Clipping

O subsolo do Brasil sob o comando dos rentistas

Entrada da Companhia Brasileira de Alumínio na Bolsa revela mineração cada vez mais financeirizada. Empresas com experiência dão lugar a grandes fundos de investimentos. Resultado: precarização e risco de novas tragédias como Brumadinho

Por Gustavo Soares Iorio e Tádzio Peters Coelho

No dia 15 de julho de 2021, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) galgou um novo patamar em sua história. A CBA, pertencente ao grupo Votorantim S.A – autêntico representante da burguesia interna brasileira – estreou no mercado de ações da bolsa de valores de São Paulo (a B3) com sua oferta inicial de ações (IPO, da sigla em inglês para Initial Public Offering).

CBAV3 (sigla das ações da CBA na B3) foi comercializada pelo preço de R$ 11,20 por ação, aquém da pretensão inicial, prevista entre R$ 14,00 e R$ 18,00. Dado o resultado abaixo da expectativa, foi comercializado apenas o lote inicial de ações. Com isso, a Votorantim continua a controlar 79% das ações da empresa. 

A maior parte das ações foram adquiridas por pessoas físicas e fundos de investimentos. Resultado: R$ 1,6 bilhão foi incorporado ao capital da empresa. Vale o registro que, no dia 20 de agosto, em comunicado aos acionistas, a diretoria anuncia o investimento de R$ 150 milhões em CDBs (Certificados de Depósito Bancário) com o Banco Votorantim, do mesmo grupo proprietário.

Financeirização da natureza

Este processo não é um fato isolado, muito pelo contrário, está no rol daquilo que se pode chamar de financeirização da natureza, o processo no qual os bens naturais comoditizados geram ativos e transação em mercados financeiros. A financeirização tem múltiplas dimensões, notadamente a abertura de capitais em mercado de ações. Esta tem sido uma prática recorrente no setor mineral. Em fevereiro de 2021, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) finalizou a oferta das ações de sua empresa controladora de mineração, levantando um total de R$ 5,2 bilhões.

Esta financeirização é vendida ao público em geral como um meio moderno e despojado de se fazer negócios. Mais e mais pessoas vão progressivamente se familiarizando com o mercado de ações e identificando a si mesmos como investidores, processo facilitado pela ideologia do empreendedorismo. 

No entanto, no chão concreto de operações das companhias financeirizadas, as condições ambientais e do trabalho vão se deteriorando. Cria-se um ambiente de negócios artificial, descolado da economia real, no qual a exigência pelos retornos de dividendos é incompatível com a capacidade real de acumulação. Os acionistas buscam sempre os maiores retornos no menor prazo possível. 

Em resposta à pressão dos acionistas, as companhias passam a operar segundo uma lógica com parâmetros dados pelo mercado financeiro, muitas vezes ignorando necessidades do “chão da mina”. O resultado na economia real não tem nada de fictício nem criativo, é a intensificação do trabalho e aumento da exploração de recursos.

É este horizonte de intensificação da exploração que aponta a CBA, que já vem passando por mudanças substantivas desde 2016, quando se desmembrou da então Votorantim Metais (atual Nexa Resources). Para ser valorizada no mercado financeiro, a empresa precisa criar a expectativa de bons resultados. 

O setor de alumínio ajuda nesse sentido, em alta dada a relevância enquanto componente importante dos meios de produção de energia relativos à conversão da matriz energética, dita sustentável. Para tanto, a empresa promete uma audaciosa expansão, com a modernização da planta industrial na cidade de Alumínio (SP), ampliação da produção de alumínio secundário (proveniente da reciclagem) e o Projeto Rondon de produção no estado do Pará. Promete-se um investimento de R$ 4 bilhões até de 2025.

Impacto para as comunidades

A questão é: o que isto significa para os/as trabalhadores/as e para as comunidades? Conforme foi dito, para um e para outro, infelizmente, a perspectiva é de degradação. 

Degradação do trabalho, na esteira da completa desregulação trabalhista em curso desde a reforma trabalhista de Temer e a atual (e escandalosa) Medida Provisória nº 1.045/21 de Paulo Guedes, já aprovada na Câmara dos Deputados. Degradação das condições ambientais de onde se extrai o minério, que sofrerão ainda mais com o assédio da CBA, que não pode frustrar as expectativas de seus acionistas. A empresa terá seu trabalho facilitado com as recentes investidas sobre o processo de licenciamento ambiental.

Para combater e resistir aos resultados deletérios dessa investida financeira, as comunidades atingidas diretamente pela lavra da bauxita em Minas Gerais, Goiás e Pará não podem estar sozinhas. É preciso difundir o entendimento de que a expansão da mineração é parte de um modelo, que passa pela precarização do trabalho e financeirização da natureza. Em sendo assim, é o modelo que precisa ser combatido em conjunto.

Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/o-subsolo-do-brasil-sob-o-comando-dos-rentistas/

Comente aqui