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América Latina: Em busca da soberania perdida

Por Ariela Ruiz Caro |Créditos da foto: Mural de Jorge González Camarena, Universidade de Concepción, Chile (Farisori) | Tradução de Carlos Alberto Pavam

Dois recentes eventos fizeram renovar a esperança de uma retomada na cooperação latino-americana e caribenha tão negligenciada nos últimos cinco anos: o discurso de Andrés Manuel López Obrador (AMLO) no encontro dos Ministros do Exterior da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e o de Héctor Béjar em sua posse como chanceler em Lima, apontando para uma reviravolta na política externa do Peru.

Os dois expressaram rejeição a bloqueios e embargos impostos a países da região, respeito aos princípios de não-intervenção e de autodeterminação dos povos e defenderam o uso das plataformas de integração como órgãos de coordenação política em diversos campos. Especificamente, eles apontaram para o fato de a América Latina, ao contrário de outras regiões, não ter definidodiretrizes de políticas públicas comuns nem coordenado compras conjuntas de vacinas para combater a pandemia de COVID-19 por meio de existentes mecanismos de cooperação regional.

Já vários países do Sudeste Asiático, a União Africana (UA) – formada por 56 nações com diferentes tendências ideológicas – e a União Europeia buscaram conjuntamente comprar vacinas e estabeleceram protocolos de saúde comuns. A UA foi além e assumiu posição unânime em apoio à proposta da Índia e da África do Sul de suspensão temporária de patentes de vacina contra a COVID-19 até que fosse feita uma oferta para se providenciar as vacinas para toda a população dentro dos marcos do fórum do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIP, sigla em inglês), da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Nos últimos dois anos, a América Latina e o Caribe expuseram sua desintegração:seus governos deixaram a Unasul desmoronar; o candidato do ex-presidente Trump, o americano Mauricio Claver-Carone, ser apontado para a presidência do BID; a OEA ser cúmplice de um golpe de Estado na Bolívia; para não mencionar as atuais tensões dentro do Mercosul.Entretanto, surge alguma esperançaacenada pelo presidente do México, pela mudança na política externa do recém-eleito presidente peruano, Pedro Castillo, e pela possibilidade de ascensão de novos governos esquerdistas que poderiam definir um novo cenário de cooperação e formação de consenso na região.

A proposta do México

Em 24 de julho, no encontro dos Ministros do Exterior da CELAC, o presidente López Obrador fez um discurso histórico no qual reviu a luta pela independência e o ideal de integração das nascentes nações americanas do libertador Simón Bolívar. “Nada foi fácil em sua luta: ele perdeu batalhas, enfrentou traições e, como em todo movimento de transformação ou revolucionário, apareceram divisões internas, que podem ser mais prejudiciais do que batalhas contra os verdadeiros adversários”, destacou, concluindo que a proposta de integração regional não se tornou realidade.

Ele atribuiu parte do fracasso à predominante influência da política externa dos EUA no continente. Aquele país “nunca deixou de promover operações abertas e encobertas contra países independentes ao sul do rio Bravo,” lembrou. Existe apenas um caso especial, o de Cuba, “país que por mais de meio século tem afirmado sua independência confrontando politicamente os Estados Unidos”. Por isso, acrescentou, “o povo de Cuba merece o prêmio da dignidade e que a ilha seja considerada uma nova Numância por seu exemplo de resistência, e penso que por essa razão deveria ser declarada patrimônio mundial”. O presidente sublinhou que se pode “concordar ou discordar da Revolução Cubana e de seu governo, mas ter resistido por 62 anos sem se subjugar é um grande feito… mesmo se minhas palavras provoquem raiva em alguns ou em muitos…”.

López Obrador pediu para se dar “adeus a imposições, interferências, sanções, exclusões e bloqueios, e que sejam respeitados os princípios de não-intervenção, de autodeterminação dos povos e da resolução pacífica de conflitos”. Com esse espírito, ele apontou que “não deve ser descartada a substituição da OEA por um órgãoverdadeiramente autônomo, não um lacaio de ninguém, mas um mediador a pedido e aceitação das partes em conflito em questões de direitos humanos e de democracia”. Uma ousada intençãoem um cenário de crescente conflito entre Estados Unidos e China, que afeta também a região.

A parte sobre a substituição da OEA foi mais uma figura retórica de AMLO. Ele busca um enfraquecimento da entidade por meio do fortalecimento de outras, como a CELAC e a Unasul, que têm sido desprezadas como espaço de coordenação política no trato de problemas afligindo países da região. Esses fóruns têm grande importância e potencial, já que diferentes visõessobre a inserção dos países membros na economia mundial destruíram, ou estão destruindo, projetos de construção de um mercado comum ou de uniões aduaneiras. A integração econômica ao estilo da União Europeia, adaptada à nossa realidade, como sugeria AMLO, não é mais um modelo possível, mas isso não significa que essas plataformas não possam ser usadas na área de cooperação política e em vários outros assuntos.

Reviravolta na política externa do Peru

A indicação de Héctor Béjar como ministro do Exterior apontou para uma mudança drástica na política externa do Peru. Apesar de ele ter sido forçado a renunciar pouco depois, o presidente Pedro Castillo tem indicado que manterá as linhas básicas traçadas em seu discurso de posse por Béjar, um ex-guerrilheiro do Exército de Libertação Nacional (ELN) durante a década de 1960 e que ficou preso por quatro anos e foi libertado pelo general Juan Velasco Alvarado. Héctor Béjar enfatizou que o Peru assumirá uma diplomacia nacional, autônoma, democrática, social e descentralizada. Ou seja, a ação externa estará a serviço das exigências sociais e econômicas da maioria.

O Peru volta a considerar a região e seus organismos de integração como espaços de coordenação e cooperação política nas áreas ambiental, cultural, econômica, de saúde e outras. Ele anunciou que irá fortalecer a Unasul e retirar do Congresso autorização pedida pelo então presidente Martin Vizcarrapara formalizar a retirada do Peru da entidade. De acordo com a Convenção de Viena, países membros só podem sair de uma organização criada por tratado internacional, como é o caso da Unasul, a pedido do Executivo e com a aprovação do Congresso. A iniciativa brasileira, criada em 2008 no governo Luiz Inácio Lula da Silva, foi abandonada dez anos depois por seis de seus 12 membros (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Paraguaie Peru) devido a manobras do governo de Donald Trump, articulada por Mauricio Claver-Carone, então assessor de Segurança Nacional para a América Latina da Casa Branca. Isso foi revelado pelo ex-ministro do Exterior peruano Rafael Roncagliolo.

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/America-Latina-Em-busca-da-soberania-perdida/6/51503

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