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Ferrogrão e o novo ciclo de exploração da Amazônia

Ferrovia para escoamento de soja cortará ao meio gigantesco mosaico de Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Bolsonaro edita lei para agilizar concessões. Maior floresta do mundo poderá sofrer impactos irreversíveis

Por: Telma Monteiro | Entrevista com: João Vitor Santos

A História do Brasil se revela como uma história de exploração e expropriação dessas terras e de quem nela já vivia há séculos. Para a pesquisadora e ambientalista Telma Monteiro, a região amazônica é uma das que mais sofre com essas lógicas desde a chegada dos primeiros colonizadores. Agora, com o projeto da ferrovia apelidada de Ferrogrão, essa história parece receber um novo capítulo, mas sob as mesmas lógicas de um desenvolvimentista que não mede consequências. “O Brasil está sendo rifado no exterior, e desta vez somos nós que estamos oferecendo o país para a exploração. Sim, esse é um novo ciclo de exploração, principalmente da Amazônia”, dispara.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, Telma alerta que essa ferrovia, que, segundo o projeto, deve ir do norte do estado de Mato Grosso até o porto de Miritituba, no rio Tapajós, no Pará, será uma nova veia exposta que trará ainda mais degradação socioambiental. “Ainda sem a Ferrogrão, foram contabilizados, segundo levantamento recente, 2.576 focos de garimpo ilegal que atingem 17% das áreas protegidas e 10% das terras indígenas”, observa. “A Ferrogrão deverá atravessar um mosaico de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, podendo agravar e tornar ainda mais irreversíveis os impactos promovidos pela rodovia BR-163. Além de impactos ambientais e sociais, a EF-170 vai interceptar 17 municípios, dos quais 12 estão no estado do Mato Grosso e os outros cinco no estado do Pará”, completa.

Por isso, Telma é taxativa ao afirmar que “a ideia do governo federal é um retrocesso histórico comparável com a época da ditadura militar que tinha o objetivo de ‘ocupar’ o vazio demográfico na Amazônia”, pois “o lema ‘Integrar para não Entregar’ está muito presente no projeto da Ferrogrão”. O resultado, para a pesquisadora, é fácil de prever: “mais uma vez, a Amazônia, tão explorada desde o descobrimento e ocupada no período da ditadura militar, torna-se fundamental para os planos de destruição impulsionados pelo governo federal e seus aliados do agronegócio predatório”.

E mais: para Telma, essa é apenas uma cereja no bolo de projeto de destruição que está sendo levado a cabo pelo atual governo. “Ferrogrão não estará sozinha nessa composição, ela é apenas o fio condutor, pois junto com ela e a BR-163, outros ramais de estrada de ferro estão previstos para interligar rodovias do norte do Mato Grosso no sentido oeste/leste, passando por Rondônia em direção à hidrovia do Madeira até o rio Amazonas. Todos os governos brasileiros, ao longo da história, não deixaram de pensar em formas de exploração dos recursos naturais da Amazônia, acreditando que com isso transformariam o Brasil na maior potência econômica do mundo”, analisa.

Telma Monteiro (Foto: Arquivo Pessoal)

Telma Monteiro é ativista ambiental e pesquisadora independente, especialista em análise de processos de licenciamento ambiental.

Confira a entrevista

No que consiste o projeto da Ferrogrão, ou EF-170?

A Ferrogrão, ou EF-170, é uma proposta de traçado do projeto de ferrovia criado para escoar soja, farelo de soja e milho produzidos no norte do estado de Mato Grosso, no percurso que vai desde a cidade de Sinop, no MT, até o porto de Miritituba (Itaituba), no rio Tapajós, no Pará. No porto, os grãos serão transferidos para barcaças e seguirão pela hidrovia no trecho do rio Tapajós até o rio Amazonas e dali para o oceano Atlântico.

Traçado geral da Ferrogão | Reprodução Governo Federal

O trajeto previsto para a Ferrogrão é de 933 km e segue paralelo, separado em alguns trechos por apenas 40m, com a polêmica BR-163, ou rodovia Cuiabá–Santarém, que foi construída durante os anos 1970. A Ferrogrão deverá atravessar um mosaico de Unidades de Conservação e Terras Indígenas, podendo agravar e tornar ainda mais irreversíveis os impactos promovidos pela rodovia BR-163. Além de impactos ambientais e sociais, a EF-170 vai interceptar 17 municípios, dos quais 12 estão no estado do Mato Grosso e os outros cinco no estado do Pará.

O projeto da ferrovia data de 2012, lançado pelo governo federal dentro do Programa de Investimento em Logística – PIL para complementar a integração logística do norte do Mato Grosso. Já em 2012, o lobby do agronegócio se intensificou no sentido de pressionar o governo para que a ferrovia pudesse ser rapidamente aprovada. Em 2014, o Ministério da Infraestrutura publicou um edital para a elaboração dos Estudos de Viabilidade da ferrovia, e a Estação da Luz Participações – EDLP, apoiada pelas tradings ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus, se propôs a fazer o relatório de viabilidade técnica, entregue em 2016.

Mudanças no governo de Bolsonaro

Inicialmente, a Ferrogrão seria licitada por um período de 69 anos. Digo isso porque no governo de Jair Bolsonaro a regra está mudando para um regime de concessão em que os investidores ou empresas poderão obter uma autorização simplificada, conforme a Medida Provisória – MP 1065/21, um novo marco legal do transporte ferroviário que dá permissão para construção de novas ferrovias por meio de uma autorização simplificada, sem necessidade de licitação. O custo atualizado da construção da Ferrogrão já está perto dos R$ 20 bilhões. A ideia do governo federal é um retrocesso histórico comparável com a época da ditadura militar, que tinha o objetivo de “ocupar” o vazio demográfico na Amazônia.

O lema “Integrar para não Entregar” está muito presente no projeto da Ferrogrão. É esse o objetivo: escoar a produção de grãos do Mato Grosso e interligar com o escoamento da produção no Arco Norte, outra estratégia de integração com rodovias, ferrovia, portos, estações de transbordo para unir Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão. Mais uma vez, a Amazônia, tão explorada desde o descobrimento e ocupada no período da ditadura militar, torna-se fundamental para os planos de destruição impulsionados pelo governo federal e seus aliados do agronegócio predatório. Sim, porque não há plano B, o de não criar impactos na maior floresta do mundo e nas terras indígenas.

Unidades de conservação atravessadas pelo projeto | Reprodução Telma Monteiro

Como esse projeto se origina e quais os impactos socioambientais já mensurados?

Impossível não mencionar as grandes interferências ambientais e sociais que a Ferrogrão poderá criar e recrudescer as que já estão em andamento, principalmente ao atravessar, exatamente no meio, o Parque Nacional do Jamanxim (PARNA Jamanxim), uma das Unidades de Conservação mais importantes desse mosaico de biodiversidade que é a Amazônia e, em especial, da bacia hidrográfica do Tapajós. O PARNA Jamanxim é uma Unidade de Conservação federal de proteção integral sob o guarda-chuva do Instituto Chico Mendes, mas, mesmo assim, em 2016, a Medida Provisória nº 758 foi aprovada pelo Congresso e se transformou na Lei Federal nº 13.452/2017, que desafetou a área da faixa de domínio para que a ferrovia o cortasse.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/ferrograo-e-o-novo-ciclo-de-exploracao-da-amazonia/

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