Por Ladislau Dowbor
Fazia muita falta uma pesquisa que tratasse de maneira sistemática e isenta a relação entre o sexo, a religião e a política. Na vida religiosa há uma dimensão individual e íntima, mas também uma dimensão social de “pertencimento” ao grupo, de identidade relativamente aos “outros” – os que não partilham da mesma crença – e um amplo espaço de uso político da sexualidade, outra dimensão íntima profundamente enraizada. Através dos sentimentos religiosos e das profundas pulsões sexuais, a política encontra instrumentos poderosos de manipulação. “Tanto os mórmons do século XIX como os fundamentalistas de hoje sentiram e sentem na pele, de diversas maneiras, a necessidade que o ser humano tem de regular a vida sexual alheia segundo a sua própria convicção religiosa”, escreve o autor. (120) Não se trata aqui de um ataque às religiões ou de divagações sobre a sexualidade, mas sim de uma análise científica dos usos deformados dessas duas dimensões tão importantes da nossa vida.
O norueguês Dag Endso é pesquisador da Universidade de Bergen, especialista na relação entre religião e sexualidade. O livro já foi traduzido em 11 idiomas. Pesquisa muito exaustiva, bem documentada, e escrita de forma clara, sem pedantismo e sem evitar questões escabrosas. Levanta uma dimensão em grande parte irracional dos nossos comportamentos, inclusive evidenciando o seu peso na política e nas relações sociais. A mensagem, claramente, é de tolerância, mas também de denúncia. E o resultado é preencher um espaço de conhecimento muito insuficientemente trabalhado. Alguém tem dúvidas sobre o uso político desses sentimentos pelas religiões eletrônicas modernas? Em nenhum momento se trata de um ataque à espiritualidade ou aos sentimentos amorosos, mas sim de uma explicitação de como ambos têm sido apropriados nas lutas pelo controle social e o poder político.
A questão vai muito além do cristianismo. Diz a Bíblia no Deuteronômio: “Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. ” Mas muito anterior à Bíblia, o Código de Hamurabi, igualmente escrito por inspiração divina, cerca de 1.700 anos antes de Cristo, explicita como uma mulher infiel deve sucumbir com seu amante. (121) A busca do controle da nossa intimidade sexual se encontra nas mais variadas religiões, abrindo espaço para a discriminação. “Não devemos subestimar a segurança e a autoconfiança que resultam da possibilidade de inferiorizar outros seres humanos com base no que são e com quem fazem sexo.” (255)
Hoje em Israel ainda se proíbe o casamento de judeus com pessoas não judias, e o hinduísmo proíbe a sexualidade entre pessoas de castas diferentes, mas com diferenças: “Homens não podem fazer sexo com mulheres de castas superiores, mas homens de castas mais altas podem fazer sexo com mulheres de castas inferiores, contanto que não se casem com elas. ” (251) O peso da sexualidade no controle interno das comunidades evangélicas, e o seu aproveitamento político são igualmente fortes, em plena era da sociedade do conhecimento. Vários países ainda condenam homossexuais à morte. É papel dos políticos interferir na intimidade dos sentimentos místicos e amorosos das pessoas e das famílias? Sem dúvida que não, mas são instrumentos políticos poderosos, como vemos no Brasil de hoje, na Turquia de Erdogan, na Polônia de Kaczynski, nos Estados Unidos e tantos outros países. É um uso oportunista tanto da sexualidade como dos sentimentos religiosos.
“Regras religiosas que definem quem pode fazer sexo com quem, sejam elas baseadas em gênero, cor, etnia, casta ou religião, têm um ponto em comum: reforçam o princípio, vital para tantas religiões, de que existem diferenças essenciais entre pessoas; reforçam a percepção de que essas diferenças são necessárias, e de que os seres humanos têm um valor vinculado à identidade que têm, ou aparentam ter. Gênero, cor da pele, etnia, casta ou religião são atributos que determinam o valor de alguém com base em uma perspectiva religiosa; regras sexuais contribuem para a manutenção desses atributos e valores. Quem quer que ouse desafiá-las não apenas causará uma ruptura dessas diferenças sagradas, mas também se excluirá desse sistema, extrapolando os limites de uma identidade que lhe é atribuída de antemão. “(257)
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