Por Julien Dourgnon / Créditos da foto: (Marcio Pimenta/REDUX-REA)
Janeiro de 2021, o grupo Ford anuncia o fechamento definitivo de sua última linha de montagem ainda em operação no Estado de São Paulo, Brasil. A fabricante norte-americana foi a primeira gigante automobilística a colocar os pés no país em 1921 e não saiu de lá desde então. O fechamento deixa 2.500 funcionários na rua, a empresa tinha 14.500 em 2012.
Após a saída da Mercedes-Benz, a redução das capacidades produtivas da Honda e da Nissan, o anúncio do grupo Ford teve o efeito de uma pequena trovoada nos meios econômicos. Com o passar do tempo, a ampliação do mercado interno e as chamadas políticas pró-ativas de “substituição de importações”, compostas por sobretaxas alfandegárias para os veículos importados e, ao contrário, desonerações tributárias para os produzidos localmente, o Brasil conseguiu atrair os principais fabricantes mundiais. ao seu território. Esse tempo parece ter acabado.
A propósito esta indústria não é a única a estar a meio mastro. Com a saída da japonesa Sony, da coreana LG, da fabricante franco-suíça de cimento Lafarge-Holcim, para citar apenas alguns, o descontentamento está afetando setores inteiros da manufatura brasileira. O país obviamente não é mais popular entre grandes grupos industriais multinacionais. A causa, é claro, a pandemia de Covid-19. Em 2020, a produção de automóveis no Brasil caiu 31% sob o efeito combinado das restrições de saúde impostas aos trabalhadores, da queda da demanda interna e das exportações, principalmente para outros países da América Latina.
Esta conjuntura excepcional afetou também as indústrias líderes nacionais, em particular as de metalurgia, vestuário e equipamento de transporte localizadas principalmente no sul do país. Se, em 2020, a indústria como um todo declinou em proporções próximas às da economia geral, apenas 4,5%, isso se deve ao bom desempenho das atividades extrativas industriais (mineração), petróleo e agroalimentares de transformação de carne ou cana-de-açúcar, por exemplo. Em suma, todos setores diretamente ligados ao setor primário da economia brasileira.
Portanto, é difícil atribuir tudo à crise sanitária. O movimento de desindustrialização, como em outros países do mundo, é visível desde o final da década de 1980 e se acelerou com a forte crise de 2013-2014, e em seguida com a crise sanitária de 2020. Em abril, apesar de uma recuperação recente, a produção industrial no Brasil foi 13,4% menor do que a de 2012 e 32% se excluirmos as indústrias extrativa, petrolífera e agroalimentar. No final, sem seus três setores, a indústria seria responsável por apenas 8% do PIB do país.
Um novo boom de commodities?
Maio – 2021 No interior, no Estado de Mato Grosso, outro cenário, outro ambiente. Nos 583.000 ha (55 vezes o tamanho de Paris) de um único grupo agrícola, “Bom Futuro”, ou nos 285.000 ha da família Maggi, a difusão de produtos fitossanitários por via aérea e as colheitadeiras estão a todo vapor.
Entre maio de 2020 e 2021, a produção de soja no Brasil cresceu 9,4% e, pela primeira vez em sua história, ultrapassa 133 milhões de toneladas. O país consolida-se assim como o maior produtor mundial deste alimento destinado principalmente à alimentação animal na China e na Europa. Como as boas novas nunca vêm sozinhas, o aumento da oferta não afetou os preços, muito pelo contrário. Impulsionado pela demanda global dinâmica e movimentos especulativos intensos nos mercados futuros, o preço da saca de soja ganhou 78% nos mercados internacionais em 2020.
Esse “boom” espetacular continua: o preço da commodity aumentou mais 9,8% nos primeiros quatro meses de 2021. Essa situação faz a alegria dos grandes produtores, e dos “4 Grandes” do comércio: as norte-americanas Astier, Bunge e Cargill e a francesa Louis Dreyfus Compagnie (LDC) cuja remuneração é parcialmente indexada aos preços. Para finalizar, a fraqueza da moeda nacional, o real, no mercado de câmbio, enriqueceu ainda mais os vendedores brasileiros de soja, cujos contratos são em dólares.
Mas a situação não é otimista para todos. Também inclui seus perdedores. O aumento das exportações, ao criar um efeito de fechamento do mercado interno, ocasionou um aumento de 300% nas importações – curioso paradoxo para o maior exportador mundial – e um aumento espetacular no preço dos produtos derivados ou ligados à soja: óleo de cozinhar, o mais utilizado pelas famílias, e a carne bovina tiveram seus preços aumentados, em um ano, em 103% e 50%, respectivamente.
