Andrés Arauz fala ao fundador da Jacobin, Bhaskar Sunkara, sobre sua surpreendente jornada nas eleições equatorianas de 2021, as realizações de Rafael Correa no Equador e como ele planeja ganhar o segundo turno 11 de abril para reconstruir seu partido e aprofundar a Revolução Cidadã.
Uma entrevista com Andrés Arauz / Tradução Guilherme Ziggy
Andrés Arauz não age como alguém que está muito próximo do poder – no bom sentido. Depois de passar um tempo com o candidato da esquerda no segundo turno das eleições do Equador em Nova York, fiquei impressionado com a humildade de Arauz nas interações com a equipe dele, ativistas e mesmo com estranhos.
A imprensa internacional quer que acreditemos que Arauz é uma figura perigosa, um peão do feroz populista Rafael Correa, comprometido com uma retórica polarizante e com políticas desestabilizadoras. Em vez disso, o que encontrei em minhas discussões foi uma figura humilde, um progressista ideologicamente comprometido, mas também um pensador com nuances, orgulhoso de sua perspicácia tecnocrática e experiência como economista.
Pelo comportamento calmo de Arauz, ninguém suspeitaria da tempestade que se forma ao seu redor. As teorias da conspiração sobre sua conexão implausível com o Exército de Libertação Nacional da Colômbia (ELN) estão crescendo, a contrapropaganda está sendo espalhada sobre seus planos para o Equador e a quem ele responderá. Arauz, que acabou de fazer 36 anos e era desconhecido até alguns meses atrás, chegou ao segundo turno, que será disputado dia 11 de abril.
No começo de fevereiro, ele ganhou cerca de um terço dos votos válidos com uma vantagem significativa sobre seus rivais, mas isso não foi suficiente para evitar um segundo turno. Depois de uma recontagem tensa, ele passou ao segundo turno contra o banqueiro Guillermo Lasso.
Nenhum dos presidenciáveis deseja, no entanto, se associar ao atual líder do país, Lenín Moreno. Depois de ser eleito com o apoio de Correa em 2017, ele deu início a uma guinada para a direita, adotando medidas de austeridade e perseguiu os principais líderes da Revolução Cidadã no país.
Como resultado, figuras proeminentes como Rafael Correa e Jorge Glas não puderam participar da disputa deste ano. De fato, o Movimento da Revolução Cidadã enfrentou medidas extraordinárias ao tentar se registrar como um partido e montar uma chapa. Com sua liderança existente perseguida, um estranho, Arauz, foi a melhor escolha para montar uma campanha que visasse desfazer as ações de Moreno e pudesse aprofundar as conquistas do governo Correa (2007-2017).
Apesar das controvérsias e críticas sobre os projetos de mineração e os confrontos com o movimento indígena organizado, sob o governo popular de Rafael Correa o salário mínimo dobrou no país, os gastos com educação e saúde dispararam e o crescimento do PIB ultrapassou as médias regionais. É um período ao qual muitos gostariam de voltar.
Hoje, a Covid-19 ceifou milhares de vidas, o desemprego disparou, a infraestrutura de saúde foi danificada e um programa de austeridade do FMI ameaça mergulhar o país em uma recessão ainda mais profunda.
Andrés Arauz estava na casa dos 20 anos quando serviu no Banco Central de Correa e mais tarde como ministro. A seguir, ele explica um pouco de sua visão de mundo, como planeja vencer o segundo turno e unir seu país e também, o que podemos esperar de sua presidência.
BKS
Vamos começar com sua trajetória. O que o atraiu para a economia e qual é a tradição econômica que mais o influenciou?
AA
Tudo começou quando eu era muito jovem. Minha avó me ensinou matemática jogando cartas e também ensinou um importante sistema de valores éticos – ela me transmitiu uma visão de mundo igualitário e moral.
