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Belluzzo: a saída vai na linha dos mecanismos do pós-guerra

Por César Locatelli

Riqueza abstrata

O que seria um sistema de acumulação de riqueza abstrata, monetária? Quando o professor Belluzzo usou a expressão, lembrei-me dos mais velhos, quando eu era adolescente, que preferiam ter suas economias em bens de raiz, imóveis, ou bois, máquinas, ouro ou outros bens bem concretos. Claro que isso acontecia com a ínfima minoria que conseguia se sustentar e ainda ter economias. Não confiavam muito em coisas que tem um valor meio fluido, meio abstrato, como dinheiro, papel moeda ou dinheiro em bancos, ou mesmo títulos e outros papéis. Essa desconfiança, aliada ao espírito daquele tempo, fazia com que o movimento central das economias capitalistas fosse a busca de riqueza concreta, real.

“Eu vivi um período que tinha José Mindlin, Antônio Ermírio de Moraes [que eram empresários donos, respectivamente, da Metal Leve e da Votorantim], mas isso foi o ambiente social do desenvolvimento brasileiro que criou esse pessoal. ‘Fabricar os fabricantes’, não era o que dizia Gramsci? Eles eram atores sociais.” Belluzzo nos lembrou ainda do Documento dos Oito

quando em 1978, em meio à ditadura militar, esses dois e mais seis empresários publicaram sua “concepção sobre os rumos do desenvolvimento econômico, fundado na justiça social e amparado por instituições políticas democráticas, convencidos de que estes são, no essencial, os anseios mais gerais da sociedade brasileira”. A postura dessas lideranças empresariais, com todas as ressalvas que cabem, representa um fosso de distância com a maioria dos empresários de hoje.

“As economias cresciam, bancos criavam empréstimos, dívidas, para as empresas e as famílias, ao mesmo tempo em que a renda crescia na mesma proporção ou até mais”, prossegue Belluzzo. “A financeirização é inerente ao capitalismo, mas era um sistema financeiro disciplinado.”

Quando o processo de acumulação de riqueza se deslocou para o lado abstrato, monetário, estava estabelecida a disfunção: “a dívida se descolou do emprego e da renda”. Ao contrário de ser lastreada em atividade real e bens reais, “a criação de crédito é, sobretudo, para valorizar ativos financeiros, em todas as partes do mundo.”

Belluzzo ressalta a dificuldade em se falar do mundo do trabalho sem caracterizar essa complexidade, sem caracterizar o capitalismo presente como “um sistema de acumulação de riqueza abstrata ou monetária”. Um sistema em que “quem tem poder de decisão tem acesso a crédito”. Em que o Federal Reserve, banco central dos EUA, inchou seu balanço para perto de “9 trilhões de dólares para sustentar os preços dos ativos”, ações e títulos financeiros. “A etiologia [o germe] desse capitalismo é extremamente danosa para o investimento produtivo, para o gasto produtivo e para o mercado de trabalho”, conclui ele.

A conclusão, portanto, dessa primeira para da exposição do professor Belluzzo, na mesa do Fórum Social Mundial virtual de 2021, promovida pelo Fórum 21 e pela Carta Maior, é que a transformação, de um capitalismo centrado na produção e no desenvolvimento para um capitalismo em que a acumulação de riqueza abstrata, dinheiro, ocupa o centro, é talvez a causa principal do dano no nível e na qualidade do emprego.

“Não é por acaso que temos um quantidade absurda de trabalho precário nos EUA. As pessoas não falam isso. Elas medem o emprego de uma maneira imperfeita, mas se olharmos a fundo é 40% da população que está ou em trabalho parcial ou em trabalho precário. Nós estamos assistindo esse fenômeno. No Brasil é pior ainda, pois atinge uma população pauperizada e muito maltratada”, acrescenta Belluzzo.

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