Quase 700 milhões de pessoas no mundo vive em zonas costeiras baixas e vulneráveis ao aumento do nível do mar e a tempestades costeiras. Esse número pode chegar a um bilhão em 2050
Por Peter Gleick
Alguns anos atrás, após dar uma palestra sobre água e mudança climática, um rancheiro do Arizona veio até mim e me perguntou se, no futuro, teria água suficiente para os gados ou se as pessoas teriam que vender tudo e ir para o norte. Essa semana, eu recebi um email de um médico prestes a se aposentar, que, mesmo considerando sua situação econômica privilegiada e a natureza pessoal da decisão, perguntou se “seria mais vantajoso/seguro considerar se mudar para a área costeira do Oregon ou de Washington, ao invés de ficar no sul da Califórnia” por causa do aumento do nível do mar, do calor extremo e da crescente ameaça de incêndios florestais. Em uma festa no Dia da Independência, nessa semana, um casal me perguntou se eles deveriam se mudar do Colorado para Michigan por causa da seca e da escassez de água no oeste dos EUA.
Eu ouço essas perguntas frequentemente e fico, ao mesmo tempo, encorajado e desanimado com elas. Encorajado porque sugerem que a mensagem sobre os riscos climáticos está finalmente se espalhando e que as pessoas estão começando a refletir sobre as implicações pessoais desses riscos. Desanimado pela realização de que a crise climática vai produzir duas classes de refugiados: aqueles com a liberdade e recursos financeiros para tentar, pelo menos por um tempo, escapar das ameaças crescentes que vão avançando, e aqueles que ficarão para trás para sofrer as consequências na forma de doenças, morte e destruição.
E eu não consigo respondê-las. Decisões sobre onde viver, quando somos afortunados o suficiente para ter a habilidade de escolher, são profundamente pessoais – é sobre família, amigos, empregos, riqueza e preferências sobre comunidade, saúde, meio ambiente e, sim, clima. Mas, do ponto de vista de um cientista, certos fatos sobre o nosso meio ambiente mutável não estão mais ambíguos. Os níveis do mar estão aumentando e os riscos de enchentes costeiras e tempestades – já muito altos em alguns lugares – estão crescendo rapidamente. Temperaturas cada vez maiores estão provocando eventos climáticos de extremo calor, que sempre foram letais e que estão ficando mais ainda. Incêndios florestais estão ficando mais comuns, mais intensos e durando mais em muitas partes do mundo, ameaçando comunidades com morte e destruição e causando uma severa poluição do ar para milhões de pessoas. A severidade tanto de secas quanto de enchentes está aumentando em algumas regiões, com consequências para a disponibilidade e qualidade de água e para a saúde pública.
No mundo todo, quase 700 milhões de pessoas agora vivem em zonas costeiras baixas e vulneráveis ao aumento do nível do mar e a tempestades. Esse número pode chegar em um bilhão em 2050. Países insulares como as Maldivas, Seicheles, Kiribati e outros podem ser completamente varridos pelo aumento do nível do mar e pelas tempestades. Mesmo um aumento de somente um metro, quase certamente inevitável agora, irá desalojar milhões de pessoas na Flórida e ao longo da costa do Golfo, causando trilhões de dólares em danos e perdas de propriedades.
As ondas de calor sem precedentes que estão varrendo o planeta recentemente são anunciadoras das ondas de calor do futuro. Temperaturas acima de 49 graus celsius varreram o Oriente Médio algumas semanas atrás, mais cedo do que o esperado. O Vale da Morte atingiu 53.3 graus celsius, um pouco abaixo da temperatura mais quente já registrada na Terra. Na semana passada, a pequena cidade de Lytton, na Colúmbia Britânica, viu as maiores temperaturas já registradas no Canadá – e então foi dizimada por um incêndio florestal rápido e brutal. E a Organização Meteorológica Mundial, essa semana, confirmou uma nova temperatura alta histórica na Antártica.
A Avaliação Climática Nacional dos EUA observou que o período desde 1950 no sudoeste estadunidense foi o mais quente do que qualquer outro período nos últimos 600 anos, e que as temperaturas continuam a subir. O estresse térmico já é a principal causa de morte relacionada ao clima nos EUA, pior do que furacões, tornados ou enchentes. Na Europa, já é estimado que mais de 20.000 pessoas, em sua maioria idosos, morram anualmente devido à exposição ao calor extremo. Esse problema é mais severo em comunidades mais pobres que não possuem árvores de sombra, ar-condicionado e abrigos de refrigeração.
Todas essas mudanças mostram as pegadas da mudança climática causada pelo homem. Em resposta, os humanos que puderem se deslocar, irão. Assim como milhões migraram nos últimos 50 anos do norte frio para comunidades mais quentes e ensolaradas na Flórida, no Arizona, no Novo México e no sul da Califórnia, certamente veremos uma enorme migração reversa nos próximos 50 anos para longe das costas, do calor extremo e da escassez da água para locais tidos como mais favoráveis. Já estamos vendo refugiados na fronteira sulista dos EUA fugindo de países que estão sofrendo com a seca e outros desastres. Se as emissões de gases do efeito estufa continuarem inalteradas, alguns modelos sugerem que mais de um milhão de refugiados climáticos podem ir da América Central e do México para os EUA. Em abril, o Alto Comissário da ONU para Refugiados divulgou um relatório mostrando que os desastres relacionados ao clima já deslocam mais de 20 milhões de pessoas por ano, e um relatório do Instituto Australiano para Economia e Paz sugere que mais de um bilhão de pessoas podem ser deslocadas por desastres climáticos em 2050.
Quão ruim vai ficar? Eu não sei, porque eu não sei por quanto tempo nossos políticos vão hesitar antes de finalmente lidar com a crise climática. Eu não sei, porque existem fatores naturais que podem diminuir um pouco ou acelerar muito o ritmo da mudança, causando desastres em cascata mais rápido do que conseguiremos nos adaptar. Mas sabemos o suficiente agora para investir na redução das emissões de gases que mudam o clima e para iniciar a nossa adaptação a esses impactos que não podemos mais evitar. Essas mudanças estão vindo e os custos, especialmente para os que forem deixados para trás, estarão além de tudo que os nossos sistemas de gerenciamento de desastres tiveram que lidar no passado.
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