Em transe desde o grande levante social de 2019, país elegeu uma Constituinte – presidida por professora mapuche – e terá eleição decisiva em novembro. Roteiro para acompanhar a possível construção, na América Latina, de novo paradigma
Por Paulina Astroza Suárez | Tradução: Rôney Rodrigues
O Chile está passando por um processo histórico. No dia 4 de julho, foi inaugurada a Convenção Constitucional, cuja missão será redigir a proposta de uma nova Carta Magna que enterrará definitivamente aquela herdada da ditadura militar de Augusto Pinochet. O novo texto constitucional, que deverá ser submetido a referendo de ratificação, será elaborado por 155 deputados constituintes eleitos com paridade de gênero e 17 cadeiras para indígenas. Esse processo é observado com atenção especial em vários países, especialmente na América Latina.
Este contexto é o resultado de uma série de situações que nos permitem sustentar, sem medo de errar, que o Chile mudou. O país não é mais o mesmo de antes da rebeldia social de outubro de 2019 e que desencadeou a atual conjuntura. Aquele terremoto político de 10 graus (e olha que no Chile estamos acostumados a terremotos) foi apenas o estopim para um país que vinha acumulando pressões e tensões que aguardavam o momento adequado para explodir. Já era evidente a desconexão da classe política, da velha mídia e do poder econômico com a população que cada vez mais se afogava em dívidas, com serviços como Saúde e Educação caríssimos para a maioria e gratuitos (mas de baixa qualidade e com longas listas de espera) para outros. Um país onde o classismo, a segregação e o racismo cotidiano foram escondidos sob o tapete e ignorados no discurso público. Questões relacionadas ao sistema previdenciário, ao modelo educacional e à falta de uma perspectiva de gênero já davam sinais do descontentamento que existente no país. Mas as vozes que debatiam isso nunca eram ouvidas. Foi o aumento da tarifa de passagem do metrô que, no final de 2019, abriu uma válvula para toda aquela energia acumulada inundar as ruas com milhões de pessoas que, em sua maioria pacificamente, saíram para protestar. As rebeldias, no entanto, trouxeram componentes de violência e vandalismo que colocaram o governo, os partidos políticos e as várias instituições do país em xeque.
Depois dos acontecimentos ocorridos a partir do dia 18 de outubro em Santiago e, a partir do dia seguinte, em diferentes regiões do país, massivas manifestações espontâneas e outras organizadas permitiram que milhões de cidadãos saíssem para expressar suas demandas e frustrações com o modelo político do país. As demandas eram múltiplas, divergentes e até, por vezes, contraditórias entre si e se expressavam sem as bandeiras de partidos políticos, associações, sindicatos ou outras lideranças institucionais. Os cidadãos criticaram o modelo de desigualdade, os abusos de poder, os conluios entre empresas. Exigia dignidade e uma nova Constituição.
Nesse contexto de protestos e tensões, surgiu o Acordo pela Paz Social e uma Nova Constituição. Em 15 de novembro de 2019, a maioria dos partidos políticos chilenos – com a notável exceção do Partido Comunista (nas palavras de seu secretário-geral, Guillermo Tellier, por não ter sido convidado para a primeira negociação dos demais partidos políticos e porque não concordavam com o quórum de 2/3 estabelecido para aprovar as normas do texto da Nova Constituição, em vez de 3/5) – assinaram o acordo que abriu caminho para a reforma constitucional que permitiu o referendo de 25 de outubro de 2020. Era necessário realizar esta reforma porque a Carta Fundamental que rege o Chile limita a participação dos cidadãos na tomada de decisões, um dos aspectos que o novo texto pretende modificar.
Apesar da pandemia, a participação no referendo foi superior a 50% do eleitoral total, quebrando a tendência de queda registrada nas eleições anteriores. 78% foram a favor de uma Nova Constituição e 79% votaram para que o órgão encarregado da redação do texto fosse eleito integralmente pelos cidadãos, sem que o Congresso indicasse a metade dele.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/movimentoserebeldias/chile-laboratorio-do-poscapitalismo/
Comente aqui