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Como uma revolução na pequena ilha de Granada abalou o mundo

O revolucionário Maurice Bishop nasceu neste dia em 1944. Ele foi responsável pela a revolução social mais notável da história moderna do Caribe anglófono. Hoje, lembramos não apenas a crise e a invasão norte-americana que pôs fim à Revolução Granadina, mas também suas tremendas conquistas.

Por Brian Meeks | Tradução Guilherme Ziggy

Deixei Granada no final de setembro de 1983 para começar a trabalhar em minha tese sobre a revolução que estava ocorrendo lá como estudante de doutorado na Universidade das Índias Ocidentais em Mona, com a intenção de voltar a fazer pesquisas adicionais no ano seguinte, sem qualquer aviso prévio do desastre que se seguiria nas próximas semanas. Escrevo, portanto, com a perspectiva e inclinação de quem viveu e trabalhou na revolução em seus últimos dias.

Apesar de ser revigorante os novos escritos nos últimos anos, há, no entanto, uma certa estrutura narrativa da revolução estabelecida e solidificada que é mais ou menos assim: Em 1979, o Movimento New Jewel (NJM), liderado por Maurice Bishop, derrubou o regime de Eric Gairy e nomeou-o primeiro-ministro de Granada; quatro anos e meio se passam; então, houve uma crise de liderança que precisamos entender e atribuir responsabilidades; a própria crise explica a revolução. Podemos, portanto, encontrar os culpados e chegar a uma de duas conclusões: ou evitar a ideologia no futuro, as táticas, ou até mesmo as próprias pessoas que foram culpadas de espoliar o processo, ou, inversamente, evitar a revolução por completo, mais uma vez, se provando que nesse assunto, Saturno sempre devora seus filhos.

É claro que não há nada intrinsecamente errado em tentar entender as origens e o curso da crise de 1983. Isso é necessário e muito do meu próprio trabalho em Granada tentou, de forma angustiante, repassar esses momentos para tentar entender o que deu errado. No entanto, este exercício inevitavelmente obscurece a realidade do dia-a-dia de cerca de quatro anos e meio – mais de 1.670 dias do experimento social mais notável no Caribe anglófono desde sua emancipação em 1838. Meu argumento é direto: é que perdido nos detritos da tragédia de 1983, houve iniciativas que foram além de qualquer experiência tentada em qualquer lugar na história do Caribe anglófono. E se no futuro devemos repensar e reconstruir um Caribe que seja voltado para os interesses do povo, devemos aprender não apenas com o que a Revolução de Granada fez de errado, mas também o que fez de certo.

Vivendo a revolução

Primeiro devemos traçar o que chamo de momento sublime da revolução. Foi Marx quem considerou as revoluções as locomotivas da história, ou seja, o veículo mais rápido possível para instituir mudanças na linguagem descritiva (locomotivas) de seu tempo. E foi William Woodsworth quem, em suas conhecidas referências aos primeiros dias da Revolução Francesa, escreveu as famosas linhas:

Ventura, em tal alvorecer, era estar vivo
Mas ser jovem era o paraíso!

Claro, o que se seguiu à Revolução Francesa, a guilhotina, as guerras, Napoleão e a restauração da monarquia, é conhecido por todos. Mas o que significava viver em um momento real de convulsão popular, quando os pilares de uma velha sociedade se dissolvem e, por um momento, tudo que é sólido se desmancha no ar? O que significava acordar pela manhã e as possibilidades de um novo mundo, de mudanças dramáticas e transformadoras, serem colocadas à mesa pelos próprios líderes do levante, que proclamam que a revolução em curso é pelo trabalho, pão e dignidade?

Para muitos pobres, especialmente os jovens de Granada, a revolução de 13 de março de 1979 foi um novo dia. Vamos relembrar algumas de suas vozes.

Esta é Patsy Romain, vendedora, com 26 anos em 1981:

Em 13 de março, seguido da mensagem quando a revolução assumiu o controle da estação de rádio, marchamos até nossa Delegacia de Polícia local em Birchgrove – cerca de 200 de nós, a maioria mulheres – e pedimos à polícia para hastear a bandeira branca. Em seguida, assumimos posições em diferentes áreas, cozinhando para nossos soldados, transmitindo mensagens e mantendo guarda – e também ficando de olho em quaisquer planos contrarrevolucionários.