Na verdade, o caso emblemático da soja não é isolado. Os preços dos produtos das grandes monoculturas brasileiras: milho, algodão, mas também produtos da mineração (ferro, cobre, nióbio), tiveram aumentos significativos desde 2019. Esses aumentos são considerados por alguns observadores como temporários e por outros como o início de um novo “boom” generalizado em “commodities” (ou matérias-primas), semelhante ao que o Brasil experimentou nos anos 2000, sob a presidência de Luiz Inácio Lula Da Silva e Dilma Rousseff.
Esse boom é uma bênção para produtores e comerciantes, e uma ameaça, sinônimo de um aumento duradouro nos preços de alimentos e minerais processados usados na indústria no Brasil, mas especialmente na Europa, e em última instância sustentada por todos os consumidores. Isso, enquanto as autoridades monetárias em todo o mundo temem, ao mesmo tempo em que minimizam, um retorno duradouro da inflação.
Transbordamento limitado
No Brasil, a imprensa nacional, o influente meio “ruralista”, representante do agronegócio, e o presidente Jair Bolsonaro dão as boas-vindas a essa conjuntura de “commodities” vantajosa para o país. Mas é um eufemismo dizer que a população, da qual 70% ganha um salário mínimo (190 euros mensais) ou menos, e que empobreceu durante a crise da saúde, ainda não viu a cor do “boom” das matérias-primas.
Em termos de emprego, em primeiro lugar, o mercado de trabalho segue profundamente deprimido com uma taxa oficial de desemprego de 14,8%, a qual se soma o imenso halo de desemprego formado pela massa de trabalhadores desocupados do setor informal. Nessa área, pouco se pode esperar do dinamismo dos setores agrícola e de mineração devido ao baixo índice de empregos – efeito lógico dos investimentos feitos por grandes produtores para atender aos padrões de produção da agricultura intensiva (o Brasil é o líder mundial consumidor de produtos fitossanitários) incorporando as mais modernas tecnologias. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) observa que, desde 2012, o setor agropecuário perdeu 17% dos empregos.
Em termos de renda, então, o setor agrícola é conhecido por distribuir renda modesta, pelo menos sem correlação com seus deslumbrantes resultados financeiros. Em média, um trabalhador agrícola recebe 1,2 salários mínimos ou 215 euros por mês. Além disso, esse setor, tratado na imprensa como o pilar da economia brasileira e amparado por um poderoso lobby, conta com amplas isenções e reduções tributárias sobre os principais recolhimentos obrigatórias: imposto de exportação, imposto sobre circulação de mercadorias (incluindo insumos), contribuição para o financiamento dos organismos de segurança social, imposto sobre o rendimento … o que, consequentemente, reduz a sua participação no financiamento das políticas públicas, nomeadamente o investimento e a redistribuição.
Concentrada nas mãos de um pequeno número de proprietários, a receita agrícola das exportações, portanto, goteja para a sociedade brasileira. Este país, conhecido por seus contrastes sociais (eufemismo), não vai negar, mais uma vez, sua reputação: enquanto, segundo o IBGE, 50% da população está em situação de insegurança alimentar (quando a família não sabe se ela terá comida suficiente na semana seguinte), o que não acontecia há dezesseis anos, o 1% mais rico, incluindo os grandes proprietários de terras aráveis e minas, agora monopoliza 49% da riqueza nacional, contra 46,9% em 2019 e 40,5 % em 2010, segundo o Credit Suisse. O suficiente para validar as previsões dos economistas de uma recuperação econômica em 2021 e 2022 na forma de um K: aumento da renda dos mais ricos e empobrecimento dos mais pobres.
Com a crise da saúde, o Brasil está se distanciando mais do que nunca de seu sonho de uma economia mais diversificada dentro de uma sociedade mais igualitária e fortalecendo seu papel como fornecedor global de matérias-primas. Postura a que o país está acostumado desde o início da colonização e sua inserção, pela força, no sistema mundial de comércio no século XVII.
O atual subinvestimento público (em infraestrutura ou educação, cujos recursos federais caíram 38% em relação a 2016) e privado na indústria, não é um bom sinal para uma reversão de tendência no médio prazo. Nesse contexto, o governo priorizou economicamente a privatização da gigante pública Eletrobras, dona das barragens que fornecem 90% da energia elétrica do país, e a conclusão do acordo comercial UE-Mercosul, que prevê a redução dos impostos alfandegários de produtos manufaturados europeus. Não parece que isso vá ajudar muito a salvar a indústria brasileira.
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