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Outras Palavras O pos – capitalismo: os ingriante insumo sueco

Em capítulo de seu Manifesto Socialista, Sunkara provoca: socialismo escandinavo do pós-guerra desabou por suas próprias contradições. Mas suas conquistas notáveis, no campo dos direitos e da igualdade, podem inspirar novos projetos

Por Bhaskar Sunkara

Em 1976, o primeiro-ministro sueco Olof Palme comentou que havia dois caminhos para os socialistas: “Ou voltar a Stálin e Lênin, ou trilhar o caminho que se junta à tradição da social-democracia”. Sua escolha, enquanto líder do Estado que encarnava o segundo, era evidente. O modelo sueco tinha tanto prestígio que mesmo um gaullista como o presidente francês Georges Pompidou disse que sua sociedade ideal era “A Suécia, com um pouco mais de sol”[1].

Mas, por mais que os caminhos divergentes do socialismo não pudessem parecer mais contrastantes nos dias de Palme, nem sempre foi assim. No rescaldo imediato da Revolução Russa, minorias social-democratas importantes se somaram a dissidências comunistas, mas boa parte dos sociais-democratas rejeitou a insurreição e se acomodou à república democrática como a forma política para suas ambições. Ao mesmo tempo, quase todos esses sociais-democratas ainda eram marxistas em termos de doutrina e compartilhavam um horizonte socialista. Para boa parte deles, isso significava uma economia nacionalizada, na qual um planejamento racional substituía a tirania do mercado. Eles queriam ensejar um sistema que sucedesse ao capitalismo e duvidavam de que as coisas poderiam ser mudadas significativamente ainda no interior do capitalismo.

A social-democracia nunca chegou a atingir os objetivos ambicionados, mas as reformas que ela ensejou se provaram muito mais exitosas do que se esperava. A Suécia na década de 1970 não era simplesmente a sociedade com melhor qualidade de vida da história; também era o país europeu no qual, depois da Segunda Guerra Mundial, os socialistas mais conseguiram sobrepujar o poder do capital. Enquanto os capitalistas se preocupavam com as promessas de enterrar o Ocidente vociferadas a golpes de sapato por Nikita Khruschev, a maior ameaça ao capitalismo de livre mercado não estava na Rússia, mas na Escandinávia, onde a combinação de um Estado de bem-estar social universal, pleno emprego e sindicatos centralizados dava enorme poder aos trabalhadores. Os sindicatos suecos ainda apresentaram em 1976 uma proposta de fundos de participação acionária para os trabalhadores que teriam lentamente socializado empresas privadas. Como os sociais-democratas suecos chegaram a tanto, e por que o experimento deles finalmente caiu por terra, é uma história improvável e instrutiva.

Todavia, para compreender o sucesso da Suécia do pós-guerra, precisamos primeiro entender os fracassos da social-democracia do entreguerras e a lição importante que esses fracassos oferecem a respeito das armadilhas diante das quais os socialistas se deparam quando governam sem um plano para atingir transformações econômicas e políticas.

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Os socialistas europeus foram presenteados com a chance de passar da oposição ao poder mais rapidamente do que muitos imaginaram. Saíram da Primeira Guerra Mundial com bastante legitimidade – em alguns casos, como no da Alemanha, porque as elites estavam desmoralizadas, em outros, devido em parte ao seu apoio pela causa nacional no período da guerra. Como afirmou Karl Kautsky em 1924: “Tínhamos aprendido como ser oposição” antes da guerra. Agora “tratava-se de assumir o governo, e isso no sentido mais amplo; na indústria, nas localidades, no Estado”. Mas seu partido, tal como outros partidos socialistas no período do entreguerras, só chegou a exercer poder em governos minoritários ou de coalizão[2].

Os partidos de esquerda tiveram êxito variado na realização de reformas democráticas. Buscaram remover quaisquer barreiras existentes ao sufrágio universal e democratizar as câmaras altas do Parlamento, mas não chegaram a realizar reformas mais profundas. As monarquias que sobreviveram ao longo da Europa foram privadas de seu poder político. A exemplo de seu antecessor Jean Jaurès, o socialista francês Léon Blum concebia o Estado republicano como uma ferramenta para “definir, proteger e garantir a condição da classe trabalhadora”[3].

O sonho radical – substituir o capitalismo por uma economia socialista operando em prol do bem comum – ainda estava vivo. Logo nos primeiros anos do período do pós-guerra, uma série de ondas grevistas criou um terreno fértil para novas demandas, e, com o advento da Grande Depressão, o colapso capitalista tornava-se uma realidade. Nacionalizar grandes firmas e adotar novas medidas de planejamento seriam um primeiro passo. Mas os sociais-democratas tinham apenas uma vaga ideia do que queriam fazer.

