Há 50 anos, ele publicava “The closing circle”. Erudito e provocador, livro contestou ambientalistas liberais, apontou nexos entre capitalismo e devastação e sugeriu: só recriando a circularidade da vida, rompida pelo capital, é possível salvar o planeta.
A questão social, espinha dorsal do ecossocialismo
Essas conexões precisavam acontecer também em termos sociais. Ainda que seu trabalho em popularizar as informações sobre riscos à saúde e ao ambiente oriundos da produção industrial, da agricultura capitalista, do uso de novos elementos químicos e da indústria petrolífera fosse central no debate sobre democracia, esse ainda era um tema essencialmente branco. Dizia, “a crise ambiental é uma crise de sobrevivência, e esse não é um tema da classe média americana”. Enquanto que para os negros, o tema da sobrevivência tem centenas de anos. Se eles também não o dominaram, pelo menos tiveram uma boa experiência que pode ser extremamente valiosa para uma sociedade que, agora como um todo, deve enfrentar a ameaça de extinção. Os negros precisam do movimento ambiental, e o movimento precisa dos negrosvii.
Embora o termo racismo ambientalviii inexistisse, Commoner inseriu uma perspectiva abrangente da ecologia, introduzindo elementos raciais e sociais que expressavam não apenas os impactos sobre os locais de moradia e trabalho das populações mais pobres, mas também os históricos dos enfrentamentos organizados nessas comunidades. As lutas ambientais necessariamente expressavam conflitos mais abrangentes e adquiriam caráter classista, ainda que o termo estivesse ausente no livro. Há uma antecipação do que Joan Martinez Allier vai, duas décadas depois, chamar de O ecologismo dos pobresix.
Dessa perspectiva, o debate ecológico prosseguiu contra os liberais, sustentando que as transformações necessárias não podem ser resultado de escolhas individuais – consumir menos, escolher produtos menos agressivos, andar de bicicletas, reciclar etc. –, mas sim pensadas em termos estruturais.
Aqui residem duas contradições fundamentais do sistema do capital: o processo de busca de crescimento contínuo num sistema ecologicamente fechado e limitado e a contradição entre capital e trabalho manifesta também no custeio ecológico dos efeitos da produção.
Há breve menção sobre o socialismo onde tais contradições não deveriam existir, uma vez que o imperativo do crescimento econômico e da valorização contínua não seriam uma necessidade. Entretanto, o apego ao produtivismo lançou tais sociedades no quadro dessa mesma crise ecológica, pouco se diferenciando dos países capitalistas. É nessa parte que Barry Commoner faz uma breve menção à obra de Marx onde destaca que o tema da destruição ambiental já fazia presente.
The Closing Circle tem alguns silêncios que podem indicar seus limites, mas também o itinerário teórico percorrido pelos movimentos socioambientais ao longo desses 50 anos. Por exemplo, no debate sobre o controle de natalidade nos países pobres, Commoner se colocou na defesa de políticas de distribuição de renda, mesmoconsiderando que o consumo dos ricos tinha um impacto ecológico maior. No entanto, não há referências à autonomia das mulheres e da opção de engravidarem, assim como da importância da melhoria das suas condições de vida, do acesso à educação e saúde, o combate ao patriarcalismo e defesa dos direitos, o que reforça o quanto os movimentos feministas e ecofeministas ganharam espaço e centralidade nas lutas socioambientais.
Outra lacuna do livro é em relação às lutas dos povos originários e comunidades tradicionais em defesa da natureza. Os entendimentos das relações entre os humanos e os outros seres vivos e não vivos compõem um quadro complexo e dinâmico que abrange cosmologias que potencializam novas formas de resistência. Além disso, The Closing Circle aborda superficialmente temas como o imperialismo, a dependência e a colonialidade. Tais questões estão hoje no epicentro da crise ecológica e delineiam as formulações e a ação dos ecossocialistas.
O livro carece, por fim, de uma avaliação mais profunda sobre a neutralidade da Ciência, principalmente pelo fato de que nessas cinco décadas ocorreu uma captura do tema das alternativas à catástrofe ambiental pelo Capital e suas instituições, que reforçam a utilização de recursos como a geoengenharia, tratada como tábua de salvação para a manutenção da lógica do consumo.
O Fechamento do Círculo
Passados 50 anos, a abertura do círculo está maior. A expansão do capitalismo intensificou os processos de destruição. O aumento da produção industrial, a expansão do agronegócio, o consumo dos combustíveis fósseis, a emissão de gases de efeito estufa, a perda de biodiversidade e da cobertura vegetal, a contaminação dos solos e das águas, a acidificação dos oceanos – tudo isso expôs o sentido da lógica sistêmica. O conhecimento sobre esses impactos, suas inter-relações e o modo como se retroalimentam produzem uma espiral de desesperança.
Seguindo a lógica do pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade, Barry Commoner, após o duro diagnóstico, conclama à ação. Apresenta a ideia de que o círculo biológico quebrado pelo Capital deveria ser fechado e esse processo só pode ser realizado a partir de um novo modelo de organização social, política, econômica, ética e científica. Embora Commoner não use o conceito marxista de ruptura metabólica, não seria exagero aproximá-lo da noção do círculo rompido. Do mesmo modo, em ambos se põem o desafio de sua superação e a necessidade de restauração dos mecanismos de troca e equilíbrio.
O que salvou a vida da extinção foi a invenção, no curso da evolução, de uma nova forma de vida que reconvertia os resíduos dos organismos primitivos em matéria orgânica, fresca. Os primeiros organismos fotossintéticos transformaram o curso voraz e linear da vida no primeiro grande ciclo ecológico da Terra. Ao fechar o círculo, eles alcançaram o que um organismo não vivo, sozinho, pode realizar – a sobrevivência.
Os seres humanos saíram do círculo da vida, guiados não por suas necessidades biológicas, mas por sua organização social com a divisa de “conquistar” a natureza: enriquecer governados por princípios distintos daqueles que governam a natureza. O resultado final é a crise ambiental, uma crise de sobrevivência. Mais uma vez, para sobreviver, devemos fechar o círculo. Devemos aprender como devolver à natureza a riqueza que dela tomamos emprestada. Em nossa sociedade voltada para o progresso, espera-se que qualquer pessoa que pretenda explicar um problema sério se ofereça para resolvê-lo.
Mas nenhum de nós – sozinho ou em um comitê – pode traçar um “plano” específico para resolver a crise ambiental. Fingir o contrário é apenas fugir do real significado da crise ambiental: que o mundo está sendo levado à beira de um desastre ecológico não por uma falha singular, que algum esquema inteligente pode corrigir, mas pela falange de poderosas forças econômicas, políticas e sociais que constituem a marcha da história. Quem se propõe a curar a crise ambiental compromete-se, assim, a mudar o curso da história.
Mas esta é uma competência reservada à própria história, pois a mudança social abrangente só pode ser planejada na oficina de ação social racional, informada e coletiva. Que devemos agir agora está claro. A questão que enfrentamos é comox.
Essa resposta é nosso desafio…
Veja em: https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/o-ecossocialismo-singular-de-barry-commoner/
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