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Utopias: o Brasil depois da Pandemia

O Brasil tem o quinto maior território e a sexta maior população do mundo e está entre as doze maiores economias.

Por Samuel Pinheiro Guimarães / Créditos da foto (Mariana Alves/The Intercept Brasil)

3 de agosto de 2020

1. O Brasil tem o quinto maior território e a sexta maior população do mundo e está entre as doze maiores economias. Nestas três categorias de Estados, entre os doze primeiros somente se encontram cinco: os Estados Unidos, a China, a Índia, o Brasil e a Rússia.

2. Todavia, em contraste com estas características positivas, a sociedade brasileira é complexa, com enormes disparidades de riqueza; de nível cultural; de origem étnica; de gênero; regionais; entre centros e periferias urbanas. Disparidades agravadas pela ação cotidiana de um Governo retrógrado, que não tem comparação com qualquer outro no mundo, cuja intenção, declarada, é destruir tudo o que foi construído no passado, semear o ódio, a violência e a ignorância.

3. A utopia é indispensável para libertar o Brasil do jugo do Império informal a que está submetido, através de seu agente, Jair Bolsonaro, ainda que muitos não percebam esta situação ou prefiram a ela fechar os olhos. O Império é o Império Americano e nele o Brasil se encontra na qualidade de Província subdesenvolvida, em desindustrialização e reprimarização, com extraordinária e crescente concentração de renda, nação desarmada, dominada por uma oligarquia plutocrática.

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4. São 193 os Estados no mundo e entre esses o Brasil é o segundo pior classificado em concentração de renda, país em que 1% da população têm 28% da renda. A concentração de riqueza no Brasil (bens imóveis e ativos móveis) é bem maior do que a de renda.

5. Cerca de 80 mil brasileiros têm renda mensal superior a 160 salários mínimos e entre eles se encontram 208 bilionários. São os mega-ricos, os grandes proprietários rurais e urbanos; os grandes proprietários de empresas industriais, comerciais e de serviços; os proprietários dos grandes meios de comunicação; os grandes rentistas; os grandes proprietários de bancos; os altos executivos e grandes profissionais liberais, os proprietários de luxuosos carros, iates, jatos, helicópteros, de mansões, livres da violência policial cotidiana; seus filhos frequentam as melhores escolas no mundo; têm acesso à melhor produção cultural; quando enfermos, podem utilizar os melhores médicos e hospitais do mundo; e possuem, alguns, qualificação profissional e nível cultural elevados.

6. Entre esses 80 mil brasileiros se encontra o reduzido grupo de indivíduos que constituem as classes hegemônicas, que se formaram ao longo de cinco séculos, organizando e adaptando a economia, o sistema social e o sistema político brasileiro. A influência política das classes hegemônicas, através de seus representantes, congressistas, Ministros do Judiciário, Ministros de Estado, os prelados, os militares da mais alta patente, garante a elaboração e a execução de leis em seu favor, assim como a ação administrativa (e policial) que as protege.

7. No extremo oposto, sobrevivem a duras e duríssimas penas, cerca de cem milhões de brasileiros que têm renda inferior a dois salários mínimos, entre eles os 50 milhões que recebem o Bolsa Família, porque têm renda individual inferior a 178 reais por mês, e os que estão abaixo da linha de pobreza. Vivem nas mais violentas e deterioradas periferias urbanas, sem saneamento nem coleta de lixo, sujeitos à violência policial cotidiana; vivem nos grotões do interior; seus filhos frequentam, quando frequentam, escolas depredadas com os menos qualificados professores “leigos”; 60% da população é de analfabetos funcionais; são formados culturalmente pelos programas de auditório e de exaltação à violência exibidos na televisão, obrigados a trabalhar desde cedo, em famílias chefiadas por mulheres; somente tem acesso a hospitais públicos desaparelhados e não tem como comprar remédios; viajam diariamente em transportes coletivos, apinhados como sardinhas em lata; sua influência política, dispersa e desorganizada, ocorre apenas nos períodos de eleição.

8. Entre a ínfima minoria de mega-ricos e as dezenas de milhões de mega-pobres, flutua a classe média, admirando o estilo de vida dos ricos e desprezando profundamente os pobres, os trabalhadores, os mestiços, preconceituosa e raivosa, temendo sempre resvalar para a classe que consideram inferior.

9. A extrema disparidade de renda está na origem das extremas disparidades de poder político; de nível cultural; de origem étnica; de gênero; entre centros e periferias urbanas.

