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O arroz, a gasolina e o gás de cozinha

A política de preços da Petrobras foi o combustível para a inflação se generalizar

Por César Locatelli / Créditos da foto: (Bruno Torturra/Divulgação)

A história dos preços do arroz é bem diferente da história dos preços do gás de cozinha, da gasolina, do óleo diesel. Todos têm complicado a vida dos brasileiros, especialmente daqueles de renda mais baixa. Os preços do arroz e dos combustíveis, no entanto, servem interesses muito distintos. Entendê-los pode apontar caminhos opostos ao que trilha nosso sombrio país. Seguem suas histórias dos últimos 12 meses.

O arroz

Em janeiro de 2020, o preço da saca de 50 quilos do arroz em casca estava pouco abaixo de 50 reais. A safra brasileira prevista não era exuberante (10,5 milhões de toneladas), mas somada à importação, daria conta do consumo interno e de uma exportação em torno de 15% da produção, no período da safra, de março de 2020 a fevereiro de 2021. Registremos aqui uma primeira razão para a alta que se seguirá: não se previa um safra abundante de arroz.

O dólar mais forte em relação ao real, no final de março, deixava o preço de exportação (cerca de 70 reais por saca) mais atraente para o produtor, que vendia no mercado interno por 52 reais. As preocupações com a pandemia começavam a influir no aumento da demanda no Brasil e no exterior. Dois novos componentes para a alta, assim, se agregam aqui: o dólar forte favorece a exportação, o mesmo valor em dólares de tempos anteriores se transforma em mais reais para quem exporta. O segundo é que a procura pelo arroz cresce em função da insegurança, no Brasil e fora, com relação ao abastecimento.

O mês de abril foi de forte alta, com a saca fechando a 57 reais, ao contrário do esperado, pois a safra estava em pleno andamento. Mais um fator entra em cena para esse resultado: os custos de produção e transporte, que já eram altos, se agravam. Com o início do fechamento de indústrias, pela pandemia, em São Paulo e Rio, muitos caminhões que levavam arroz do Rio Grande do Sul tiveram que voltar vazios, pressionando os custos.

O mês de maio fecha com a saca sendo negociada a 63 reais, resultado da alta demanda interna e externa. As exportações continuavam favorecidas por preço mais alto no exterior e o dólar alto em relação ao real. A procura permaneceu aquecida durante todo o mês de julho,em que a saca fechou a 65 reais.

O movimento de preços em agosto marcou recordes em cima de recordes de preços máximos. A cotação fechou o mês a 94 reais a saca, e a média do período foi de 80 reais. Os produtores, ao perceberem a forte procura e o movimento de alta dos preços, limitaram suas vendas no mercado na tentativa de aumentar seus resultados. Além disso, as exportações em agosto 2020 foram o dobro das de agosto de 2019.

Em setembro os negócios superaram a casa dos 100 reais por saca. O pico registrado ocorreu em meados de outubro a 106 reais. Em dezembro, os agentes começaram a se questionar se haveria mesmo razão para alta tão expressiva e, como acontece nesses casos, a alta começou a refluir. De todo modo, “no acumulado do ano (de 30/12/2019 até 30/12/2020), o Indicador Esalq/Senar-RS subiu expressivos 95,5%, fechando a R$ 93,91 por saca de 50 kg no dia 30”.

A linha vermelha do gráfico refere-se aos preços da saca de 50 quilos do arroz em casca durante o ano de 2020. O ano começa com o preço em 48 reais, o patamar de 63 reais é alcançado no segundo trimestre e o grande salto, para cima de 100 reais, ocorre em agosto e setembro. O valor mais alto do ano foi 106 reais em outubro. Os preços fecham ano de 2020 perto de 94 reais, uma alta no ano de 95,5%, ou seja, o preço do arroz praticamente dobrou no Brasil em 2020.

Em resumo, pode-se dizer que o estoque de arroz na passagem de uma safra à outra vinha baixo, em relação aos anos anteriores. Isso significa que produtores migraram para outras culturas mais vantajosas, como soja. Estoques baixos apontam maior risco de oscilação de preços, pois eventos não previstos, climáticos por exemplo, podem provocar desbalanceamentos de oferta pelos produtores e procura pela indústria e comércio, com os consumidores na ponta final.

A um dos mais baixos estoques de passagem da história, aliou-se uma pressão de custos de insumos para o produtor; os preços dos combustíveis jogam um papel crucial aqui. A pandemia acabou por ser o fator desestabilizador: dificultou e encareceu a logística de transporte, provocou incerteza nos consumidores que reagiram aumentando a demanda para ter algum estoque em casa, tornou vantajosa a exportação, pelo fortalecimento do dólar frente ao real, agregado a uma forte demanda no mercado internacional. A exportação cresceu 48% nos primeiros 11 meses de 2020. A subida de preços realimentou o desequilíbrio na medida em que gerou insegurança nos consumidores e incentivou os agentes a segurar o produto na espera de novos aumentos.

Os preços de 2021 estão representados pela linha verde do gráfico. O primeiro trimestre marca uma queda de 94 reais por saca para 87 reais. A queda se acentua no segundo trimestre para fechar próximo de 69 reais. O mais recente valor do Indicador do arroz em casca Esalq/Senar-RS foi 74,99 reais, no dia 27 de julho.

“As cotações domésticas do arroz estão voltando aos patamares médios históricos, quando considerados os valores deflacionados. Assim, abre-se o questionamento sobre a sustentabilidade da produção agrícola, especialmente porque nos últimos 10 anos a cultura [de arroz] mostrou-se pouco viável no Rio Grande do Sul. As expressivas altas dos custos de produção nos últimos meses, aliadas à redução dos preços de comercialização, devem complicar as tomadas de decisões e reduzir a atratividade da cultura”, avaliou o boletim Agromensal Cepea/Esalq-USP, de junho de 2021.

O arroz tem duas características importantes de serem destacadas. Ele é produzido por inúmeros agricultores, beneficiado por grande número de indústrias e consumido por milhões de pessoas. Isso quer dizer que não há um grupo restrito de pessoas ou empresas que consiga manipular os preços em seu benefício. Em outras palavras, é possível considerar que inexiste poder de mercado na cadeia do arroz.

A segunda característica é que o arroz, para o consumidor brasileiro, não tem substitutos. Se o preço sobe as pessoas que conseguem ter renda continuam comprando pois, grosso modo, não há outro produto para substituí-lo. São essas características que, aliadas, aos eventos iniciados em 2020, explicam a expressiva alta e o retorno a preços ainda altos, mas um pouco mais “normais” agora em 2021.

Com o aumento da fome no país seria perfeitamente justificável que o governo, temporariamente, arcasse com parte do preço do arroz, entre outros produtos. Um subsídio, por exemplo, para baratear a comida, como já aconteceu em outros tempos, teria aliviado enormemente o sofrimento de milhões de brasileiros durante a mais mortal pandemia de todos os tempos.

Saiba mai em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/O-arroz-a-gasolina-e-o-gas-de-cozinha/7/51194

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