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Será a hora do Proletariado Ambiental?

Já não se trata da estatização das fábricas, como no século XX. Crise do Antropoceno só pode ser vencida por uma ruptura radical com a máquina da morte do Capitalismo de Catástrofe. E para tanto não bastam apenas os trabalhadores

Por John Bellamy Foster

A liberdade como necessidade

É famoso o argumento de Engels no Anti-Dühring, construído a partir da filosofia de Hegel, de que a verdadeira liberdade se baseia no reconhecimento da necessidade. A mudança revolucionária seria o ponto em que a liberdade e a necessidade se encontram na práxis concreta. Embora exista uma necessidade cega para além do conhecimento humano, uma vez que as forças objetivas sejam apreendidas a necessidade deixa de ser cega, oferecendo novos caminhos para a ação e liberdade humanas. Necessidade e liberdade nutrem-se mutuamente, exigindo novos períodos de mudança social e transcendência histórica.31 Ao ilustrar esse princípio dialético materialista, Lênin perspicazmente observou: “Não conhecemos a necessidade da natureza nos fenômenos meteorológicos. Apesar disso, sabemos que ela existe.”32 Sabemos que a relação humana com o clima e a natureza em geral inevitavelmente varia de acordo com as mudanças nas relações produtivas que governam as nossas ações.

Hoje, o consciência da crise climática antropogênica e de eventos climáticos extremos remove os seres humanos do reino da necessidade cega e exige que a população mundial se engaje na luta final por liberdade e sobrevivência, contra o capitalismo da catástrofe. Como postulou Marx, no contexto da grave fratura metabólica imposta à Irlanda como resultado do colonialismo britânico no século XIX, a crise ecológica se apresenta como um caso de “ruína ou revolução”. No Antropoceno, a fratura ecológica resultante da expansão da economia capitalista já é de tal monta que rivaliza com os ciclos biogeoquímicos do planeta. No entanto, conhecer esses desenvolvimentos objetivos também nos permite conceber a revolução necessária para a reprodução metabólica social da humanidade e da Terra. Vista neste contexto, a concepção crucial de Marx de uma “comunidade de produtores associados” não deve ser percebida simplesmente como uma utopia distante ou ideal abstrato, mas como a própria essência da defesa humana necessária, no presente e no futuro, por conta da insistente demanda por uma relação sustentável com a Terra.34

Mas onde está o agente da mudança revolucionária? A resposta é que estamos vendo o surgimento das pré-condições materiais do que pode ser chamado de um proletariado ambiental global. Publicada em 1845, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, de Engels, era uma descrição e análise das condições da classe trabalhadora em Manchester, pouco depois da chamada Revolta dos Plugues, no auge do cartismo radical. Engels descreveu o ambiente da classe trabalhadora não apenas em termos das condições nas fábricas, mas muito mais em termos de desenvolvimento urbano, habitação, abastecimento de água, saneamento, alimentação e desenvolvimento infantil. O foco estava no ambiente epidemiológico geral imposto pelo capitalismo (o que Engels chamou de “assassinato social” e que Norman Bethune mais tarde denominou “a segunda doença”), associado à morbidade e mortalidade generalizadas, particularmente devido a doenças contagiosas.35 Marx, sob a influência direta de Engels e como resultado de seus próprios estudos epidemiológicos sociais conduzidos vinte anos mais tarde, enquanto escrevia O Capital, veria a fratura metabólica surgindo não apenas em relação à degradação do solo, mas igualmente, em suas palavras, em termos de “epidemias periódicas” induzidas pela própria sociedade.36

O que isso nos diz ― e poderíamos encontrar muitas outras ilustrações, desde as revoluções russa e chinesa até as atuais lutas nos países do Sul ― é que a luta de classes e os momentos revolucionários são produtos da fusão da necessidade objetiva com uma demanda por liberdade, que emana de condições materiais que não são simplesmente econômicas, mas também ambientais no sentido mais amplo. As situações revolucionárias são, portanto, mais prováveis quando uma combinação de condições econômicas e ecológicas torna necessárias as transformações sociais e as forças e relações sociais estão desenvolvidas o suficiente para tornar essas mudanças possíveis. A esse respeito, a questão do proletariado ambiental ― examinada de um ponto de vista global e contemporâneo ― se sobrepõe e é indistinguível da questão do campesinato ecológico e das lutas dos povos indígenas. Da mesma forma, a luta por justiça ambiental que agora anima o movimento ambientalista em âmbito global é, em essência, uma luta da classe trabalhadora e do povo.37

Nesse sentido, o proletariado ambiental pode ser percebido como uma força emergente em todo o mundo, como fica evidente na atual luta ecológico-epidemiológica em relação à COVID-19. No entanto, diante da dura realidade do “imperialismo no Antropoceno”, o principal locus da ação ecológico-revolucionária imediata continua sendo o Sul.38 Como Samir Amin observou em Modern Imperialism, Monopoly Finance Capital and Marx’s Law of Value, a tríade Estados Unidos–Europa–Japão já está usando a biocapacidade do planeta em escala quatro vezes maior do que a média mundial, puxando o movimento em direção à aniquilação ecológica. Esse nível insustentável de consumo de recursos nos países do Norte só é possível porque uma boa parte da biocapacidade da sociedade no Sul é ocupada por e em benefício desses centros [da tríade]. Em outras palavras, a atual expansão do capitalismo está destruindo o planeta e a humanidade. A conclusão lógica da expansão é ou o genocídio de fato dos povos do Sul ― na condição de “superpopulação” ― ou, no mínimo, seu confinamento a uma pobreza sempre crescente. Uma linha de pensamento ecofascista está se desenvolvendo, o que dá legitimidade a esse tipo de “solução definitiva” para o problema.39

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/pos-capitalismo/a-possivel-emergencia-do-proletariado-ambiental/

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