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Filósofa francesa Claire Marin reflete sobre as ‘rupturas’ no mundo capitalista

Após superar um problema de saúde, ela lança seu novo livro, sobre as experiências limite que sempre atravessamos em nossas vidas, e que o mundo capitalista busca esconder debaixo do tapete. A pandemia gerou uma nova percepção sobre o que significa ”romper paradigmas”, desta vez a nível global: ”o liberalismo dissimula a dor por trás da ideia de adaptação”

Por Eduardo Febbro | Créditos da foto: (Reprodução/Marianne/bit.ly/3hgaVVc)

Belas, inconfessáveis, dolorosas, trágicas ou até salvadoras, as rupturas atravessam toda a nossa vida. Romper é sofrer e renascer, ou, também, perder-se para sempre. Algo tão íntimo e comum à condição humana como a ruptura não figura entre as reflexões filosóficas preferidas. E, no entanto, a ruptura é, de forma devastadora, a batuta de nossas existências.

Alguém, naquele mundo virado de cabeça para baixo pelo colapso global que a pandemia introduziu, pensou nisso muito antes do vírus: a filosofia francesa Claire Marin, cujo livro “Rupturas” interroga essa experiência extrema sem cair nas mais fáceis tentações: não é um tratado para confortar quem sofre, nem uma tentativa de ver as ruptura sob a lente de aumento da incongruente psicologia hiper positiva, tão promovida pelos gringos, nem um remédio literário para aliviar a dor, a tragédia, a separação ou a catástrofe.

Claire Marin pertence à corrente dos “filósofos do íntimo” e isso a levou a pensar sobre a ruptura, o lugar que ela ocupa em nossas vidas, o que ela produz, seus mitos, sua abrangência e seus limites, bem como sua variável ideológica. Porque, sem dúvida, a ruptura também tem um aspecto ideológico. O ultraliberalismo venenoso, por exemplo, a nega, não quer ouvir falar dela ou de suas consequências. O liberalismo precisa que admitamos as rupturas que o sistema propõe como dever religioso. Neste ensaio encantador e encorajador, Claire Marin percorre o extenso catálogo das rupturas: separações, traição, perda de emprego, viagens, tragédias, desaparecimento de entes queridos. Em suma, a infinidade de terremotos que sacodem as costas de nossas vidas, as majestosas incertezas que as rupturas geram e a nossa curiosa incapacidade ou capacidade de continuar com a melodia, de nos impor aos desastres, superar fronteiras dolorosas e, a partir daí, recomeçar vidas.

Ela publicou seu livro antes da ruptura universal que a pandemia trouxe. Muitos seres humanos encontraram em suas páginas maduras e felizes um reflexo de suas almas. A pensadora francesa sofreu as chicotadas de uma longa doença, que superou. Dessas experiências íntimas, dessa solidão, alimentam-se muitas das suas reflexões.

– Nossas vidas são quase reguladas pela ruptura. No entanto, nos esforçamos em negá-la. As sociedades contemporâneas escondem a ruptura e a apresentam como um produto da fragilidade. Por que você acha que é assim?

– Temos a tendência da encobrir os momentos de ruptura com uma espécie de continuidade que nos tranquiliza. Mas, na realidade, nossas vidas transcorrem no ritmo das rupturas. Há também uma espécie de silêncio filosófico em torno da dimensão física, encarnada e corporal do sofrimento. Sabemos que nos momentos de ruptura nós perdemos o apetite, perdemos peso, temos insônia, perdemos o equilíbrio e nosso corpo dói. É como se nosso corpo se tornasse um estranho. Nosso corpo é uma caixa de ressonância e quando passamos por momentos difíceis ele se enche de desconforto e perturbações. Nunca entendi por que essa dimensão corporal do sofrimento era silenciada quando, na realidade, no cotidiano, para contar a gravidade do que nos acontece costumamos dizer “perdi dez quilos, não durmo há três meses, perdi minha memória”. Cada pessoa faz do seu corpo uma testemunha da violência dessa experiência. O paradoxal dessa situação é que, na maioria das análises acadêmicas, essa dimensão corporal do sofrimento não é levada em consideração.

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