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De reforma em reforma, o desastre

Por Paulo Kliass

Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal comandaram um ato solene do Congresso Nacional para anunciar a promulgação da Emenda Constitucional nº 109. Com pouco mais de um mês à frente de suas novas funções no parlamento, ambos parecem estar seguindo à risca o figurino de obediência cega aos ditames do financismo e das más intenções do superiministro Paulo Guedes.

Essa nova alteração no corpo de nossa Carta é fruto da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 186. A peça foi apresentada ainda em novembro de 2019, portanto antes do início da pandemia. O documento era resultado de uma articulação suprapartidária de um conjunto de senadores conservadores, já preocupados em oferecer a Guedes um instrumental para a promoção acelerada das reformas destruidoras das capacidades estatais em nosso País. A preocupação era com a consolidação de mudanças nas estruturas das finanças públicas, com a centralização de recursos no âmbito da União e a com a oferta de meios para aprofundar ainda mais o corte nas despesas orçamentárias.

Na verdade, era um trio de proposições (PECs 186, 187 e 188) com finalidades distintas, mas todas compondo um pacote de destruição de garantias constitucionais ainda remanescentes para salvaguardar a sociedade em momentos de crise. Elas passaram a ser chamadas de PEC “Emergencial”, PEC da “Revisão dos Fundos” e PEC do “Pacto Federativo”. Com o advento da covid 19, os textos ficaram solenemente adormecidos nas gavetas do Senado Federal. No entanto, Paulo Guedes viu ali uma oportunidade de retomar o debate e votação dessa nova constitucionalização do austericídio com a pauta da retomada inescapável do auxílio emergencial.

E assim foi feito. Depois de 16 meses parada nas mãos dos relatores (inicialmente Oriovisto Guimarães e posteriormente Marcio Bittar), em menos de 2 semanas o Senado votou as mudanças, em ritmo aceleradíssimo. Na sequência, o texto é enviado rapidamente à Câmara dos Deputados, que também o aprova no tempo recorde de 8 dias. Ou seja, os parlamentares terminaram por dar seu aval à interpretação equivocada de que a votação do novo formato do auxílio emergencial exigiria como contrapartida esse arrocho na austeridade, agora constitucionalizada. Na verdade, tratava-se de mais uma das inúmeras falácias propagadas aos quatro ventos por Paulo Guedes.

EC 109 e o engodo do auxílio emergencial.

Em primeiro lugar pelo fato de que a concessão de mais uma rodada de benefícios à população de baixa renda não depende de nenhuma mudança na Constituição. Basta tão somente a vontade política de implementar essa medida, aliás mais do que urgente e fundamental. Se esses valores vão provocar um déficit ainda maior nas contas públicas de 2021, haveria outras maneiras de contornar o problema. O mais adequado seria promover a revogação da EC 95, aquela que congela os gastos públicos por longos 20 anos. Ou então a prorrogação do estado de calamidade por conta da pandemia, para que esses gastos não impliquem em crime de responsabilidade. Esse é, na verdade, o grande receio do “old chicago boy”.

Mas é importante ressaltar que, apesar de todo o desastre, as intenções de Guedes eram ainda mais graves e foram refutadas pelo Congresso Nacional. Ele desejava eliminar as vinculações obrigatórias de gastos mínimos com educação e saúde, além de retirar de forma sub-reptícia a principal fonte de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas permaneceu no espírito do texto a identificação equivocada dos salários dos servidores públicos como sendo a principal causa do déficit fiscal. E com isso a Constituição passa a contemplar um dispositivo que permite o congelamento de vencimentos de funcionários no plano federal, estadual e municipal por 15 anos. Uma loucura!

Quanto ao auxílio emergencial em si, as notícias são igualmente muito ruins. O governo insistiu para que fosse incluído no texto constitucional o valor máximo para ser gasto com esse fim no exercício de 2021. Esse expediente por si só já seria uma aberração jurídica, não fosse o montante apontado muito reduzido para fazer face às reais necessidades da população de mais baixa renda. O dispositivo mencionado estabelece um teto de R$ 44 bi das contas do Orçamento para despesa com o benefício restaurado. Ocorre que as estimativas de valores mencionam um intervalo entre a prestação mínima de R$ 150 e uma máxima de R$ 375 ao longo de apenas quatro meses. Como a grande maioria dos beneficiários recairão sobre a faixa mais baixa, pode-se afirmar que o valor foi reduzido a um quarto daquilo que havia sido aprovado em abril de 2020 – R$ 600/mês.

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