Em entrevista a Carta Capital, Wallace de Moraes fala sobre anarquismo negro e relata episódio de discriminação racial sofrido no ano passado
Por: Roberto De Martin
Como o racismo é reproduzido dentro das instituições? O professor Wallace de Moraes coordena um grupo de estudos que busca responder a essas questões, o Coletivo de Pesquisas Decoloniais e Libertárias, do Departamento de Ciência Política da UFRJ.
A perspectiva decolonial, explica ele, entende que o pilar da formação social nas Américas é a relação entre raça e racismo. “E é por isso que até hoje, em todos os países das Américas, negros e indígenas estão em posições subordinadas”. Já o libertário inclui a ampla defesa da liberdade, desde que sempre levada à cabo pela igualdade. “Casa-se com o pensamento anarquista.”
Para Moraes, ser definir como anarquista no Brasil atual é ser discriminado e taxado de “maluco e de subversivo”. Mas completa: “Também é ser o maior defensor da liberdade, e contra todo tipo de opressão e discriminação a qualquer corpo; seja ela de cunho racial, patriarcal, religiosa ou acadêmico-científica”.
O grupo também se dedica a estudar o racismo dentro da universidade pública brasileira, cujos currículos privilegiam autores europeus em detrimento de vozes que buscam contar a visão de povos historicamente oprimidos. O próprio Moraes conta ter sido vítima na universidade. Durante uma reunião virtual do Departamento, relata, seu nome foi excluído da banca que ficaria responsável pela seleção de um novo professor.
O motivo, segundo “justificativa” de um de seus colegas em conversas de WhatsApp, seria que ele se “vitimizava” demais por questões raciais e não tinha capacidade suficiente para gerir uma banca de concurso – mesmo sendo o único professor associado presente no encontro. Após o ocorrido, a UFRJ abriu uma investigação interna, que resultou em uma advertência contra os professores.
Confira, a seguir, os destaques da entrevista:
CartaCapital: O que é a perspectiva anarquista decolonial libertária?
Wallace de Moraes: A perspectiva decolonial e a perspectiva libertária já são debatidas há mais tempo, de forma separada, mas a decolonial libertária é uma tentativa de juntar duas de juntar duas perspectivas que podem se ajudar do ponto de vista epistemológico, do ponto de vista de uma nova teoria e, sobretudo, do ponto de vista da luta antirracista, antipatriarcal, anti-homofóbica e anticapitalista, ou classista, para usar um termo marxista.
A perspectiva decolonial entende que a relação entre raça e racismo molda todo o Ocidente, tudo aquilo que foi construído a partir da conquista do que se convencionou chamar de América, em 1492, quando os primeiros europeus chegaram aqui, dando início ao colonialismo. Ou seja, dando início à transformação dessa região em colônias de países europeus.
E é o colonialismo, segundo a perspectiva decolonial, que dá início à época moderna; época em que os europeus criam a categoria ‘índio’, a categoria ‘preto’ e a categoria ‘branco’. Até então não existia essa diferenciação. Existem diferentes povos na África, com culturas diferentes, línguas diferentes, tal como nas Américas existiam diferentes povos indígenas. Só no Brasil, para se ter ideia, falava-se mais de mil línguas diferentes.
CC: Essa relação moldou a sociedade?
WM: A perspectiva decolonial entende que o primeiro marcador que corta todas as sociedades nas Américas é a relação entre raça e racismo. E é por isso que até hoje, em todos os países das Américas, negros e indígenas estão em posições subordinadas. Em sua ampla maioria, essas pessoas ocupam os piores empregos, têm as piores moradias, os piores salários e são as que mais são assassinadas.
A perspectiva libertária, por sua vez, casa-se com o pensamento anarquista. De forma sucinta, os dois pilares centrais do pensamento anarquista são: 1) a mais ampla defesa da liberdade; 2) a liberdade só podendo ser concretizada por meio da igualdade. A partir disso, temos um terceiro pilar: a crença na capacidade de todos os povos se autogovernarem, sem hierarquização social.
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