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Entrevista com Vladimir Safatle: ”não houve eleição em 2018”

”A gente tem um processo de natureza revolucionária sendo capitaneado pela extrema-direita (…) É necessário uma radicalização dos dois polos. O polo da extrema-direita já se radicalizou”

Por Leneide Duarte-Plon

PARIS – 
Em entrevista exclusiva a Carta Maior, o escritor, professor de filosofia e psicanalista Vladimir Safatle constata a morte da esquerda brasileira. “O projeto de esquerda nacional que começa lá no Partido Comunista Brasileiro acabou. Para recuperar sua capacidade de organização e de mobilização é preciso que ela entenda por que morreu”.

Auscultar o futuro é tarefa que requer um agudo senso histórico e Safatle, que está dando aula de filosofia na Université Paris 10 até o fim do ano, revela-se um analista perspicaz. “Ninguém ocupa o Estado brasileiro com 7 mil militares para sair no ano que vem”, diz. “A ditadura militar terminou por negociação. Por isso ela nunca terminou. Por isso ela se preservou, por isso ela volta agora.”

Para quem se ilude com a pantomima de eleições e se prepara para uma verdade que brotaria das urnas em 2022, ele lembra :

“Hoje a gente sabe que não houve eleição em 2018. Foi uma eleição de República Velha, completamente forjada. A gente viveu um golpe dito em baixa voz e prolongado. Não foi um golpe gritado. Foi um novo modelo de golpe. É um golpe em câmera lenta. Ele vai sendo feito durante anos.”

Quanto à possibilidade de vitória de Lula, Safatle é realista :

“Mesmo com a habilidade de negociação do Lula, se ele conseguir garantir sua vitória, entra como um Getúlio invertido. Este começa com um pacto conservador e depois no último mandato encarna situações trabalhistas mais progressistas.”

“Tudo isso demonstra, entre outras coisas, que essa estratégia brasileira de sair pelo alto é uma catástrofe. E a gente vai tentar de novo…”

Carta Maior: O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos pensa que só o povo nas ruas dará legitimidade à CPI e garantirá a eleição presidencial de 2022. Existe possibilidade de ir para as ruas sem um banho de sangue ?

Vladimir Safatle: Existem três coisas. A primeira é que há uma visão de vários analistas de que a ausência de mobilização popular na rua paralisa o processo. No ano passado, vários grupos tentaram fazer manifestações, convocaram mas não teve adensamento. Aconteceram, mas foram pequenas. Sabemos que não há política sem povo na rua. A sequência latino-americana de revoltas e insurreições que a gente está vendo mostra isso claramente. No Brasil, existe povo na rua só que vem da direita. A situação brasileira é muito singular em relação aos outros países da América Latina porque há uma extrema-direita popular que consegue se mobilizar.

“ A gente tem um processo de natureza revolucionária sendo capitaneado pela extrema-direita”

Carta Maior: Mas entre os que vão às ruas existem populares ou são de classe média ?

Vladimir Safatle: A gente não tem um estudo sobre o perfil socioeconômico das pessoas que vão às ruas. Este discurso de que a extrema-direita brasileira em seu núcleo mais duro é a classe média ressentida é limitado. Há setores populares que se identificam com os princípios da extrema-direita no Brasil desde sempre. Ela tem adensamento popular. Basta ver o que era o partido integralista nos anos 1930 e 1940. Essa não é a leitura correta. A leitura correta é que o Brasil é um país profundamente fraturado, deve se encarar enquanto tal e deve se preparar para os conflitos e antagonismos que essa fratura implica. A gente tem um processo de natureza revolucionária sendo capitaneado pela extrema-direita e acho importante entender que tem que ter outra revolução. É necessário uma radicalização dos dois polos. O polo da extrema-direita já se radicalizou.

Carta Maior: Qual o projeto dos militares brasileiros hoje e quais as diferenças e semelhanças entre o projeto de poder atual e o dos militares da ditadura de 1964 ?

Vladimir Safatle:O nível de violência estatal no Brasil é indescritível. E incomparável. A gente vê o que aconteceu dias atrás na intervenção policial no Jacarezinho, esse massacre com uma ausência completa de reação institucional em relação a 28 mortos.

Carta Maior: A reação deveria vir de que instituições ?

Vladimir Safatle: Mesmo numa democracia liberal, o Estado precisa esconder sua violência. Ele não espetaculariza sua violência como no caso brasileiro. Não que o Estado não seja violento em outras democracias liberais mas ele não o faz a céu aberto. Essa explicitação é um elemento a mais, ela é a expressão de que a violência pode circular em qualquer lugar.

Carta Maior: E a explicitação da violência conquista corações e mentes…

Vladimir Safatle: Essa imagem da violência pode circular em qualquer lugar. Por quê? Porque você tem vários setores que vão se identificar com essa força brutal do Estado sem maiores problemas. A história do Estado brasileiro é uma história de massacres, construído a partir da gestão de massacres. Esse é só mais um.

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