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As perversas engrenagens da fome na Amazônia

18% da miséria no país se concentra na região Norte. Faltam políticas públicas contra a fome; Agronegócio devasta florestas, empareda agricultura local e culturas alimentares são engolidas por atravessadores e corporações

Mário Tito Barros Almeida, em entrevista ao IHU Online

O mal da fome, que voltou a estar em evidência ao longo da pandemia de Covid-19, não pode ser atribuído somente à conjuntura mais recente, em que houve um aumento significativo da perda de renda e aumento do desemprego. O crescimento dos graus de insegurança alimentar no mundo todo é observado com mais intensidade desde 2015, segundo o doutor em Relações Internacionais Mário Tito Barros Almeida. “Não obstante os avanços tecnológicos, a globalização e todos os aspectos de inter-relação entre os países, temos o aparecimento e o acréscimo da fome no mundo. (…) Populações não têm o que comer por causa de guerras, por causa da pobreza interna de seus países, por conta de desigualdades regionais, por conta de políticas governamentais completamente erradas e equivocadas”, resume.

Em 2018, informa, dois anos antes dacrise sanitária global, “o mundo apresentava mais de 800 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave”. Os números atuais, pontua, “mostram que estamos passando de 900 milhões de pessoas nessa situação, quase retornando a um patamar do século passado, de um bilhão de pessoas que sofrem do mal da fome no mundo; é praticamente uma China que passa fome”.

Na última quinta-feira, 24-06-2021, Mário Tito Barros Almeida ministrou no Instituto Humanitas Unisinos – IHU a palestra virtual “Fome e soberania alimentar na Amazônia e no Brasil”, na qual reflete sobre o modelo de produção concentrado em oligopólios internacionais, o aumento da fome no mundo, sua incidência no Brasil, particularmente, nas várias “Amazônias”. “Temos várias ‘Amazônias’, mas temos, porém, um problema único: a Amazônia é rica, mas ela não produz riqueza; ela produz ricos”.

A seguir, publicamos a palestra no formato de entrevista.

Mário Tito Barros Almeida é doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB, mestre em Economia pela Universidade da Amazônia – Unama, graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília – UCB, em Teologia pela Università Pontificia Salesiana, em Roma, e em Economia pela Unama. Atualmente é docente da Unama, da Faculdade Católica de Belém e da Faculdade Cosmopolita.

Confira a entrevista

Hoje fala-se em insegurança alimentar. Isso significa que a fome continua sendo um problema no século XXI?

A questão da fome é uma realidade tristemente contemporânea no mundo, no Brasil e na Amazônia. A primeira coisa que gostaria de dizer é que quando falamos em fome, não estamos falando no sentido de “sentir fome”. Sentir fome é uma questão biológica: sinto fome e em seguida satisfaço esse desejo e não sinto mais fome. Não me refiro também ao sentido de “passar fome”, porque isso implica um período específico e há o vislumbre de, em seguida, ter o alimento. Quando falo em fome, trato do mal da fome, de uma perspectiva de desumanização que nasce da ausência de alimentos.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO trabalha muito mais com o conceito de segurança alimentar para falar de fome: segurança alimentar leve, moderada e grave. Nós chamamos isso de fome porque, mais do que qualquer coisa, fome não é uma questão de produção, é uma questão de política. Ou seja, o mal da fome tem raízes na relação de poder da sociedade. Ao mesmo tempo, precisamos avançar no conceito de segurança alimentar que é preconizado pela FAO e que garante, de alguma forma, que todo ser humano deve ter qualidade e quantidade de alimento para ter uma vida digna.

Segurança e soberania alimentar

A proposição da minha fala é avançar no conceito de segurança alimentar para alcançar o conceito de soberania alimentar, que é mais do que segurança, apesar de não eliminar o conceito de segurança. Por soberania alimentar estamos nos referindo à capacidade dos povos de proverem alimentos a despeito da dominação de tantas corporações alimentares no nosso modo de comer. Soberania alimentar é a valorização da produção de alimentos mais regionais a partir dos conhecimentos tradicionais.

Quantas pessoas ainda passam fome no mundo e no Brasil?

Quando falamos em números, estamos falando não em entidades abstratas. Números representam vidas humanas, pessoas que sofrem do mal da fome e por isso perecem. Em 2018, o mundo apresentava mais de 800 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave. Esse número é anterior à pandemia, ou seja, já havia um número enorme de famintos no mundo. Os números atuais mostram que estamos passando de 900 milhões de pessoas nessa situação, quase retornando a um patamar do século passado, de um bilhão de pessoas que sofrem do mal da fome no mundo; é praticamente uma China que passa fome.

Só na América Latina existem mais de 40 milhões de famintos. São números que nos fazem pensar que essa situação é assustadora. Em 1991, esse número era de um bilhão. Esse contingente foi diminuindo e, de 2000 até 2015, houve uma subida e depois uma descida muito grande no número de famintos no mundo. Isso se deve, em parte, aos Objetivos do Milênio, que preconizaram, como seu primeiro objetivo, erradicar a fome e a miséria do mundo. Óbvio que era um objetivo altamente supervalorizado: como, em 15 anos, se conseguiria erradicar a fome e a miséria do mundo? Mas houve uma diminuição no número de famintos, apesar de ser uma diminuição pífia a despeito do objetivo.

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