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”Precisamos de um governo disposto a acabar com a guerra na Colômbia”

A líder socioambiental, Francia Márquea, vai disputar, em março, as primárias com Gustavo Petro, que comanda o conglomerado de centro-esquerda Pacto Histórico. Seu movimento “Sou porque Somos”, vindica as lutas dos afrodescendentes

Por Marco Teruggi / Créditos da foto: (Darwin Torres)

“Precisamos superar o medo e encher este país de esperança”, disse Francia Márquez, líder social colombiana e candidata à presidência, pelo Pacto Histórico para as eleições de 2022. Ele fala de Cali, a cidade com a maior população desalojada à força pela violência armada, foi o epicentro do recente levante e das repressões estatais e paraestatais. Lá eles viveram o que é chamado de “caçada” aos jovens que protestavam, ordenada pelo presidente de Iván Duque e pelo dirigente do partido no poder, Álvaro Uribe.

“La gente está cansada de no ver cambios en este país y están dispuestos a cambiar como sea, el estallido es el acumulado de luchas históricas, de resistencias de los pueblos indígenas, afrodescendientes, campesinos, de las mujeres, de la juventud, que ahora no están dispuestos a seguir perdiendo lo poco que nos ha quedado, y que están dispuestos a cambiar lo que haya que cambiar para que la vida sea posible en este país, porque aquí hay una fractura muy fuerte sobre el valor de la vida, la vida no importa”, explica Márquez, quien en el 2018 recibió el Premio Medioambiental Goldman por su lucha por la defensa del medio ambiente.

“As pessoas estão cansadas de não ver mudanças neste país e estão dispostas a mudar seja como for. A eclosão das manifestações é o resultado das lutas históricas acumuladas, de resistências dos povos indígenas, afrodescendentes, camponeses, das mulheres, dos jovens, que agora não estão dispostos a continuar perdendo o pouco que nos resta, e eles estão dispostos a mudar o que tenha que ser mudado para que a vida seja possível neste país, porque aqui há uma fratura muito forte no valor da vida, a vida não importa”, explica Márquez, que em 2018 recebeu o Prêmio Goldman Ambiental por sua luta pela defesa do meio ambiente.

O levante de abril foi precedido de grandes mobilizações: “em 2019 as pessoas já estavam nas ruas, e isso diminuiu com a pandemia, trancaram-nos a todos sem garantia, com fome, desolação, e então foi o desespero por nos estarem matando, não pela violência, a fome também nos mata, a pandemia nos mata, então o que nos resta é sair às ruas e lutar”.

O crescimento dos protestos desde 2019 ocorreu em paralelo ao aumento dos massacres e assassinatos seletivos de lideranças sociais, camponeses, indígenas, ex-integrantes das FARC que, só em 2021, tiraram a vida de 378 pessoas. Cali e o departamento vizinho de Cauca são alguns dos territórios com maior impacto desta violência, em particular sobre as populações mais humildes, que foram protagonistas do levante e sobre quem o governo empregou a repressão e uma perseguição “racializada”, como afirma Marquez.

A violência uribista

“Temos um governo que destruiu sonhos e as possibilidades de se viver em paz neste país, apesar de gritarmos dos territórios com aquele grito que brota do coração, que vem da dor de ver e viver o tempo todo em no meio da violência, dos bombardeios, do recrutamento, da morte que banha os territórios de sangue, estas vozes foram silenciadas por este governo infame que não se importou com aqueles gritos desesperados que pediam que nos deixassem viver em paz, já chega, não queremos mais mortes, ademais porque os mortos fazem parte da gente empobrecida, negra, indígena, camponesa, mestiça, lutando uma guerra que não é nossa, não nos pertence ”, afirma Márquez.

Esse mesmo governo, como parte do uribismo que se opôs aos Acordos de Paz assinados entre as FARC e o presidente Juan Manuel Santos em 2016, optou por uma política repressiva centralmente diante da eclosão das manifestações. “Desde o início da greve, o governo utilizou o conceito de vandalismo, de criminosos, de terroristas, e esses conceitos têm implicações para a ação política, na força e na justiça. Classificar jovens e povoados que se manifestam são classificados como terroristas, é colocar a lápide sobre eles, é para condená-los à morte, porque o terrorismo se combate com as armas do Estado, e assim aconteceu”.

“Aqui o que se viu foi uma dura discriminação racial, a forma como eles violentavam os jovens negros nas mobilizações, a forma como eles violavam esses territórios com maioria de população negra em Cali era com brutalidade, era um tratamento de guerra, os ataques físicos contra os jovens foram terríveis, para servir de advertência para que não se atrevessem a repetir”.

A violência planejada e executada pelo governo deixou um recado: “a elite colombiana mostrou que está disposta a fazer o que for preciso para não perder o poder”. Trata-se, neste momento, de conseguir disputar o poder, o que passa por uma alternativa eleitoral face às eleições legislativas e presidenciais de 2022, segundo Márquez.

O Pacto Histórico

“Precisamos de um governo com vontade política, disposto a deter a guerra, a buscar saídas para acabar com o narcotráfico, as economias ilegais que ajudam e contribuem para atear fogo à violência neste país, que esteja disposto a acabar com o extrativismo que priva e desaloja as pessoas, prejudica o território e o meio ambiente, que esteja disposto a acabar com o racismo, com o patriarcado que prejudica direitos e viola as mulheres. Um governo que esteja disposto a mudar é o que vai permitir uma mudança, senão a morte não vai parar por aqui e vamos continuar a contando mortos e mais mortos ”, explica Márquez.

A aposta de um grupo de atores de esquerda, progressistas e de centro é construir uma unidade que alcance uma vitória em 2022, algo que está expresso no Pacto Histórico, liderado por Gustavo Petro. “Procuramos reunir o maior número de pessoas, a maior força para ganhar as eleições legislativas e presidenciais, e para escolher um candidato faremos uma consulta que será em março, o que implica que o país defina qual, entre todos nós que ali estamos, deve ser o candidato e a candidata à presidência ”. Nessa primária participará Francia Márquez, com o seu movimento “Sou porque somos”, que “vindica as lutas dos afrodescendentes”.

“Não vai ser fácil, aqui os jovens e as pessoas não acreditam na política representativa, porque a política que conhecemos aqui é a da morte, a de brincar com as necessidades das pessoas, é a política do medo, de lucrar com o sangue derramado, aqui se gera conflito, se sustenta o conflito e se dá o voto para que não haja paz, mantendo a violência para depois, nas eleições, vender segurança, e é isso que conhecemos, crescemos vendo essa política, não vimos outra. Esperamos que, como tem havido gente em massa nas ruas, haja um despertar ”, explica Márquez.

O objetivo com o Pacto Histórico é “construir um programa, todos estamos propondo linhas programáticas, e do meu ponto de vista esse programa deve ser um mandato que se construa em assembleias permanentes, em espaços participativos, que tenha uma legitimidade do povo que está mobilizado nas ruas, dos oprimidos que sempre sofreram neste país”.

Faltam ainda vários meses para as eleições, em um contexto em que todos na Colômbia afirmam que os protestos podem voltar a qualquer momento. O país vive um cenário de crise, de exacerbação da violência estatal e paraestatal, em que as elites têm mostrado, afirma Márquez, estar dispostas – como historicamente – a fazer qualquer coisa e, por sua vez, “há tanto cansaço que as pessoas estão dispostas a fazer uma mudança inclusive com suas vidas”.

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/-Precisamos-de-um-governo-disposto-a-acabar-com-a-guerra-na-Colombia-/6/51385

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