Confronto político e tensão social marcam ano de renovação da grande parte das autoridades
Por Rocío Montes
O Chile vive momentos turbulentos em quase todos os níveis. O Congresso é cenário de uma forte fragmentação e, longe de tentar acabar com ela, pelo menos 16 pessoas apresentaram sua candidatura para a eleição presidencial de novembro. Além disso, faltam apenas três semanas para as eleições da Assembleia Constituinte, nas quais a população escolherá os 155 redatores da nova Constituição, a primeira após a ditadura de Augusto Pinochet. Também serão realizadas neste ano eleições parlamentares, regionais e locais. O Chile, 31 anos depois do retorno da democracia, enfrenta agora com incertezas um momento histórico em que o país está rachando e no qual, além disso, não há um consenso sobre o momento em que começou essa rachadura, nem se o caminho constituinte conseguirá ou não canalizar o caos.
A classe política recorre a medidas populares, enquanto o Governo conservador de Sebastián Piñera agita os braços para não se afogar. Sem controle do Parlamento, o Executivo não conseguiu sair da crise que explodiu em outubro de 2019, quando a revolta social − sem lideranças claras − o colocou nas cordas. Apesar de grande parte da oposição procurar destituí-lo, não existem figuras relevantes, nem de direita nem de esquerda, porque praticamente não houve regeneração. Parlamentares excêntricos polarizam agora o debate e ganham aplausos fáceis. As redes sociais, além disso, não fazem nada mais do que botar lenha na fogueira.
“A leitura histórica está dividida no Chile”, opina Ascanio Cavallo, jornalista político e autor de algumas investigações-chave sobre o passado recente do país de quase 19 milhões de habitantes. Existem interpretações muito diferentes sobre o movimento de 2019, os primeiros Governos democráticos e até a ditadura, afirma o autor de La Historia Oculta de la Transición (“a história oculta da transição”). “Não temos nem mesmo um nome único para a explosão [social] de dois anos atrás. Alguns falam de revoltas e outros, de pré-revolução. Não há forma de designar o que aconteceu, porque ainda não há forma de compreender isso”, acrescenta Cavallo.
As mobilizações sociais de 2019 foram freadas repentinamente pela pandemia que chegou ao Chile em março de 2020. Assim como praticamente todo o mundo, o país tem vivido uma crise sanitária e econômica, às quais é preciso acrescentar uma crise política e social que vinha de antes da covid-19, doença que já matou cerca de 25.000 chilenos e contagiou oficialmente mais de um milhão. A pandemia, portanto, encontrou no Chile um Governo enfraquecido, que não conseguiu decolar nem com a compra antecipada de vacinas. Nada menos que 49,6% da “população-alvo” (quase 16 milhões de pessoas) já receberam a primeira dose, e 37,8% já têm a segunda, um recorde na região. Mas a desconfiança da população afeta não só o Executivo, como também os partidos de todo o espectro ideológico, o Congresso e as demais instituições do Estado.
No entanto, para a historiadora Sol Serrano, a promessa de prosperidade da transição e dos Governos de centro-esquerda (1990-2010) não foi uma miragem. Ela explica que o Chile viveu uma modernização muito rápida e com muitas mudanças nas últimas três décadas. “Surgiu uma sociedade aberta, com maior acesso ao consumo, recursos, e não apenas com uma redução gigantesca da pobreza, mas uma pobreza distinta, heterogênea. O Chile é um dos países com ascensão mais rápida na educação superior”, afirma. Embora não exista uma fórmula perfeita no mundo para a velocidade das mudanças, “no caso chileno, passou-se muito rápido de uma estrutura social muito hierárquica para uma transformação da estrutura de classes, que é uma coisa diferente da desigualdade”, assinala Serrano.
Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-04-25/chile-cronica-de-um-pais-fraturado.html
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