Em 31 de março de 1872, nasceu a militante revolucionária Aleksandra Kolontái, que junto com suas camaradas fundou o Zhenotdel em 1918 para garantir a plena participação das mulheres na sociedade soviética. Os esforços para libertar as mulheres na Ásia Central muçulmana mostraram a promessa emancipatória da revolução – e os perigos de impor mudanças sem o apoio ativo dos oprimidos.
Por Anne McShane | Tradução Cauê Seignemartin Ameni
Ahistória de dez anos do Zhenotdel – o departamento feminino do comitê central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) – é uma importante história da luta para colocar a emancipação das mulheres no centro do projeto soviético. Criado em dezembro de 1918 por mulheres bolcheviques como Alexandra Kollontai e Inessa Armand, ele forneceu uma plataforma sem precedentes para as mulheres da classe trabalhadora e camponesas participarem da vida social e política, tomando a revolução diretamente em suas próprias mãos. No entanto, essa experiência permanece pouco conhecida, mesmo entre aqueles que se consideram bem versados na história soviética.
A reivindicação da Revolução Russa na promoção dos direitos das mulheres é muitas vezes considerada uma questão de proclamações de princípios que não mudaram profundamente as condições reais das mulheres. Sem dúvida, os códigos legais introduzidos nos 2 primeiros anos da revolução prometiam mudanças sem precedentes no papel da mulher na sociedade, como no “Código sobre Casamento, Família e Tutela” introduzido em 1919. Fim das sanções religiosas ao casamento e confirmação da disponibilidade de divórcio, este código declara homens e mulheres iguais perante a lei e garante salário igual para trabalho igual. Além disso, legalizou o aborto e aboliu a ilegitimidade, estabeleceu a idade mínima para o casamento em 18 anos para os homens e 17 para as mulheres, e exigiu o consentimento de ambas as partes para se casarem.
É amplamente assumido que as limitações de uma revolução isolada significavam que esses direitos legais permaneceram no papel – ou seja, não havia nenhum projeto sério para traduzi-los na emancipação concreta da mulher. No entanto, essa percepção é imprecisa. O Zhenotdel foi um projeto muito sério – não apenas para as centenas de milhares de mulheres que se beneficiaram dele. Iniciou a participação das mulheres na vida social e política em toda a União Soviética. Em 1920, foi mais longe e lançou a Internacional das Mulheres Comunistas – um projeto que durou até 1930, quando tanto ela quanto a Zhenotdel foram fechadas sob o regime de Stalin.
A gama de atividades do Zhenotdel era vasta. Abriu cantinas, lavanderias, creches, creches públicas e organizou o recrutamento de mulheres para os locais de trabalho em pé de igualdade com os homens. Também organizou reuniões de delegados para representar as mulheres da classe trabalhadora em seus locais de trabalho e comunidades, que por sua vez administraram um programa de estágio para treinar mulheres para novos cargos em fábricas e departamentos governamentais. Estabeleceu inspeções de fábricas e locais de trabalho para fazer cumprir as leis de proteção à saúde e segurança das mulheres trabalhadoras e, mesmo fora do local de trabalho, organizou mulheres desempregadas e criou cooperativas. Na Ásia soviética, o foco de minha própria pesquisa, o Zhenotdel adotou formas inovadoras de trabalho para tirar as camponesas e as mulheres urbanas da reclusão tradicional e para desenvolver atividades independentes em projetos econômicos e culturais coletivos.
Mas, embora essas iniciativas tenham tornado Zhenotdel popular entre as mulheres da classe trabalhadora e camponesas, o mesmo não pode ser dito da maioria dos membros masculinos do partido, inclusive dentro da liderança. Na verdade, proeminentes mulheres bolcheviques criaram o Zhenotdel em 1918 precisamente porque viram o quão passivo este último era sobre a questão da emancipação das mulheres, considerando-a secundária em relação aos principais desafios econômicos e militares enfrentados pelo Estado sitiado. Diante dessa situação, em dezembro de 1918, mulheres como Alexandra Kollontai, Inessa Armand, Konkordiia Samoilova, Klavdiia Nikolaeva e Nadezhda Krupskaya tomaram a iniciativa de organizar um congresso de mulheres operárias e camponesas.
