700 animais hoje usam as árvores espalhadas pela fazenda São Francisco de Perigara, no município de Barão de Melgaço, no Mato Grosso, como refúgio.
Todo fim de tarde, conta a bióloga Neiva Guedes, dezenas de araras se reúnem ali para pernoitar. Isso acontece há quase 60 anos, desde que o então dono da propriedade resolveu cercar e proteger o local.
É a maior concentração de animais da espécie para dormitório no país.
Quando Guedes começou a estudar a arara azul (Anodorhynchus hyacinthinus), 30 anos atrás, o futuro dessa ave estava em perigo.
O trabalho da pesquisadora na região pantaneira ajudou a tirá-la do Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas de Extinção do Brasil — o que aconteceu em 2014.
Hoje, ela teme que as queimadas cada vez mais intensas no Pantanal prejudiquem as araras.
‘Vegetação seca vira uma pólvora’
As queimadas atingiram a fazenda São Francisco no dia 1º de agosto e, segundo a bióloga, boa parte da propriedade foi consumida pelas chamas.
Com o tempo bastante seco e o nível baixo dos rios do entorno, as equipes que têm se dedicado a combater o incêndio — Corpo de Bombeiros, brigadistas, Forças Armadas, funcionários da fazenda e do Sesc Pantanal — têm grande dificuldade para controlá-lo.
“O fogo é muito rápido. A vegetação seca vira uma pólvora”, diz a bióloga, que é presidente do Instituto Arara Azul. “Só vai acabar quando queimar tudo ou quando chover.”
O esforço da equipe tem sido para proteger pontos importantes na propriedade, como a sede da fazenda, onde as aves se reúnem para dormir.
A situação melhorou na quinta-feira (13/08) e, logo que ela se estabilize, os pesquisadores do instituto, que há 15 anos monitora essa área, vão avaliar os estragos. O temor é que o fogo tenha destruído parte dos 50 ninhos espalhados pela propriedade, sendo 20 artificiais e 30 naturais.
Na região, 94% dos ninhos naturais desta ave são instalados em cavidades existentes do tronco do manduvi (Sterculia apetala), árvore que pode alcançar 35 metros de altura.
As araras azuis não conseguem abrir sozinhas as cavidades, então elas dependem de árvores de grande porte e velhas para se reproduzirem — por isso o projeto trabalha com ninhos artificiais.
Quando consome o manduvi, o fogo restringe os locais onde as araras podem colocar seus ovos. Elas passam ainda a disputar o espaço remanescente com outras espécies – as abelhas também buscam as cavidades para construírem suas colmeias.
A morte vegetação do entorno reduz ainda a oferta de alimentos para as aves, que costumam comer as castanhas de acuri e bocaiúva, duas espécies típicas do Cerrado.
Rastro de destruição
A bióloga conhece bem os estragos que o fogo pode causar. No ano passado, os incêndios florestais no Pantanal consumiram parte de outro local importante para as araras — a fazenda Caiman, em Miranda, no Mato Grosso do Sul.
Depois da passagem das chamas, que queimou inclusive alguns ninhos com filhotes, os pesquisadores chegaram a ver as araras comendo frutos queimados.
Diante da restrição alimentar, outras espécies passaram a caçar as aves, como jaguatiricas, iraras, cachorros do mato e algumas corujas. O mais comum é que os ovos, e não os animais adultos, sejam atacados — por tucanos, gralhas, gambás, gaviões.
“A gente nunca viu tanta arara adulta ser predada”, diz ela.
Passado um certo período, algumas aves começaram a apresentar uma lesão na cloaca, uma ferida — o que a bióloga acredita ter sido resultado do estresse pelo qual os animais haviam passado.
De Campo Grande, onde vive, Guedes está em contato direto com as equipes locais que atuam nas fazendas do Pantanal e, agora, com as brigadas que tentam controlar o fogo na fazenda.
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53773584
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