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10. É necessário ser realista para bem definir as condições de realização de utopias. Somente o controle do Estado, em seus três Poderes, pode permitir a execução de políticas que tornem realidade as utopias. Para tal, excluindo a hipótese revolucionária, hoje irrealista, é a ação política, permanente, de longo prazo, de mobilização e conscientização da enorme maioria, vítima da concentração de renda e de poder político, para que, por meios democráticos, esta maioria possa vir a assumir o Poder e tornar as utopias realidade.

11. A mega utopia pós Pandemia é eleger um Governo determinado a executar um projeto para a maioria do povo brasileiro e não um projeto em benefício de um mítico e ínfimo Mercado. Um projeto inclusivo, tolerante, de um Governo eficiente, digno, com a intensa participação da iniciativa privada brasileira, do capital estrangeiro, do Estado e do trabalho. Suas metas utópicas, a se buscar com firmeza, prudência e pertinácia, devem ser:

a. aperfeiçoar a democracia para superar o sistema político oligárquico-plutocrático;

b. acelerar o desenvolvimento e desconcentrar a renda para superar a relação colonial de dependência;

c. promover a justiça social para vencer a barbárie;

d. promover a soberania nacional para livrar o Brasil da submissão abjeta ao Império.

12. A meta utópica de aperfeiçoar a democraciae superar o sistema oligárquico-plutocrático que há cinco séculos domina, organiza e explora a enorme maioria do povo brasileiro, é tarefa que exige grande mobilização popular e tem de ser realizada gradualmente, afastada a hipótese de revolução.

13. É tanto maior o grau de democracia de um sistema político quanto maior for a proporcionalidade de representação, nos organismos legislativos, executivos e judiciários, das diferentes classes sociais, segmentos e setores de atividade. No sistema político democrático liberal cada cidadão tem um voto. No sistema econômico capitalista, cada moeda é um voto. Quanto maior a concentração de renda e de riqueza maior a capacidade das classes hegemônicas de influenciar, através de seus representantes, os organismos do Estado em seus processos eleitorais, legislativos, executivos e judiciários. É no sistema político-legislativo que se define a organização das atividades econômicas, direitos e deveres de empresas e trabalhadores, questões vitais para os beneficiários da concentração de renda manterem sua posição. Precisam moldar as normas do processo político eleitoral e legislativo de modo a poderem melhor exercer sua força econômica e garantir a representação majoritária desproporcional de seus interesses. É suficiente comparar a bancada ruralista, de grandes proprietários rurais, com a bancada praticamente inexistente de trabalhadores do campo. Assim, a legislação agrária e ambiental se faz sob forte influência dos grandes proprietários. O mesmo se dá com a legislação sobre bancos e demais setores econômicos.

14. As mulheres são 51% da população brasileira e ocupam 15%, 77 assentos dos 513 da Câmara de Deputados e há 12 Senadoras entre os 81 membros do Senado Federal. No Congresso Nacional se define a legislação, as normas de organização da sociedade, os direitos e deveres dos brasileiros, das empresas e das agências do Estado e os programas de alocação de recursos públicos coletados pelos impostos. O Brasil é o 151º país em número de mulheres no Legislativo. Há um dispositivo legal sobre o número de candidatas (30%) que os Partidos têm de registrar. Este dispositivo tem sido fraudado através da prática de uso de “laranjas”, candidatas fantasmas, e se revelou inócuo. Assim, a representação política das mulheres deve ser garantida na Constituição que deve determinar que 40% das mulheres mais votadas, sem distinção de partido político ou de Estado, para a Câmara dos Deputados, sejam eleitas. No caso do Senado, deveria haver uma representação mínima de uma mulher por Estado. A candidata mais votada em cada Estado ao Senado seria eleita.

15. No Congresso há grandes bancadas que representam e defendem interesses econômicos, como a bancada dos ruralistas, a dos bancos, a dos hospitais, a das escolas e de setores sociais, como a dos evangélicos, dos católicos etc. A força de trabalho no Brasil é de 86 milhões de indivíduos e estão fora da força de trabalho por estarem desempregados etc cerca de 76 milhões. O número de grandes proprietários rurais, banqueiros, donos de hospital, de escolas não chega, todos somados, a duzentos mil. Os cerca de 150 milhões de trabalhadores não se encontram representados nas bancadas ruralistas, dos bancos etc. Se considerarmos que o PT, o PSOL, o PCdoB, o PDT, a Rede, e deputados isolados de outros partidos representam, de modo geral, os trabalhadores, os trabalhadores estariam representados por cerca de 150 deputados (29%) e 14 senadores (17%). Em verdade, somente se for reduzido o poder econômico no processo eleitoral é que poderá haver uma representação que corresponda melhor à dimensão relativa dos diferentes segmentos da população.

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