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No fio da navalha: Impeachment ou Golpe?

Por Liszt Vieira / Créditos da foto: (Sergio Lima/AFP)

Desde o ano passado, muitos setores e militantes clamam e tentam pressionar os partidos de esquerda a lançar uma Campanha Nacional Pelo Impeachment de Bolsonaro.

Por diversas razões, os partidos de oposição não aceitaram essa ideia. Segundo alguns, porque o impeachment não passaria na votação da Câmara. Segundo outros, porque as lideranças de oposição preferem que Bolsonaro fique até o fim, cada vez mais enfraquecido, o que facilitaria sua derrota na eleição de 2022. Claro que isso não pode ser admitido, face à tragédia dos mais de 560 mil mortos pela COVID.

Para muitos, a votação da PEC do voto impresso – 229 votos a favor e 218 contra – comprova que o impeachment não passaria na Câmara. Em relação a este argumento, cabe fazer algumas observações.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que a Campanha das Diretas Já, em 1984, foi um grande sucesso político, com extraordinário apoio popular, mas perdeu depois a votação no Congresso. Deixou frutos, colhidos anos depois na Constituinte de 1988. O argumento de que o impeachment seria derrotado na votação é um argumento de ordem exclusivamente institucional, pois leva em conta apenas a dimensão parlamentar e ignora a força da mobilização popular que pode contribuir para mudar a correlação de forças.

Mesmo na esfera institucional, a rejeição da campanha do impeachment ignora o papel atual da CPI que começa a encurralar Bolsonaro, bem como da ação contra ele proposta pelo TSE no STF. Assim, existem atualmente contra Bolsonaro duas ofensivas em curso, uma do Legislativo via CPI, a outra do Judiciário via ações no STF. Uma campanha nacional, com apoio popular, poderia fortalecer muito a oposição e canalizar energia política para desfechar um ataque vigoroso ao projeto neofascista do presidente.

Há uma outra dimensão a ser considerada. Trata-se da conjuntura política internacional. Os países democráticos enfrentam a oposição de grupos de extrema direita em vários lugares, a começar pelos EUA que custou a se livrar de Trump, mas não se livrou do trumpismo que continua chocando o ovo da serpente.

Esta é uma das razões que levaram o presidente Biden a convocar em dezembro próximo uma Conferência de Cúpula sobre Democracia com líderes mundiais. Os participantes discutirão “os desafios que a democracia enfrenta para fortalecer coletivamente as bases para a renovação democrática”, com foco contra o autoritarismo e na defesa do combate à corrupção e à promoção do respeito aos direitos humanos (Reuters, 11/8/2021).

A luta democrática interna contra o trumpismo – que, é bom não esquecer, invadiu o Capitólio com violência inédita num ensaio geral do que seria capaz de fazer no futuro – se justifica porque ele continua forte como alternativa eleitoral. Mas, além disso, é óbvio que Biden visa também com essa Cúpula sobre Democracia atacar a China, o grande adversário comercial dos EUA que já começaram a esboçar os primeiros movimentos de uma nova Guerra Fria, desta vez contra o país asiático que lhe disputa a hegemonia mundial.

É claro que há muita hipocrisia por trás dessa Cúpula, pois os EUA apoiam ditaduras em vários países do mundo, em função de seus interesses. O neoliberalismo, em alguns lugares, se apoia em democracias, em outros, em regimes neofascistas. É um equívoco dizer que o neofascismo é o último refúgio do neoliberalismo, mas é sem dúvida uma nova roupagem em alguns lugares. Nos EUA, para enfrentar o trumpismo e a China, Biden abandonou o neoliberalismo e propôs um fabuloso investimento estatal de mais 3,2 trilhões de dólares nas áreas de infraestrutura e tecnologia!

De qualquer forma, a questão democrática vai estar na ordem do dia da conjuntura política, o que certamente pode contribuir para o isolamento ainda maior de Bolsonaro. Para alcançar esse objetivo, a esquerda tem de fazer seu dever de casa. Até agora, o que vimos foram pujantes manifestações de rua com palavras de ordem tipicamente de esquerda. Ora, creio ser consenso o reconhecimento de que a esquerda sozinha é incapaz de derrubar Bolsonaro. As manifestações teriam de incorporar os segmentos liberais que recusaram ou abandonaram o bolsonarismo.

Assim, a bandeira democrática poderia abranger todos os setores anti Bolsonaro. Isso se torna cada vez mais importante porque muitos políticos de partidos considerados liberais passaram a apoiar Bolsonaro. Na opinião do cientista político da FGV/Rio, Octavio Amorim, “A Terceira Via aderiu à agenda da extrema direita”. Segundo ele, “as três principais agremiações durante a redemocratização nos anos 1980 – PSDB, DEM (ex-PFL) e MDB – aderiram à agenda que procura deslegitimar as eleições de 2022 e faz ameaças de golpe” (Valor, 12/8/2021).

O governo brasileiro vai tentar participar da Conferência de Cúpula proposta por Biden. Mas, se for aceito, sairá desmoralizado. Afinal, ainda há pouco, em 5 de agosto último, o presidente Bolsonaro recebeu representantes oficiais do governo americano e “expressou à missão americana que mantém firme sua convicção de que o ex-presidente Donald Trump foi vítima de uma fraude eleitoral. Conversando sobre as eleições presidenciais brasileiras de 2022, o presidente disse que está lutando para não sofrer, como Trump, uma fraude” (O Globo, 7/8/2021).

Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/No-Fio-da-Navalha-Impeachment-ou-Golpe-/4/51331

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