Hoje, quando completam cinco anos da deposição por motivações políticas de uma presidente legitimamente eleita, Carta Maior rememora a série de rupturas vividas desde Getúlio Vargas. 2016 e 2018 não foram pontos fora da curva
Por Redação Carta Maior / Créditos da foto: (Arte/ Alessandra Monterastelli)
É bastante provável que todos nós já tenhamos nos perguntado como chegamos aqui. Por que a cada momento somos tomados de assalto por ameaças de todos os tipos? Por que, nos últimos tempos, só fizemos descer, como sociedade, degraus e mais degraus na escala civilizatória? Por que o sobressalto tem sido nosso estado de espírito habitual?
Talvez tenhamos ficado tão mal-acostumados com o período de certa normalidade em termos de democracia, que até chegamos a acreditar que era para valer.
Não era.
Nunca foi.
Nossa história de rupturas não começou com o golpe contra a Presidente Dilma Rousseff, nem com o impedimento de Lula da corrida presidencial de 2018.
Precisamos fazer o tempo voltar 67 anos e rememorar as sucessivas Rupturas ao longo desse período. Sempre que vamos galgar um novo patamar de desenvolvimento econômico e social, alinham-se elites econômicas, políticas, militares, imprensa, igreja, os conservadores em geral, e a potência imperial. É consenso entre os historiadores que o suicídio do presidente Vargas, em agosto de 1954, atrasou o golpe por 10 anos. A reação do povo, temporariamente, conteve o golpismo.
Sete anos se passaram até assistirmos a nova efervescência golpista. Jânio Quadros renunciava e seu vice João Goulart era impedido de assumir. Não importava se tinha sido eleito, se tinha recebido os votos necessários que o levariam à cadeira presidencial com a renúncia. Como se dissessem: “Goulart não é dos nossos”, armaram o golpe.
Não contavam que um certo governador gaúcho os enfrentaria, mobilizaria a resistência e garantiria a posse de Jango. O golpe, entretanto, logrou retirar poder do presidente e transformar o regime em parlamentarista. 1961 foi o ano que assistiu a essa destacada vitória da resistência.
O povo brasileiro expressou seu desejo soberano de ter uma verdadeira democracia, ao rejeitar esmagadoramente o parlamentarismo.
Isso bastou para que os golpistas se alinhassem novamente rumo ao 1º. de abril de 1964, com a justificativa de combater o comunismo e a corrupção, atendendo os interesses do império.
Dissidências internas ao poder encaminharam uma ruptura dentro da ruptura, ou um golpe dentro do golpe. As trevas desabaram sobre nossas cabeças. Era dezembro de 1968 e aquela “breve pausa” terminou por durar 21 anos e custar muitas vidas.
Um civil, embora não eleito pelo povo, voltaria a “comandar” o país somente em 1985. O otimismo com a nova Constituição e com a volta da democracia escondeu que a tutela militar prosseguia, que o poder econômico ainda ditava as regras e era sobrerrepresentado nos Três Poderes, que a imprensa detinha força para tronar e destronar quem não rezasse a cartilha da aliança conservadora, sancionada pelo beneplácito do império.
No interregno da democracia que se seguiu, uma vez terminada a ditadura, o primeiro presidente eleito pelo povo que ousou alterar a distribuição de renda foi Lula. Aliás, o governo Lula foi mais longe, resolveu tirar do papel os direitos sociais inscritos na Constituição de 1988, na prática, ignorados pelos presidentes anteriores.
A resposta de que estava contrariando os interesses da aliança conservadora veio pela Ação Penal 470. A interpretação de leis com intuito precípuo de punir os adversários políticos, convertidos em inimigos, foi um dos métodos usados para trocar de presidente. Os ardis ali inaugurados voltariam alguns anos depois na forma da operação Lava Jato.
Ainda não se falava em lawfare, mas foi o que ali se praticou. O STF condenou e prendeu lideranças importantes, manchou reputações em flagrante desatendimento ao devido processo legal. Não logrou, todavia, destruir politicamente o presidente Lula.
Foi ferido, sangrou, mas resistiu e a verdade prevaleceu. Lula é reeleito em 2006 e as pesquisas apontavam para a sua vitória em 2018, não tivesse sido afastado da disputa e trancafiado sem justa causa por um juiz suspeito, incensado pela imprensa e legitimado pelos tribunais superiores.
Mais uma trágica ruptura na nossa frágil democracia que descambaria no governo Bolsonaro.
Hoje, quando completam cinco anos da deposição por motivações políticas de uma presidente legitimamente eleita, Carta Maior rememora a série de rupturas vividas desde Getúlio Vargas. 2016 e 2018 não foram pontos fora da curva.
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DOCUMENTÁRIO
Apresentado pelo escritor e jornalista Flávio Aguiar, o documentário “Rupturas” traz as reflexões do economista Luiz Gonzaga Belluzzo sobre o suicídio de Vargas em 1954, do jornalista Flávio Tavares sobre a Campanha da Legalidade em 1961, do sociólogo Emir Sader sobre o golpe de 1964, do político Roberto Requião sobre 1968, e da professora Carol Proner (Direito Internacional – UFRJ) sobre o golpe de 2016 e o impedimento de Lula em 2018. Confira:
Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Memoria/Rupturas/51/51489
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