Aí, quando continuei meus estudos, a economia se encaixou naturalmente. Eu tinha as habilidades quantitativas para me destacar na disciplina, mas, ao contrário de muitos de meus colegas da área, também me dedicava à causa da justiça social.
No início, fui mais atraído pela economia desenvolvimentista, tentando entender principalmente o papel das instituições na formação de uma economia. Eu estava estudando economia política, no sentido de que estava preocupado com a distribuição de poder dentro da economia, não apenas de renda.
No Equador, conheci melhor o que chamamos de economia social e solidária – fiquei muito intrigado com os modelos alternativos de organização econômica, tanto no nível micro quanto no macro. E então, trabalhando no banco central do país, eu estava realmente obcecado pela economia monetária na tradição pós-keynesiana.
Podemos dizer que me baseio nas tradições pós-keynesianas e desenvolvimentistas, fundindo-as com percepções de experimentos da economia solidária.
BKS
O governo Rafael Correa era obviamente progressista e redistribuicionista, mas parecia enfatizar uma estabilidade macroeconômica. Com essa ênfase, qual será sua resposta aos mesmos problemas que os governos de centro-esquerda anteriores enfrentaram?
AA
Nossa referência principal foi o próprio Equador – a experiência de desenvolvimento em três períodos de nossa história. Tem Eloy Alfaro [líder da Revolução Liberal de 1895], que usou a infraestrutura para realmente criar um projeto nacional… Seguimos esse molde, enfatizando não apenas a contagem de nossa produção econômica, mas também descobrindo que tipo de ativos da vida real estávamos criando e quais eram seus impactos.
Alfaro construiu o trem que ligava Guayaquil a Quito e mudou para sempre a paisagem equatoriana. Com um espírito semelhante, queríamos criar projetos de infraestrutura que não apenas facilitassem o desenvolvimento, mas ajudassem a construir uma nação.
Em segundo lugar, fomos inspirados pela experiência de desenvolvimento do Equador durante o boom do petróleo dos anos 1970 – aquele crescimento econômico, a expansão do setor estatal, mas também a queda.
E, finalmente, a crise bancária do final da década de 1990 também foi um poderoso exemplo negativo. Estudamos essa história com muito rigor e nos comprometemos a não repeti-la. Grosso modo, sabíamos que esse tipo de crise era produto da priorização do setor financeiro em relação ao resto da sociedade.
Isso significa criar modelos alternativos de crescimento, aumentando tanto as oportunidades para as pessoas comuns e seus saberes quanto a macroeconomia.
BKS
A seu ver, qual foi a conquista mais significativa do governo Correa que você participou?
AA
A capacitação de equatorianos comuns – poder dizer que as pessoas tinham interesse em sua própria sociedade e um certo orgulho pelas transformações que estavam ocorrendo. Mas, obviamente, esse empoderamento foi um subproduto do todo – nossa política social, gastos com educação, nova infraestrutura e assim por diante.
BKS
O projeto Correa falhou em se institucionalizar da maneira que, digamos, foi o projeto de Evo Morales na Bolívia, por meio do desenvolvimento do Movimento pelo Socialismo (MAS). Em vez disso, pela Aliança PAIS, vocês fizeram com que Lenín Moreno e aqueles ao seu redor sequestrassem a Revolução Cidadã e tentaram empurrá-la para a direita.
Quais são as lições sobre a construção de instituições e partidos que você tira dessa experiência?
AA
Bem, concordo totalmente com você – essa foi a principal fraqueza de nosso projeto político, e é a questão mais persistente, obviamente, com a qual estamos lidando. Precisamos de uma estrutura partidária com raízes sociais sólidas.
Em vez disso, dependemos muito de um líder carismático com o qual as pessoas se conectam por meio da mídia de massa. Nosso movimento precisa ser mais profundo do que isso, e esse é um problema do qual estou ciente e totalmente empenhado em abordar.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/04/andres-arauz-candidato-de-esquerda-no-equador-fala-a-jacobin-na-reta-final/
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