”Financeirização” é denunciada por quem tem aversão ao juro, considerado um pecado capital ao ser cobrado de “irmãos religiosos”. Considera-a uma especulação exacerbada ou um crescimento “exagerado” do setor financeiro. Refletiria privatização, mercantilização de serviços públicos com Saúde e Educação, quando submetidos à lógica do capital, liberalização e desregulamentação financeira, abertura de capital das empresas a partir da emissão de ações em bolsa de valores, capitalismo parasitário, etc.
Nessa visão maniqueísta, ela seria tudo de ruim no capitalismo contemporâneo. Os autores dessa “literatura-denúncia” induzem um saudosismo do velho capitalismo, após a Revolução Industrial, quando as linhas de montagem super exploravam operários em jornadas de trabalho abusivas, extenuantes e alienantes… Mas geravam emprego…
Para outros colegas, a “financeirização” seria um padrão sistêmico de riqueza. Condicionaria as decisões de gasto dos principais atores econômicos, as políticas econômicas e, assim, as altas e baixas do ciclo de negócios. Dada essa evolução sistêmica, “financeirização” seria tudo no sistema capitalista!
O reducionismo é um modo de pensar pelo qual reduz a complexidade, ou seja, os diversos componentes interativos de um sistema, a um conceito básico simplório, considerado essencial para a existência dos fenômenos emergentes. No caso desses adeptos do conceito de “financeirização sistêmica”, ao abarcar tudo, fazem uma simplificação excessiva daquilo exigente de uma reflexão mais profunda com análise, estudo e explicação de seus componentes e suas interconexões.
Ativos são as distintas formas de manutenção dos estoques de riqueza. Podem ser materializados ou contabilizados a partir de acumulação por meio de juros compostos ou da “regra de ouro do comércio” (comprar barato e vender caro) de “sobras” dos fluxos de renda, recebida e não gasta.
Karl Marx definiu o sistema capitalista como o desdobramento do encontro do capital-dinheiro com a força de trabalho, contratada por assalariamento, em dada base tecnológica das forças produtivas. Com as mudanças desde a acumulação primitiva (ou prévia) de capital-dinheiro até a “economia financeirizada contemporânea”, os colegas dizem esta ensejar uma nova definição da riqueza sob forma de ativos financeiros.
Eppur si muove… No entanto, a riqueza financeira se move desde a primeira bolsa de valores do mundo, surgida em 1487, em Bruges, na Bélgica, com a expansão comercial. As primeiras ações foram emitidas em 1602, na bolsa de valores de Amsterdã, pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, para explorar a colonização na Ásia. No Brasil, a primeira bolsa foi instalada no Rio de Janeiro, em 1845. Não é de hoje…
Sem questionar o Argumento de Autoridade, pelo contrário, citando dogmas obtidos em leitura de Marx, seus discípulos dizem a riqueza ir se definindo, crescentemente, como riqueza abstrata, puramente financeira, mediante a articulação entre a moeda, o crédito e o patrimônio mobiliário. Os lúcidos não deixam de excluir a riqueza materializada sob forma de ativos tangíveis como patrimônio imobiliário e maquinaria.
Há uma obsessão dos materialistas históricos em defender um paradoxo: o capital fictício ser tão real quanto o atual capitalismo intangível. A sociedade do aprendizado (ou do conhecimento) apresenta uma linha completa de bens intangíveis, entre outros, inovação, dados e análise, além de marca e capital humano.
Hoje, essa capacidade de ganho pessoal – e empresarial – dependeria muito da capacitação técnica de manipular inteligência artificial para produção de bens materiais e serviços imateriais. O impossível de se tocar, intátil, intocável, impalpável, incorpóreo, escapa ao sentido do tato e, daí, à capacidade de compreensão humana?
Os materialistas históricos recorrem ao termo capital fictício como referência às ações, títulos de dívida e outras modalidades de títulos financeiros. Cabe uma crítica a esse uso do capital fictício como um conceito relacionado ao grau de distanciamento entre o seu valor de mercado, pressuposto fictício, e o valor do capital real, representado por ele.
O fictício corresponderia à diferença de valor entre as ações da empresa e seu capital materializado em meios de produção manipulado por força de trabalho. O adjetivo é inadequado, pois fictício seria inerente ou pertencente a ficção, fruto da imaginação.
