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Uma mudança de paradigma acelerada pelo coronavírus

Mesmo antes da chegada da COVID-19, a humanidade se via presa a várias crises simultâneas. O choque atual causado pelo coronavírus poderá acelerar uma mudança de paradigma que já estava em andamento. O resultado pode ser um mundo melhor e mais sustentável.

Por Ullrich Fichtner

I. O Crash

O mundo, que ainda considerávamos “normal” lá em fevereiro, entrou em colapso, em um crash historicamente sem precedentes. Atualmente, metade da humanidade está submetida a algum tipo de protocolo de confinamento e cada um dos continentes foi afetado – regiões pobres e regiões ricas, áreas urbanas e áreas rurais. Parcelas enormes da economia global experimentam uma tormentosa paralisação e 180 países ao redor do mundo, que apenas algumas semanas atrás estavam experimentando crescimento econômico e crescente prosperidade, agora estão mergulhados em uma profunda recessão.

O colapso do turismo, as enormes disrupções no setor de transporte global e a supressão da vida urbana afetaram, em muitos lugares, todo o espectro da atividade humana, prejudicando o varejo, a produção e os serviços, além de suspender esportes, artes e vida cultural. Toda a indústria do lazer está paralisada.

A Organização Mundial do Comércio (OMC) estima que o comércio global encolherá este ano entre 13 e 32% – números tão inacreditáveis que nos deixam sem ar. Empresas e nações inteiras vão à falência, como resultado, e as perturbações podem provocar revoltas e até revoluções.

Nos Estados Unidos, o mercado de trabalho passou de números historicamente positivos para números historicamente negativos quase da noite para o dia, um evento, de longe, sem qualquer precedente histórico. Quase 22 milhões de americanos perderam o emprego nas últimas quatro semanas e os economistas acreditam que o desemprego pode chegar a 32% neste verão.

Adam Tooze, historiador econômico da Universidade de Columbia, acredita que, se as coisas continuarem no caminho atual, a economia dos EUA poderá encolher até um quarto, grandeza semelhante ao colapso de 1929 – com a diferença de que o mergulho naquela época ocorreu ao longo do tempo, durante quatro anos, enquanto a implosão atual pode ser comprimida em apenas alguns meses. “Nunca houve um pouso forçado como esse antes”, escreveu Tooze na revista Foreign Policy. E é uma análise que se aplica a todo o mundo.

Atualmente, os países ricos estão investindo trilhões de dólares para amortecer as consequências iniciais do desastre e ajudar a manter as empresas vivas. Certamente é o curso de ação correto, mas as fraturas estruturais que estão se abrindo atualmente são, em última análise, inevitáveis. Muitas – na verdade, um grande número – de lojas e restaurantes, que agora estão fechados, nunca mais reabrirão suas portas. Muitas fábricas em todo o mundo, que estavam produzindo à capacidade máxima apenas algumas semanas atrás, fecharam para sempre.

Logo ficará claro que a discussão sobre quando as restrições devem ser afrouxadas e a produção retomada não é a questão principal. Claramente, uma coisa é promulgar um decreto paralisando indústrias inteiras, mas trata-se de outra, completamente diferente, reiniciá-las após semanas ou talvez meses de paralisação. Não existe um interruptor que possa ser acionado. Não existe um plano comprovado que possa ser adotado. No quebra-cabeça das práticas de fabricação modernas, o futuro próximo verá inúmeras situações em que uma pequena peça estará faltando para concluir o produto final. Levará tempo para preencher as lacunas e será necessário repensar processos de produção inteiros. Na economia globalizada, com suas famosas cadeias de suprimentos, nenhum país pode reiniciar a atividade econômica por si só – nem mesmo se esse país se chamar Alemanha.

A incerteza gradualmente se infiltrou nos antigos processos de negócios tão estritamente planejados do capitalismo global. O “cisne negro”, que ficou conhecido durante a crise financeira de 2008 como uma metáfora de um evento extremamente improvável, foi transformado pelo coronavírus no novo totem da economia global. “A incerteza radical”, que até recentemente era apenas uma preocupação abstrata, agora se tornou nosso companheiro constante, diz Tooze.

Pode-se até começar a acreditar que seria melhor começar tudo de novo desde o início, em vez de tentar consertar o sistema antigo mais uma vez.

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