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“É hora de aprendermos com os ianomâmis”, diz cineasta

Premiado na Berlinale por “Ex-pajé”, Luiz Bolognesi volta ao evento com “A Última Floresta”, filme sobre espiritualidade indígena escrito com Davi Kopenawa. É a única produção brasileira na mostra Panorama.

Enquanto filmava o longa Ex-pajé (2017), premiado no Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) e no circuito nacional, o diretor Luiz Bolognesi já pensava no seu próximo filme. Após retratar um pajé destituído de poder pela presença evangélica em sua comunidade, era a vez de contar uma história oposta, de um xamã na plenitude de sua potência.

O desejo ganhou forma na leitura de A Queda do Céu (2015), nos intervalos das gravações. De autoria do xamã Davi Kopenawa, a obra transcrita e traduzida pelo antropólogo belga Bruce Albert teve impacto internacional. Sobretudo por apresentar, em primeira pessoa, a história e cosmologia do povo ianomâmi, além de sua visão sobre o modo de vida do homem branco, ou “povo da mercadoria”.

Para Bolognesi, o impacto do livro nos dias atuais é equivalente ao de Grande Sertão Veredas, de João Guimarães Rosa, no século passado. Após alguns encontros com o diretor, Kopenawa aceitou a proposta de fazer em conjunto o roteiro de um filme sobre o povo ianomâmi.

Porém, nas conversas, foi enfático ao dizer que seu filme seria diferente de Ex-pajé. Sua condição era mostrar o seu povo “bonito”, apesar da ameaça representada pela presença do garimpo ilegal no território ianomâmi, localizado em Roraima, na fronteira entre Brasil e Venezuela. “Não quero um filme de índio coitado. Não está fácil aqui, e vamos mostrar os problemas. Mas, primeiramente, a força do meu povo e dos xamãs”, disse ao diretor, segundo seu relato.

O resultado dessa troca pode ser visto em A Última Floresta, dirigido por Luiz Bolognesi e escrito em conjunto com Davi Kopenawa. O longa-metragem faz sua estreia mundial nesta quarta-feira (03/03), na mostra Panorama do Festival de Berlim. É o único filme brasileiro a integrar a seleção.

A vivência com uma das principais lideranças indígenas mundiais é classificada pelo diretor como “uma das experiências mais ricas” de sua vida. Ao mesmo tempo, uma relação permeada por conflitos, tratados por Bolognesi como parte integrante do fazer cinematográfico.

Na entrevista a seguir, o diretor fala sobre as sutilezas de conceber uma narrativa audiovisual em que o povo retratado fosse também sujeito da história. Bolognesi aborda também o desafio de filmar um ritual xamânico sem recair em uma abordagem invasiva e fala, ainda, sobre a sua expectativa em relação ao longa.

“Eu espero que o filme seja uma abertura, uma janela, uma brecha para as pessoas olharem um pouco para o mundo ianomâmi, encantarem-se com a vivência da gente daquele lugar e abrirem mais espaço para escutar o Davi, os xamãs ianomâmis, e aprenderem um pouco com os ianomâmis”, diz “É hora de aprendermos com eles sobre todo o conhecimento científico, xamânico e mitológico que eles têm de como lidar com a vida.”

DW Brasil: Os ianomâmis têm um histórico de traumas profundos no contato com o homem branco, e você registrou questões muito sensíveis. Que cuidados você teve para não adotar uma abordagem invasiva?

Luiz Bolognesi: O objetivo era filmar uma comunidade indígena que ainda vive de uma maneira muito ligada à sua potência tradicional, e a gente queria fazer do filme um retrato que trouxesse sobretudo o ponto de vista deles sobre sua vida e comunidade. Portanto, era muito importante a gente não chegar impondo os nossos dispositivos e até mesmo os nossos modos de lidar com o tempo e o espaço. Por exemplo, a gente não trabalhava com a ordem do dia, aquele modelo que o povo do cinema usa de definir que às 7h faz tal cena, às 9h outra. Isso seria aniquilador do modo de eles lidarem com o dia. A gente se adaptava às atividades deles de caça, pesca, roça e se encaixava nos horários dele, ou então acompanhava os processos naturais que eles estavam fazendo e tentava inclusive encaixar cenas da história muito em função do que eles estavam fazendo.

Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/%C3%A9-hora-de-aprendermos-com-os-ianom%C3%A2mis-diz-cineasta/a-56753900

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