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Sobram recursos! Falta governo!

Essa lengalenga da falta de recursos para o governo desenvolver suas políticas públicas não é nenhuma novidade trazida pelo Paulo Guedes.

Essa lengalenga da falta de recursos para o governo desenvolver suas políticas públicas não é nenhuma novidade trazida pelo Paulo Guedes. A novela é muito mais antiga. Os discursos e os argumentos sempre variaram ao sabor da conjuntura e da equipe governamental de plantão na Esplanada dos Ministérios. Mas é importante registrar que o financismo sempre conseguiu influenciar os responsáveis pelo comando econômico para que não ousassem sair do cardápio do neoliberalismo e dos ajustes macroeconômicos baseados no mito intocável da austeridade a qualquer custo.

Os grandes meios de comunicação completavam o serviço de bom grado. A eles ficava responsabilidade pela criação de um clima supostamente consensual em torno da necessidade de medidas duras na política econômica. O argumento era centrado em criar mecanismos de uma suposta “responsabilidade fiscal” para evitar a volta da inflação e o risco de novas crises depois do êxito obtido pelo Plano Real, ao estabilizar a nova moeda em 1994.

A história toda foi focada na obtenção sistemática de saldos expressivos de superávit primário nas contas governamentais. A armadilha, no entanto, passava desapercebida da maioria da população. Afinal, quem gostaria de ser “irresponsável” na condução das finanças públicas em um país que havia passado décadas convivendo com índices de inflação extremamente elevada e sucessivos fracassos de planos de ajuste estabilizador? O pulo do gato, portanto, residia no adjetivo aparentemente inocente: “primário”.

Por meio dessa artimanha, o sistema financeiro via assegurado um fluxo constante e permanente de recursos drenados das contas do Tesouro Nacional para seus caixas privados. Sim, pois por meio da aplicação do conceito de “primário” estavam sendo retiradas do esforço fiscal as contas de natureza financeira. Dessa forma, eram comprimidas todas as demais rubricas associadas a saúde, previdência social, educação, assistência social, saneamento, salários de servidores, dentre tantas outras. Com isso, o saldo obtido na forma de “superávit primário” era utilizado sem nenhum limite para pagamento de juros do serviço da dívida pública. Entre 1997 e os dias de hoje, os valores drenados do orçamento para esse tipo de despesa superam os R$ 6 trilhões. Mas o governo nunca tinha recursos.

Governo sempre teve recursosNos períodos das chamadas “vacas gordas”, esse mecanismo sofisticado passava incólume, uma vez que o governo federal contava com recursos para dar conta de boa parte das necessidades sociais e das obrigações previstas na Constituição Federal. A política social ficava com as migalhas e o financismo abocanhava a parte mais expressiva dos recursos orçamentários. Mas sempre que algum governante procurava escapar dessa amarra para buscar financiamentos para projetos de maior envergadura, aí os formadores de opinião lançavam seus torpedos contra o risco de intervencionismo e de explosão das contas públicas. A expansão dos serviços “públicos” só era bem aceita por esse pessoal do terno engomadinho se fossem operados pelo capital privado. E dá-lhe enxurradas de processos de privatização, de concessão e de liberalização.

Os direitos sociais passavam a ser cada vez transformados em mercadoria. Tudo se compra, tudo se paga. As regras do antigo acesso público e universal passam a ser substituídas pela oferta privada e pela demanda de quem tenha recursos para obter o serviço. Cidadãos de pleno direito são transformados em meros consumidores.

À medida que a crise econômica foi se aproximando, percebeu-se que o bolo já não dava mais para todo mundo. E assim a narrativa do “não tem recursos” vai se consolidando em meio ao establishment. Os governos não podem ser populistas, diziam. Os governos não podem ser demagógicos, ameaçavam. Os governos devem ser responsáveis, acusavam. Daí para “os governos não podem gastar mais do que arrecadam” foi um pulo fácil. A analogia oportunista propalada pelos responsáveis pela economia do momento com as economias dos indivíduos, das famílias ou das empresas caiu no uso corrente da grande imprensa. Afinal, se eu não posso gastar mais do que ganho a cada mês, essa deveria ser a orientação do próprio governo. Aparentemente, nada mais sensato na condução das finanças públicas. Só que não!

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