Na prática, com exceção da França, a social-democracia do entreguerras não chegou a nacionalizar nenhuma empresa (isso apesar de os socialistas participarem de oito outros governos da Europa ocidental). Em vez disso, os socialistas formaram comissões para estudar o assunto, havendo-se pela primeira vez com as dificuldades técnicas de se construir uma nova economia política. Essas comissões não deram em muita coisa e, poucos anos depois, o próprio Kautsky se via obrigado a admitir que “a criação de uma organização de cunho socialista não é portanto um processo tão simples quanto pensávamos”[4].

O governo exercido pelo Partido Trabalhista no Reino Unido entre 1929 e 1931 sob a gestão de Ramsay MacDonald foi o exemplo mais extremo dessa nulidade no entreguerras. O Partido Trabalhista já tinha um histórico de ser bem mais moderado que muitos dos partidos da classe trabalhadora na Europa: ele rejeitava o marxismo e desde o início operou no interior de um arcabouço liberal-constitucional. Foi uma organização movida por interesses sindicais e que nunca gozou das mesmas influências radicais que o SPD alemão. Por anos, a Segunda Internacional vinha recusando a admissão do Partido Trabalhista britânico por conta de sua ênfase na colaboração de classe. Depois da Grande Guerra, contudo, o partido deu uma guinada à esquerda: a cláusula IV de sua constituição de 1918 reivindicava “a propriedade comum dos meios de produção, distribuição e troca”.

O segundo ensaio do partido no poder foi em 1929. Na eleição geral de 1923, o Partido Trabalhista havia conquistado um milhão de votos a menos que o Partido Conservador, mas conseguiu formar um governo minoritário com apoio do Partido Liberal. O experimento durou apenas dez meses, e, com menos de um terço do Parlamento, MacDonald não foi capaz de aprovar nada além de reformas menores de educação, moradia e emprego. Um governo minoritário opera sempre com os dias contados, mas o Partido Trabalhista tinha ainda que enfrentar uma campanha anticomunista rasteira patrocinada pelo Partido Conservador, que contestava seus tímidos acenos de abertura diplomática com a jovem União Soviética.

Em 1929, o Partido Trabalhista disputou as eleições defendendo um programa de obras públicas de construção civil e redução da jornada de trabalho para combater o desemprego. O resultado foi a conquista de 136 cadeiras parlamentares, o que, apesar de dar ao partido a maior bancada do Parlamento, não lhe garantia maioria. Mais uma vez, o Partido Trabalhista se viu dependente do apoio do Partido Liberal.

O segundo governo de MacDonald foi formado em junho de 1929, poucos meses antes do início da Grande Depressão. O momento não poderia ter sido pior para a agenda de reformas do partido. Com o aumento dos índices de desemprego, a liderança do partido se agarrou a uma ortodoxia econômica rígida em vez de expandir o programa de obras públicas. Os líderes queriam apaziguar os mercados, e enfrentavam uma perspectiva de inflação e déficit crescentes. Em defesa da austeridade, MacDonald sustentava que a inflação representava uma ameaça mais grave do que o desemprego, e que manter o livre comércio e “o mais estrito zelo” para com a sabedoria econômica vigente permitiria que os desempregados fossem reabsorvidos à indústria com o tempo. Sua tarefa urgente era evitar o naufrágio da democracia “no duro rochedo das finanças”.

MacDonald tinha origem mais humilde do que qualquer primeiro-ministro britânico até hoje, mas bateu de frente com os sindicatos e se via como o representante responsável de uma sociedade inteira, e não apenas de uma classe. Alguns parlamentares do Partido Trabalhista que tinham maior proximidade com os sindicatos chegaram a se opor aos cortes nos benefícios e garantias sociais e de desemprego, defendendo, em vez disso, mais planejamento e investimento por parte do Estado. Apesar de terem projetos políticos muito diferentes dos de MacDonald, boa parte da esquerda extraparlamentar compartilhava da avaliação da liderança do partido de que não era possível fazer muita coisa por meio do governo. “Não importa quão capazes, sinceros e simpáticos possam ser os homens e mulheres do Partido Trabalhista que se colocarem diante da tarefa de administrar o capitalismo, o capitalismo irá fazer que sua administração configure um desastre”, diria um artigo do Socialist Standard, jornal do Partido Socialista da Grã-Bretanha[5].

A gestão MacDonald governou sem tentar apresentar uma alternativa socialista e sem acreditar ter condições de reformar o sistema existente. Na melhor das hipóteses, reassegurou aos trabalhadores que eles não seriam os únicos a ter de fazer sacrifícios em uma era de escassez, mas esse fatalismo se traduziu em um desastre eleitoral nas eleições gerais de 1931.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/estadoemdisputa/pos-capitalismo-o-intrigante-aporte-sueco/

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