Participei de muitos simpósios e convenções para mulheres e comecei a notar que em Byelands as mulheres não eram organizadas, embora fossem partidárias da revolução. Então, organizamos uma reunião e formamos um grupo N.W.O [Organização Nacional de Mulheres] lá.

O grupo olhou para as necessidades e os problemas daquela região. Havia encanamentos sem torneiras, então, as mulheres tinham que carregar água por um longo caminho até suas casas. Por isso, fomos ao Ministério das Comunicações e Obras para solicitar torneiras e as recebemos em alguns dias. Esse foi nosso primeiro ganho concreto. Então, tivemos um problema com as estradas. Byelands tinha sido completamente negligenciada por Gairy, então nos juntamos à Associação de Agricultura, o N.Y.O, a milícia, o Grupo de Apoio ao Partido e fizemos uma reclamação conjunta ao mesmo ministério. Portanto, a estrada começou a ser consertada. E passamos nossas próprias manhãs de domingo em trabalho comunitário, limpando ralos e cortando galhos secos.

Aqui, o relato de Roy Cooper, um pedreiro de 40 anos:

Quando a revolução aconteceu, a saudei com glória. Foi o único processo democrático que conseguiu resgatar o povo da pobreza e do atraso. Depois, fui trabalhar na pedreira de Queen ‘s Park. Gairy havia fechado as obras, então o Partido decidiu dar trabalho ao povo. Tivemos que refazer tudo. Mas os trabalhadores estavam muito felizes quando reabrimos entendendo tudo muito melhor. E tivemos muitas melhorias. Há mais disciplina, os trabalhadores perceberam que deviam trabalhar duro para que a revolução prosperasse e seus filhos tivessem uma boa vida…

… Temos 75 mulheres trabalhadoras aqui e elas são particularmente gratas pela lei contra a exploração sexual. Tínhamos um capataz que tentou seduzir uma delas antes de lhes dar trabalho e, certa vez, bateu em uma trabalhadora no serviço. Nós demos uma coça nele e ele foi despedido imediatamente. As mulheres ficaram contentes. Elas viram isso como outra revolução!

E por último, Theresa Simeon, de 60 anos, que morava nos Estados Unidos e voltou para Granada:

Quando a Revolução aconteceu, eu estava nos Estados Unidos. Então voltei para cá, queria muito compensar por não ter estado aqui. Comecei a ir aos comícios. O primeiro que fui foi com Kaunda [presidente da Zâmbia], e fiquei tão impressionada que nunca tinha visto pessoas tão juntas e unidas assim antes em Granada.

Eu estava pensando em como poderia ajudar. Sabia que precisávamos de muito dinheiro e me perguntei como poderia levantar algum. Então, em novembro de 1979, ouvimos sobre a ideia do Aeroporto Internacional. Reuni todos os meus amigos, e vinte e dois de nós nos encontramos e decidimos formar o Comitê de Desenvolvimento do Aeroporto de St. George…

Todo esse envolvimento mudou muito minha vida, sabe, e todos os membros do Comitê falavam a mesma coisa. Estávamos muito mais envolvidos na revolução e sempre éramos chamados a ajudar.

Cheguei em Granada pela primeira vez no verão de 1981. A revolução tinha apenas dois anos, mas já havia passado por grandes desafios, entre eles o confronto com os Rastas em Tivoli, o fechamento do jornal Torchlight e, mais violentamente, o atentado em Queen’s Park, no qual uma tentativa de assassinato da liderança do Governo Popular Revolucionário (PRG) resultou tragicamente na morte de três meninas e centenas de outros feridos.

No entanto, vindo do primeiro ano de Edward Seaga e do triunfo do conservador Partido Trabalhista da Jamaica nas eleições jamaicanas em 1980, e da drástica guinada para a direita na política jamaicana, havia ainda uma sensação palpável de energia, entusiasmo e possibilidade de futuro no ar. A agenda diária e semanal de atividades era implacável. Houve a inauguração de novas instalações, como a construção das fábricas Sandino financiada pelos cubanos, a estação de rádio Beusejour, o novo sistema de transporte público do Serviço Nacional de Transporte e, abrangendo todos eles, as obras do aeroporto internacional de Point Salines, que estava transformando uma área incrivelmente montanhosa e pantanosa no sul da ilha, no que seria uma pista para jatos comerciais em tamanho normal.