Este evento atraiu delegados de todo o jovem Estado soviético, que concordaram com a necessidade de estabelecer uma organização dedicada. Comissões foram formadas e então reunidas como Zhenotdel pelo comitê central bolchevique em agosto de 1919. Alguns acadêmicos argumentaram que este foi um movimento cínico do comitê central para manter o controle do movimento das mulheres. No entanto, foi saudado pelas mulheres bolcheviques como uma evidência do reconhecimento de seus argumentos. O congresso de dezembro forçou o comitê central a agir. Mas isso não significava que o argumento para a centralidade da questão da mulher tivesse sido ganho dentro do partido – qualquer coisa, menos isso.
Conservadorismo bolchevique
As lideranças do Zhenotdel argumentaram que o sucesso ou o fracasso do socialismo soviético dependia da questão da mulher. Longe de ser um assunto que pudesse ser adiado para depois da derrota da ameaça imperialista ao Estado soviético, o reconhecimento dos direitos das mulheres foi crucial para superar a crise. Afinal, para as mulheres serem mobilizadas para defender a revolução, elas primeiro precisavam ser ganhas para se identificarem com ela como uma força libertadora. Os escritores do Kommunistka, o jornal Zhenotdel, argumentaram constantemente que, sem a incorporação desse entendimento em todas as áreas do trabalho partidário, não havia perspectiva real de avanço para o socialismo soviético. Mas, apesar do apoio de alguns homens na liderança, mudanças profundas no papel das mulheres continuaram a ser vistas como algo para o futuro. O Zhenotdel, com suas demandas por ação imediata e mudanças de atitude, era freqüentemente visto como um incômodo, evitando lidar com os sérios desafios “masculinos” da guerra civil e da sobrevivência econômica.
Esse conservadorismo não deve ser simplesmente descartado como um atraso russo: este era, afinal, o país cuja classe trabalhadora havia dado os passos mais avançados. Mas a revolução teve muitos pontos fracos a esse respeito. Um problema chave residia na falta de trabalho teórico sobre a questão da família entre os bolcheviques antes da revolução. A emancipação das mulheres foi marginal nas discussões políticas do partido antes de 1917, fora de sua oposição ao feminismo burguês, que era considerado um movimento seccional e divisionista. Mesmo as propostas canônicas sobre a superação da opressão das mulheres sob o socialismo, apresentadas por August Bebel em 1879 e Friedrich Engels em 1884, parecem não ter sido amplamente discutidas. Houve iniciativas – baseadas no ativismo feminino – para organizar as mulheres trabalhadoras, fazer campanha, produzir e divulgar o jornal Rabotnitsa (“Mulher Trabalhadora”) e organizar eventos para o Dia Internacional da Mulher. Mas se os homens bolcheviques não viam os direitos das mulheres como uma questão crucial antes da revolução, era inevitável que os vissem como um desvio após a revolução.
Houve exceções – principalmente o próprio Lênin. Em uma entrevista com Clara Zetkin em 1920, ele expressou enorme orgulho de que a revolução estava “trazendo as mulheres para a economia, para a legislação e o governo”, bem como “cumprindo seriamente a demanda em nosso programa de transferência do poder econômico e educacional, funções da família separada para a sociedade” por meio de avanços como “cozinhas comunitárias e restaurantes públicos, lavanderias e oficinas de conserto, creches, jardins de infância, lares de crianças, institutos educacionais de todos os tipos”. Mas suas próprias opiniões nem sempre foram a norma – na verdade, nesta mesma entrevista ele reclamou que “infelizmente ainda podemos dizer de muitos de nossos camaradas, ‘arranque o comunista do nome e um filisteu aparece’”, pois “sua mentalidade em relação às mulheres” era igual a dos “proprietários de escravos”. Para Lenin, era politicamente crucial “arrancar a velha ideia de ‘mestre’ até a sua última e menor raiz, no partido e entre as massas”, bem como formar “uma equipe de camaradas, bem treinados em teoria e prática, para exercer a atividade partidária entre as mulheres trabalhadoras”.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/03/as-mulheres-no-centro-da-revolucao/
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