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Como a revolta social busca o Comum

Reflexões históricas sugerem: sociedades de classe tendem à desigualdade e devastação. Em certo ponto eclodem rupturas, movidas pela reciprocidade. Elas estão claras hoje: desafio é articulá-los num projeto pós-capitalista global

Por Michel Bauwens e José Ramos, no Resilience | Tradução: Simone Paz

Este texto é um trecho do livro The Great Awakening: New Modes of Life in Capitalist Ruins (“O Grande Despertar: Novos modos de vida em meio às ruínas capitalistas”), editado por Anna Grear e David Bollier. Esta é a primeira parte do capítulo Awakening to an Ecology of the Commons (“Despertando para uma Ecologia dos Comuns”), escrito por Michel Bauwens e José Ramos

Você pode obter mais informações sobre o livro e baixá-lo [em inglês], gratuitamente, aqui.

Vivemos um momento de transformação na história da humanidade: à beira do precipício da crise e, simultaneamente, despertando para uma nova consciência: a de que precisamos ser construtores do Comum e seres planetários.

Para cada indivíduo, este momento transformador da história se parece mais com uma crise do que com uma transição — prolongada, cheia de perigos, obstáculos e dores de crescimento. O momento, porém, é o nascimento do “planetário” como elemento da experiência humana, e ao nosso ver, ele é a transição das ordens sociais baseadas na exploração para as que se apoiam na mutualidade generativa. Neste capítulo, explicamos a emergência articulada do planetário e dos Comuns, como campos complementares de experiência; e seus papéis na reimaginação de quem somos.

Os Comuns como mutualização no Antropoceno

Muito já se escreveu sobre o chamado Antropoceno, uma nova época que entende a humanidade como muito mais do que apenas um viajante passivo no planeta Terra. O Antropoceno sinaliza que humanidade passou a atuar como um transformador, ou um “terraformador”, de nosso planeta — produzindo efeitos comparáveis a grandes mudanças geológicas [1]. Para o propósito desta discussão, podemos distinguir três “movimentos” do Antropoceno.

O primeiro é, obviamente, a importância dos humanos como espécie com impactos planetários. Esta é a definição popular do Antropoceno: a humanidade tornou-se uma força agregada tão poderosa que podemos nos atribuir uma era geológica! Se essa fosse a única dimensão do Antropoceno, entretanto, não seríamos diferentes da espécie que gerou a primeira crise planetária, há cerca de 2,5 bilhões de anos: as cianobactérias anaeróbicas, que levaram ao Grande Evento de Oxigenação onde o planeta foi literalmente envenenado pelo excesso de oxigênio, um produto residual destes organismos [2].

Felizmente, o Antropoceno também significa a consciência de nos compreendermos como uma espécie com impactos planetários [3]. Não estamos apenas causando um impacto no planeta, às cegas. Estamos cada vez mais conscientes de nossos efeitos poderosos e precários. Temos o poder de refletir sobre quem somos, de avaliar o que significa ser humano. Apesar do primeiro movimento do Antropoceno — poder instrumental humano — ser muito mais avançado do que o segundo — consciência planetária reflexiva –, este segundo movimento vem se aproximando do primeiro, por razões óbvias.

Finalmente, o terceiro movimento do Antropoceno fecha o ciclo dos dois primeiros: são as respostas planetárias reflexivas [4]. Trata-se da capacidade da humanidade de alavancar o segundo aspecto (consciência planetária reflexiva) em direção a respostas inteligentes e coordenadas aos desafios que enfrentamos coletivamente. Este terceiro movimento do Antropoceno é de longe o mais embrionário e, ainda assim, o mais crucial, para todos os efeitos. Sem ele, teremos pouca ou nenhuma esperança de qualquer viabilidade real a longo prazo.

Esses três aspectos representam um ciclo clássico de aprendizagem pela ação: agir – refletir – mudar, mas numa grande escala, que apenas começamos a experimentar.

O corpo de ideias e pesquisas sobre os Comuns é parte crítica do segundo movimento do Antropoceno: a nossa capacidade de interpretar e compreender a nós mesmos na era atual; enquanto que a práxis dos Comuns, que chamaremos aqui de “comunização” [orig: commoning], é crítica para o terceiro movimento do Antropoceno: nossas respostas planetárias reflexivas.

As apostas são altas. O Antropoceno é um momento crucial para a humanidade, já que nossa própria sobrevivência está em jogo. Neste capítulo, buscamos defender uma ligação crucial entre a necessidade de reduzir a pegada humana no planeta (e em seus recursos naturais), e as modalidades do Comum, ou seja, o compartilhamento e a mutualização dos recursos.

Essa hipótese foi uma das principais razões para a criação da Fundação P2P, já que, desde o início, elaboramos a seguinte análise da problemática global:

1. A economia política atual parte de uma visão de crescimento permanente e ilimitado, algo que é obviamente impossível (inclusive, fisicamente) em um planeta finito. Chamamos isso de “pseudo-abundância” do mundo material.

2. Esta mesma economia política parte do ponto de vista de que a melhor forma de gerenciar e alocar recursos imateriais também é mercantilizando-os ou tornando-os commodities, por meio da propriedade intelectual. Isso cria uma escassez artificial para recursos que são objetivamente abundantes, especialmente no contexto de uma sociedade digital, com seus meios de reprodução e distribuição de conhecimento economicamente acessíveis. Chamamos isso de “escassez artificial no mundo dos recursos imateriais”.

3. Os dois primeiros erros são agravados pelo fato da nossa organização econômica produzir cada vez mais desigualdade.

A solução para esse estado de coisas parece óbvia. Deve ser possível ter uma economia política que respeite a capacidade do nosso planeta; e deve ser possível compartilhar os conhecimentos necessários para isso. Ao mesmo tempo, essas duas condições devem ser acompanhadas por formas econômicas que respeitem a justiça social.

Mas qual a ligação entre esse desejo de transformação socio-planetária e a modalidade específica dos Comuns?

Seguindo a obra de Alan Page Fiske, Structures of Social Life [5] [“Estruturas da Vida Social] e a visão histórica de Kojin Karatani [6] sobre a evolução desses modos de troca, podemos distinguir quatro modos de alocação de recursos:

1. Participação Comunal ou “Pooling” (compartilhamento); isto é, os sistemas de provisionamento são considerados um recurso coletivo, mantido coletivamente e compartilhado em uma comunidade de colaboradores específica, de acordo com suas próprias regras e normas. Esta é a modalidade dos Comuns, que é ao mesmo tempo: um agrupamento de recursos compartilhados, uma atividade conjunta e um sistema de administração.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/como-a-revolta-social-busca-o-comum/

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