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O superpoder da soja no Brasil

É o grande negócio brasileiro. Suas plantações ocupam área equivalente à da superfície da Alemanha e foi o único setor que cresceu em 2020, apesar da pandemia. Território bolsonarista e berço de uma próspera classe empresarial, só teme a pressão dos ambientalistas e da Europa

Por Naiara Galarraga Gortázar

24 ABR 2021 – 22:14 GMT-3

Desbravar evoca abrir caminhos, explorar o desconhecido, “civilizar”. O pai de Tamires Vasconcelos era um devastador quando chegou a estas terras da Amazônia brasileira há quatro décadas. A bordo de uma escavadeira, ele ganhava a vida abrindo clareiras em meio à vegetação exuberante para construir estradas. Com elas, chegaram os colonos. E as cidades. Foram empurrados para fora a maior parte dos indígenas autóctones, como os Kayabi e os Apiakás. E anos depois, os cultivos. Os moradores relatam a colonização impulsionada pela ditadura militar como a epopeia dos pioneiros. As fotos em preto e branco do desembarque na década de 1970 contrastam com o verde dos campos de soja que se estendem até o infinito. Aqui e ali, pequenos grupos de árvores.

O berço do setor da soja fica no coração do Brasil, no Estado de Mato Grosso, a cerca de 2.300 quilômetros, terra adentro, do Rio de Janeiro. É o flanco sul da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. Esses campos, caminhões e silos representam o motor da economia brasileira. A fazendeira Vasconcelos, a única dos filhos do desbravador que optou por transformar o campo em sua vida, a herdeira, hoje pertence a uma próspera classe empresarial.

Aqui a soja reina. As plantações ocupam cerca de 38 milhões de hectares (como a superfície da Alemanha). A história econômica deste país continental acompanha o ritmo das matérias-primas. A soja é para o século XXI brasileiro o que o açúcar foi para o século XVII, o ouro para o XVIII e o café para o XIX.

Presente e passado

Vasconcelos e os 5.100 hectares de plantação da fazenda que dirige —a Minuano— representam o único setor econômico que conseguiu crescer durante a pandemia de coronavírus no Brasil. “Nosso principal cultivo é a soja, temos em segundo o milho, e também arroz e feijão”, explica esta engenheira agrônoma de 35 anos sentada em frente a um café, debaixo de uma árvore, em uma manhã ensolarada de março. Desta região sai boa parte da soja que alimenta vacas, porcos e galinhas, que por sua vez alimentam o mundo.

Mesmo na difícil conjuntura do coronavírus, o agronegócio brasileiro vive um doce momento. A produção está mais alta do que nunca, os preços internacionais disparam, o valor do real está muito baixo e nunca tiveram um aliado tão próximo na Presidência da República como Jair Bolsonaro. O país é o primeiro produtor do planeta. Para os empresários da soja, a única nuvem no horizonte é a pressão internacional pelo crescente desmatamento na Amazônia, crucial para mitigar as mudanças climáticas.

Não fosse pelo fato de falarem português, seria difícil acreditar que esta zona do Estado do Mato Grosso é Brasil. As camisas xadrez, os bonés, chapéus e botas, as caminhonetes têm o cheiro country do centro-oeste dos Estados Unidos. Em Sinop, como em outras cidades brasileiras, uma imponente Estátua da Liberdade preside a entrada da Havan, uma loja de departamentos de Luciano Hang, um amigo de Bolsonaro. A música sertaneja, o country local, é a trilha sonora dessas cidades agrícolas, embora o vírus tenha fechado os bares. Esta é uma região desconhecida até mesmo para muitos compatriotas. Não aparece em cartões postais. É território bolsonarista.

Antes do amanhecer, Vasconcelos vai de Sinop, a principal cidade da região, para a sua fazenda. Quem acredita que o nome deriva de sino, o vocábulo que designa a China, grande cliente que levou o negócio a níveis sem precedentes, está confundindo as coisas. Vem da própria origem de Sinop: significa Sociedade Imobiliária do Norte do Paraná, o Estado vizinho de onde vieram muitos dos colonos, como João Marcus Menegace.

O taxista Menegace era criança quando chegou com os pais e sete irmãos em uma van. “Comíamos no acostamento”, lembra ele. Após uma viagem de vários dias, chegaram à terra prometida. E prosperaram. A frota de veículos —com quase tantos carros como moradores—, a loja gourmet com delícias importadas e uma sofisticada butique de bolsas que não destoaria na zona opulenta São Paulo dão uma ideia da riqueza.

A fazendeira Tamires Vasconcelos em um campo de soja en março. Ela dirige uma fazenda de 5.100 hectares de cultivos em Sinop, no sul da Amazônia.
A fazendeira Tamires Vasconcelos em um campo de soja en março. Ela dirige uma fazenda de 5.100 hectares de cultivos em Sinop, no sul da Amazônia.VICTOR MORIYAMA

#OAgroNãoPara é o slogan que tem feito furor nas redes sociais e nestas terras desde que o coronavírus virou o mundo de cabeça para baixo. As máscaras lembram que a pandemia ainda existe, mas quase não afetou os negócios. “Os reflexos da pandemia foram menores porque, quando chegou, já havíamos negociado a safra 2020-2021”, explica a empresária agrícola. Os suprimentos estavam comprados e os grãos, vendidos. Trabalhar ao ar livre com escassa mão de obra e tecnologia abundante torna as coisas mais fáceis em tempos de covid-19.

A fazenda que ela comanda pouco tem a ver com a que fundou seu pai, Elmo Leitzke. Quase todos os processos adotam moderna tecnologia e os funcionários são qualificados. Eles fumigam as plantações em pequenos aviões. Vasconcelos mostra o silo construído dentro da propriedade e “pago à vista”, diz, com orgulho. Essa evidente bonança é fruto, ela explica, de “muitos anos de investimento em tecnologia e pesquisa sobre o clima, o solo, as sementes e os defensivos agrícolas”. No léxico local, “os defensivos” são o que os ambientalistas brasileiros chamam de agrotóxicos. Os pesticidas.

Os agroquímicos fazem parte do pacote tecnológico que, desde a década de 1990, elevou a produtividade em níveis imprevistos graças também à incorporação mais recente de sementes transgênicas. A União Europeia, que é um dos destinos dessas culturas, proibiu o cultivo de transgênicos e o uso de alguns pesticidas permitidos no Brasil, como acefato e atrazina. No Governo Bolsonaro a autorização de novos agroquímicos se acelerou em ritmo recorde: mil pesticidas em dois anos.

Saiba mais em:https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-25/o-superpoder-da-soja-no-brasil.html

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