Ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em turnê pela Europa, afirma que seu país pode voltar ao cenário internacional a partir das eleições do próximo ano
Por: Pepa Bueno/ Lucía Abellán
Ele entra como um ciclone na sala onde fazemos a entrevista. Ao longo da conversa, o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva repete várias vezes sua idade, 76 anos —uma idade na qual um homem não pode odiar, nos dirá—, mas afirma estar com a energia de alguém muito mais jovem. E de fato, vem de uma jornada exaustiva em Madri e de uma esgotadora viagem pela Europa, que antes o levou a Berlim, Bruxelas e Paris. Apesar de toda essa agitação, responde desde a primeira pergunta com a paixão de quem quer proclamar ao mundo que o Brasil pode estar de volta à cena internacional a partir das eleições que do ano que vem. Essa é a mensagem que deseja transmitir em sua visita à Europa: o Brasil não é Bolsonaro.
Pergunta. Nós o vimos em sua viagem pela Europa com muita energia, com muita vontade de política.
P. E por que reluta em confirmar que será candidato nas eleições brasileiras?
R. Porque não depende de uma vontade pessoal, não depende de mim. Eu tenho que construir com outras pessoas e com outros partidos um programa para o Brasil. Tenho que fazer uma aliança, porque o importante não é apenas ganhar as eleições, é você governar. Tenho uma responsabilidade dobrada. Porque todas as pesquisas mostram que o meu Governo é considerado o melhor Governo que já aconteceu no Brasil, foi o melhor momento de inclusão social, de inclusão nas universidades, de aumento de salário e geração de emprego. Os pobres e mais humildes também conquistaram a cidadania. Se eu voltar para a presidência, não posso fazer menos do que fiz. Por isso tenho um temor: não posso voltar para fracassar. Tenho que voltar para fazer o Brasil recuperar o seu prestígio internacional e que o povo possa comer três vezes ao dia.
P. Qual seria a versão 2021 do programa Fome Zero [Bolsa Família] com o qual tirou milhões de brasileiros da pobreza?
R. Esse programa teria que melhorar. Mas nós tivemos um conjunto de políticas públicas, e em 2018 o Brasil chegou a ser a sexta economia mundial. Hoje é a 13ª. Andamos para trás —destruíram-se a empresa de engenharia, as empresas de água e gás, a indústria naval. Deixamos de ser um sonho para os investidores estrangeiros e passamos a ser um pesadelo. Os empresários espanhóis sabem do que estou falando, porque a Espanha é o segundo investidor do Brasil. O Brasil pode ser melhor, o Brasil não é o Governo atual. O Governo atual, de fato, não representa a alma do povo brasileiro.
P. O senhor faz um retrato demolidor do Brasil que Bolsonaro deixa. Mas os brasileiros votaram nele. Por que acha que o fizeram?
R. Vivemos um momento de anomalia na política mundial. O eleitor brasileiro votou em Bolsonaro pelas mesmas razões que o eleitor americano votou no Trump. Foi um momento de desajuste emocional de uma parte da humanidade. Como com o Vox aqui. Aconteceu no mundo todo. A mentira prevalece sobre a verdade. Bolsonaro é mentiroso, não entende a economia, não entende os problemas sociais. Se eu não tivesse um envolvimento com o movimento sindical, com a sociedade mais pobre do Brasil, se o PT não fosse um partido organizado, eu teria sido destruído. Eu fui preso. E cá estou eu de cabeça erguida, com a mesma disposição, porque, como sou católico, como eu creio em Deus, acho que o que aconteceu comigo foi um teste que Deus estava fazendo comigo, e eu tive que provar que estava preparado para enfrentar a adversidade.
P. Então não tem sentimento de vingança nem de remorso depois das experiências que viveu?
R. Ninguém pode querer governar para se vingar. Minha obrigação é tentar resolver os problemas do povo brasileiro. Quero contar uma coisa: eu comi pão pela primeira vez quando tinha sete anos. Minha mãe saiu de Pernambuco, andamos de caminhão durante 13 dias, 2.000 quilômetros até chegar a São Paulo para tentar vencer a fome, e eu consegui vencer. Então agora a única razão pela qual posso ser candidato e agradeço a Deus estar vivo e com saúde é porque tenho consciência de que posso ajudar o povo pobre do país. Posso ajudá-lo a trabalhar, a comer e a ir para a universidade. Já fizemos isso.
Aprendi que um pouco dinheiro na mão de muitos faz milagres. Quando você dá 10 euros a um pobre e 1.000 a um rico, os 1.000 irão para uma conta bancária, para especulação. O pobre vai comer, vai comprar sapatos, roupa, um caderno, e a economia começa a funcionar. Esse foi o milagre brasileiro.
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