Ora, se os títulos financeiros em circulação expressam recursos originalmente direcionados à alavancagem financeira da atividade produtiva, inclusive de bens e serviços imateriais, nenhum capital é mais realista. Não é capital fictício!
Colocar o capital fictício em contraste com a materialidade de capital real, representado por mercadorias físicas, e priorizar o processo de produção destas, em lugar de, por exemplo, serviços derivados do encontro do produtor direto com o consumidor, como ocorre nas áreas de Educação e Saúde, é um equívoco. Demonstra incompreensão da evolução sistêmica.
Capital fictício é um bom conceito analítico, fruto de especulação científica? Opto por analisar o significado próprio de especulação: refere-se à ação ou ao resultado de especular a respeito do futuro.
Significa fazer suposições na falta de fatos concretos, levantar hipóteses. Mas se refere também a uma operação financeira oportunista para aproveitar as oscilações do mercado e obter lucros elevados, comprando barato e vendendo caro.
Não se trata de uma operação financeira onde uma das partes abusa da boa-fé da outra e obtém com isso lucros acima do razoável. Na realidade, envolve investimento de grande vulto na expectativa de lucros elevados, mas de grande risco, por depender de circunstâncias previstas no futuro, mas não garantidas.
Especuladores fazem investigação teórica sobre o futuro sem fundamento em evidência empírica no presente. A conclusão, para a ação, se dá apenas com base no raciocínio abstrato-dedutivo sobre o futuro incerto, porque resultante de múltiplas interações entre decisões descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras.
A formação do capital fictício, para alguns colegas, seria a conversão de um fluxo de renda futura em um valor presente líquido (VPL). Este é o método de apuração do valor atual de recebimentos futuros, descontados ao longo do tempo de uma taxa de juros de referência, menos o custo do investimento inicial.
Por qual razão se desconta uma taxa de juro prevista ao longo do tempo futuro? Por causa do cálculo capitalista do custo de oportunidade do valor do dinheiro no tempo. Considera assim o custo do empreendimento em termos da oportunidade renunciada de aplicar em renda fixa pagadora de juros, ou seja, seu ganho superior a esse mínimo.
Os valores seriam ainda fictícios por não refletirem as condições existentes no presente, mas sim uma avaliação da capacidade de apropriação de rendimentos no futuro, descontada por uma taxa de juros.
Daí a relevância da distinção entre especulação e arbitragem. Metaforicamente, referem-se às duas dimensões físicas básicas: distância e tempo.
A arbitragem diz respeito à distância entre dois mercados: tendo conhecimento de dois preços distintos para o mesmo ativo, compra-se onde está barato para se vender onde está caro. A especulação imagina o tempo futuro: sem conhecimento de o que será por não se dispor de uma “máquina do tempo”, para ir e vir, sendo o tempo é irreversível, aposta-se em conjectura incerta ou naquilo impossível de se prever com certeza.
É problemático tomar conceitos marxistas elaborados na Era do Padrão-Ouro e os aplicar após o fim da Era do Padrão-Dólar. O sistema Bretton Woods foi extinto, em agosto de 1971, pelo presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon. A paridade dólar-ouro teve seu fim ao se criar um Sistema de Câmbio Flutuante para a economia mundial.
Com essa volatilidade cambial, o sistema financeiro internacional se reinventou. Por exemplo, quando um importador ou devedor detém montante em divisa diferente daquela na qual deve a outro, incorre em risco de câmbio por causa da cotação futura. Para sair dessa posição cambial aberta para uma fechada, deve se beneficiar, no vencimento do compromisso, de pagamento na moeda estrangeira em montante equivalente à dívida: igualar um crédito ao débito, nessa moeda, é a atitude protegida.
A especulação consiste em deter divisas na esperança de realizar ganho cambial em data posterior. As operações de arbitragem levam a comprar onde é barato para vender onde é caro. A China mantém o Yuan depreciado, artificialmente, para exportar mais.
Quando o dólar está apreciado e a moeda nacional está depreciada, vender ações para obter dólares e comprar “o Brasil barato” é arbitragem líquida e certa. A especulação é esperar um governo social-desenvolvimentista para recuperar a economia brasileira. Então, a moeda nacional se apreciará e será lucrativa a venda dos ativos em reais e repatriamento do capital em dólar barato, embolsando também um ganho cambial.
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