Granadinos se manifestam em apoio ao novo Governo Popular Revolucionário, março de 1979. (Governo de Granada)

Tudo isso foi intercalado com conferências internacionais de solidariedade, entre elas a Conferência de Intelectuais de 1981, que reuniu escritores e pensadores caribenhos de toda a região da diáspora e chefes de Estado, entre eles o presidente da Zâmbia, Kenneth Kaunda, Samora Machel de Moçambique, Daniel Ortega da Nicarágua, e (quando ele ainda estava no poder) Michael Manley da Jamaica. E também havia as personalidades famosas, entre elas Angela Davis, Harry Belafonte e o próprio George Lamming de Barbados. Nesse tsunami de atividades populares, em que multidões se misturavam à lideranças, tanto visitantes quanto locais, e em que os domingos de voluntariado para consertar estradas eram apenas mais uma desculpa para um comício, para trabalharmos juntos e nos unirmos, houve um afrouxamento perceptível da distância tradicional entre as formalidades do funcionalismo do Estado e o espaço de celebração do povo.

Se pensarmos na ideia de Mikhail Bakhtin sobre o carnaval como um espaço revolucionário, um espaço de transgressão e subversão, então, “a Revo”, como foi carinhosamente apelidada pelos apoiadores, era um carnaval de expressão popular e empoderamento por meio da mútua associação, da participação e do engajamento voluntário.

Em nenhum lugar isso ficou mais exposto do que na guerrilha. Digo isso com certa apreensão, sabendo que, de todas as dimensões da revolução de Granada, muitas das quais foram motivo de preocupação no resto do Caribe “decente, normal e parlamentar”, aquela que causou a maior consternação era a política de armar o povo. Vamos recapitular a história: as origens da força militar no Caribe seguem uma linha ancestral ininterrupta que remonta à escravidão e às plantações. A noção de que o Estado detém o monopólio da força e do uso legal da violência era considerada sacrossanta. Essa proibição foi revirada de cabeça para baixo na Granada revolucionária, onde o povo recebeu armas para defender sua Revo, sem que o Estado aparentemente tivesse medo de que isso pudesse colocar em risco sua própria sobrevivência.

Para ilustrar esse ponto, fui testemunha da “Manobra dos Heróis da Pátria” de 1982, que foi projetada para ajudar a defender um ataque mercenário antecipado contra o país. Depois de um fim de semana de mobilizações e árduos exercícios com o intuito de evitar um desembarque de forças hostis na praia, “os heróis” terminaram com um enorme comício armado que ocupou dois campos de futebol em Seamoon, perto de Greenville, na costa leste. Minha estimativa aproximada é que estavam presentes talvez 10 mil membros armados, ou cerca de 10% de toda a população de Granada, isso pode ser um pouco impreciso, mas não muito distante do que realmente foi.

No entanto, o que era perceptível em meio à euforia e atmosfera carnavalesca em Seamoon, era a disciplina e a ordem. Nenhum tiro foi disparado. Ninguém se machucou. Me lembro que pouco depois disso, viajei para Trinidad e vi como os jornais e a televisão transformaram esse evento em uma exibição selvagem de banditismo. A distância entre a percepção de Trinidad e o que eu percebi ser o verdadeiro clima em Seamoon era equivalente à distância que a revolução havia levado o povo de Granada para além dos horizontes limitados da democracia liberal da Westminster caribenha.

De uma posição de extrema alienação do Estado sob o autoritarismo gayrita, os granadinos foram um pouco além para eliminar por completo as fronteiras entre o povo e o Estado. O poder popular deveria ser determinado não pelo frágil processo eleitoral a cada cinco anos, mas, em parte, pela própria posse dos meios de poder pelo povo. Porém, em um ponto ao qual voltarei novamente, essa transição foi jovem e terna e ela mesma estava sujeita a uma certa fragilidade. E, eventualmente, iria ruir por causa disso.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/05/como-uma-revolucao-na-pequena-ilha-de-granada-abalou-o-mundo/?__cf_chl_managed_tk__=28137ac476a91eccedb0acdc399c025d1bea4c2a-1623153656-0-

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