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A danação da história e a luta pelo futuro

Por José Luís Fiori | Créditos da foto: (Luciano Belford)

Há dois anos, o economista José Luís Fiori escreveu o seguinte artigo, onde fez uma projeção do futuro desastroso que o Brasil teria pela frente nas mãos da extrema-direita. Como teria dito Millôr Fernandes: “um enorme passado pela frente”.Passado este tempo, a pergunta inicial do artigo permanece: “o que passará com o país quando a população perceber que a economia brasileira colapsou?”. E se já chegamos no futuro, podemos ver que está se passando é um ensaio de resistência popular que eclodiu de norte a sul do país, com todos os cuidados necessários, e apesar das restrições pandêmicas.A economia desabou, a cesta básica custa uma fortuna, o salário de um trabalhador médio já não é suficiente para alimentar uma família, os índices de inadimplência dispararam. Isso significa que o plano liberal do soldadinho de Chicago que hoje ocupa o ministério da Economia falhou de forma retumbante.Às forças militares irresponsáveis, aos neoliberais, à corja da extrema-direita e às seitas religiosas fundamentalistas, o povo brasileiro responde em alto e bom som que o futuro será outro. Que este plano de destruição não vingará.O artigo de Fiori nos traz ainda uma perspectiva a partir de uma possível vitória da esquerda em 2022. Sem esquecer o passado, é para a frente que devemos olhar.Boa leitura:***

A danação da historia e a luta pelo futuro
Por José Luís FioriDepois de 1940, a Argentina entrou num processo entrópico de divisão social e crise política crônica, ao não conseguir se unir em torno de uma nova estratégia de desenvolvimento, adequada ao contexto geopolítico e econômico criado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, pelo declínio da Inglaterra, e pela supremacia mundial dos Estados Unidos.J.L.F. História, estratégia e desenvolvimento. Petrópolis: Editora Vozes, 2014, p. 272

Existe uma pergunta parada no ar: o que passará no país quando a população perceber que a economia brasileira colapsou e que o programa econômico deste governo não tem a menor possibilidade de recolocar o país na rota do crescimento? Com ou sem reforma da Previdência, qualquer que seja ela, mesmo a proposta pelo Sr. Guedes. E o que ocorrerá depois disso?

O mais provável é que a equipe econômica do governo seja demitida e substituída por algum outro grupo de economistas que atenue os traços mais destrutivos do programa ultraliberal do governo. Mesmo assim, não estará afastada a possibilidade de que o próprio presidente seja substituído por algum dos seus aliados de extrema-direita dessa coalisão construída de forma apressada e irresponsável, em torno de uma figura absolutamente inepta e demente. Mas se nada disso acontecer e as coisas seguirem se arrastando e piorando nos próximos tempos, o mais provável é que as forças de extrema-direita venham a ser fragorosamente derrotadas nas próximas eleições presidenciais.

O problema é que, quando isto ocorrer, o Brasil já terá completado mais uma “década perdida”, o que torna ainda mais difícil de prever e planejar o que acontecerá, e o que possa ser feito na década de 2020, para retirar o país do caos. É, entretanto, indispensável e urgente que se imagine e reflita sobre esse futuro, para não repetir erros passados. Para tanto, o melhor caminho é começar pela releitura do próprio passado e, em seguida analisar, com mais atenção, o caso de alguns países que fizeram idênticas escolhas, e que vão antecipando as consequências do rumo adotado pelo Brasil.

Comecemos, portanto, de forma extremamente sintética, pela década de 80 do século passado, quando o “desenvolvimentismo sul-americano” entrou em crise e foi abandonado por todos os países do continente onde ele havia sido hegemônico, desde o fim da II Guerra Mundial. Esse colapso ocorreu de forma simultânea com a “crise da hegemonia americana”, da década de 70, e com a mudança da estratégia econômica internacional dos Estados Unidos, durante o governo de Ronald Reagan, na década de 80. Foi nesse período que se deu a grande “virada neoliberal” da América do Sul, quando as elites políticas e econômicas do continente adotaram em conjunto, e quase simultaneamente, o mesmo programa de reformas e políticas liberais preconizado pelo que se chamou, na época, de “Consenso de Washington”.

No entanto, em todos os países em que foram aplicadas, essas políticas neoliberais produziram baixo crescimento econômico e aumento das desigualdades sociais. E na entrada do novo milênio, os resultados negativos contribuíram para que a América do Sul fizesse uma nova meia-volta, desta vez “à esquerda”, aproveitando-se do vácuo criado na região pela guerra global ao terrorismo, que deslocou a atenção dos Estados Unidos para o Oriente Médio. Em poucos anos, quase todos os países do continente elegeram governos de orientação nacionalista, desenvolvimentista ou socialista, com uma retórica antineoliberal e com um projeto econômico cujo denominador comum apontava numa direção muito mais nacionalista e desenvolvimentista do que liberal. Foi nesse período, já na primeira década do novo milênio, que o Brasil e alguns outros países do continente decidiram aumentar o controle estatal de alguns ativos estratégicos da região, em particular no campo da energia, como aconteceu depois da descoberta do pré-sal no Brasil, e do gás não convencional na Argentina. E a América do Sul retomou então seu velho projeto de integração regional, agora sob a liderança brasileira, com a ampliação do Mercosul e a criação da Unasul.

Uma vez mais, entretanto, como na lenda de Penélope, o continente latino- americano desfez tudo de novo, depois da crise econômica internacional de 2008 e, em particular, depois da mudança da doutrina estratégica dos Estados Unidos, com o governo de Donald Trump, que patrocina golpes de Estado e governos ultraliberais ao mesmo tempo que pratica – paradoxalmente – o protecionismo e o nacionalismo econômico in domo suo. Mas parece que tudo está andando cada vez mais rápido, porque já existem fortes indícios de que esta nova onda liberal será ainda mais breve do que a anterior, como é o caso – fora da América do Sul – da vitória de Lopez Obrador no México, e da enorme reação popular contra o governo ultraliberal de Mauricio Macri, na Argentina.

A Argentina, aliás, é o caso mais longevo e paradigmático dessa verdadeira “gangorra sul-americana”. O programa econômico do governo de Maurício Macri, por exemplo, reproduziu quase integralmente as ideias ultraliberais do economista Domingo Cavallo, que já haviam sido provadas nos governos de Carlos Menem (1989-1999) e de Fernando de la Rua (1999-2001), antes dos governos peronistas de Nestor Kirshner (2003- 2007) e de Cristina Kirshner (2007-2015), que desembocaram, por sua vez, no retorno do liberalismo, com a vitória eleitoral de Maurício de Macri em outubro de 2015. O apoio parlamentar de Maurício Macri permitiu que ele aprovasse, sem maiores problemas, as famosas reformas da Previdência e da legislação trabalhista, mantendo rigorosa política de austeridade fiscal e de privatizações do que ainda restava nas mãos do Estado argentino.

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