Em retrocesso, país aproxima-se de Sudão, Egito e Iêmen. Receituário neoliberal alargou o abismo social e fez emergir exército de precarizados. “Ilhas” de prosperidade são poucas — e dominadas pela lógica de exclusão do agronegócio
Por: Marcio Pochmann / Ilustração: Greg / Folha de Pernambuco
Para um país de dimensão continental como o Brasil, a conjugação de ambiguidades, contrastes e desigualdades sociais costuma fazer parte de narrativas adotadas para sintetizar a situação nacional em diferentes momentos históricos. Há quase cinquenta anos, por exemplo, quando o país combinava o rápido crescimento econômico com a concentração de renda, o acrônimo Belíndia criado por E. Bacha se tornou popular ao associar a contraditória realidade nacional à situação de países muito díspares como a Bélgica e a Índia.
Em síntese, o regime autoritário da ditadura civil-militar na década de 1970 permitia que uma parcela menor da população brasileira vivesse em condições enriquecidas, similares às da Bélgica, enquanto a maioria dos brasileiros era submetida ao padrão de pobreza e informalidade equivalente ao da Índia daquela época.
Mais de três décadas depois, durante os governos do PT, a revista inglesa The Economist atualizou o termo Belíndia para o de Italordânia. Isso porque a parte mais rica dos brasileiros teria ascendido ao modelo de vida italiano, superando ao da Bélgica, ao passo que a maior parte da população nacional evoluíra, aproximando-se ao nível de renda per capita da Jordânia.
Em vez da contraposição entre riqueza e pobreza do passado, parecia se confirmar uma espécie de convergência na trajetória geral da população, todos melhorando, embora os mais vulneráveis evoluindo mais rapidamente do que os privilegiados. Mesmo os estados mais pobres da federação, como Maranhão e Piauí, por exemplo, teriam avançado ao nível de renda per capita três vezes superior ao da Índia na primeira década do século XXI.
De lá para cá, contudo, a realidade brasileira sofreu intensa e prolongada inflexão. O país já acumula vários anos do decréscimo na renda per capita. Desde o golpe de Estado de 2016, a plena retomada do receituário neoliberal implodiu a convergência expansionista entre rico e pobre identificada no acrônimo da Italordânia.
Também parece se distanciar do antigo termo Belíndia, pois sem dinamismo econômico, poucos se salvaram do retrocesso socioeconômico. A deterioração no padrão de vida passou a atingir inclusive antigos segmentos privilegiados, enquanto a maldição da precarização do modo de vida se generalizou no conjunto da população.
Desigualdades regionais
Isso é o que se pode perceber, por exemplo, da análise das contas regionais recentemente reveladas pelo IBGE ao longo dos anos 2010. De forma sintética, o comportamento da renda per capita de cada uma das 27 unidades da federação em relação à renda per capita do Brasil aponta para três tipos distintos de trajetória: a realista (acima do PIB per capita nacional), a apática (na média do PIB per capita nacional) e a decadente (abaixo da média do PIB per capita nacional).
A trajetória realista, observada em estados da federação (Pará, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Alagoas, Pernambuco, Ceará e Piauí), destaca-se por deter dinamismo da renda per capita acima da renda per capita nacional durante os anos 2010. Esse conjunto de estados que abarca 34% do total da população brasileira possui importante conexão econômica com o exterior, respondendo por mais de 55% do total das exportações realizadas anualmente pelo chamado agronegócio do país.
A trajetória decadente, que se caracteriza pelo desempenho da renda per capita inferior à renda per capita nacional, manifesta-se em 10 unidades da federação (Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Distrito Federal, Sergipe, Amapá, Roraima, Amazonas e Acre), responsáveis por 41% do total da população do país. A perda de vigor da economia brasileira nos anos 2010 comprometeu o impulso da renda per capita nesses estados, cuja estrutura produtiva e ocupacional se volta ao atendimento do mercado interno de consumo e registra contida presença nas exportações do agronegócio (19,4% do total).
Por fim, a trajetória apática é identificada em seis estados da federação (Rondônia, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia e Minas Gerais), que respondem por 25% do total da população brasileira. O comportamento da renda per capita nesses estados, equivalente à estagnação da renda per capita nacional nos anos 2010, revela a existência da ambiguidade no interior da estrutura produtiva e ocupacional orientada aos mercados tanto interno como externo, responsável por 15% do total das exportações do agronegócio do país.
No balanço da década passada, os três subconjuntos da unidade federativa alteraram a sua posição relativa na composição do PIB nacional, aumentando as desigualdades. O grupo de estados situados na trajetória realista aumentou a sua composição relativa no PIB de 26,7%, em 2009, para 29,9%, em 2019; o subconjunto dos estados submetido à trajetória decadente reduziu de 57% para 53,5% a participação na renda nacional; e o conjunto dos estados na trajetória apática se manteve estável em 16% do PIB.
Diante disso, cabe o acrônimo Suegi, constituído pela abreviação de países (Sudão, Egito e Iêmen) que expressam realidades similares às percebidas atualmente no Brasil. São Nações com economias decadentes e que tem reagido, sobretudo, pelo impulso externo, com estrutura primário-exportadora e expostas a conflitos internos significativos.
Veja em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/pochmann-suegi-a-nova-cara-do-brasil-pos-golpe/
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