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Bolsonaro viaja aos EUA em meio a pressão por busca de jornalista e servidor na Amazônia

O presidente Jair Bolsonaro desembarca em Los Angeles na manhã desta quinta (9/6), em um clima de crescente pressão diante do desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, na Amazônia.

Por: Mariana Sanches | Créditos da foto: Mariana Sanches/Bbc. Caminhão circulando em Los Angeles traz imagens de Dom Phillips e Bruno Pereira e pergunta: ‘Threatened, now missing. Where are Dom & Bruno?’ (‘Ameaçados, e agora desaparecidos. Onde estão Dom e Bruno?’

O presidente Jair Bolsonaro desembarca em Los Angeles na manhã desta quinta (9/6), em um clima de crescente pressão diante do desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, na Amazônia.

Na Califórnia para participar da Cúpula das Américas, Bolsonaro terá também seu primeiro encontro pessoal com o mandatário americano Joe Biden. A agenda, vista como positiva tanto para o governo quanto para a sua pré-campanha de reeleição ao Planalto, deve ser ao menos parcialmente mobilizada pelo sumiço de Phillips e Pereira.

Na metrópole californiana um caminhão de LED projeta pelas ruas do centro as fotos dos rostos de Phillips e Pereira e anuncia, em inglês, que “os esforços do governo do Brasil para encontrá-los são insuficientes” e que seu desaparecimento teria relação com a política ambiental adotada pela atual gestão.

O jornalista e o indigenista foram vistos pela última vez no Vale do Javari, um dos maiores territórios indígenas do Brasil, no último domingo (5/6), após terem sofrido ameaças de morte em campo. Eles trabalhavam documentando e denunciando a invasão e a exploração ilegal das terras indígenas por grileiros, garimpeiros, madeireiros e pescadores.

O desaparecimento dos dois chamou a atenção da comunidade internacional, que nos últimos anos adotou postura crítica em relação aos crescentes índices de desmatamento da Floresta Amazônica. Nesta quarta, cerca de 50 manifestantes, entre lideranças indígenas, ativistas e artistas, como a atriz de Hollywood Frances Fisher (de Titanic) se reuniram em frente à Prefeitura de Los Angeles com cartazes em inglês que chamavam Bolsonaro de “mentiroso” e recomendavam a Biden “não confiar” em Bolsonaro.

“O desaparecimento de Dom Phillips e seu colega é extremamente preocupante e eu não acho que teria acontecido se o governo Bolsonaro tivesse feito seu trabalho, em consonância com as leis ambientais ao longo destes anos. Existe uma cultura de impunidade no Brasil sob Bolsonaro que dá a grileiros, madeireiros e garimpeiros a sensação de que eles podem fazer o que quiserem, com quem quiserem e saírem impunes. A necessidade de encontrar esses homens é a primeira coisa que Biden deveria dizer a Bolsonaro, acima de qualquer questão de relação bilateral, porque não se pode normalizar uma coisa dessas”, afirmou Steven Donziger, advogado dos direitos humanos que atuou em casos históricos na Amazônia equatoriana e esteve no protesto em Los Angeles.

Força-tarefa democrata

Ao longo de seu mandato, Bolsonaro foi cobrado tanto em fóruns multilaterais como pela própria gestão Biden a coibir as práticas criminosas na Amazônia e a proteger o bioma.

O próprio Biden, quando ainda candidato, em 2020, chegou a dizer que daria dinheiro ao Brasil para que o país parasse de “queimar” as matas. Já no poder, Biden designou o ex-senador democrata John Kerry como seu Enviado Especial Climático. A equipe de Kerry e o então ministro do meio ambiente Ricardo Salles, no entanto, acumularam desgastes e tensões, que culminaram na interrupção temporária das negociações ambientais entre os dois países.

Os americanos chegaram ainda a municiar a Polícia Federal com informações sobre contrabando internacional de madeira que colocaram Salles como alvo de uma das investigações. Diante do impasse, o titular da pasta de Meio Ambiente acabou trocado e o relacionamento foi retomado.

Depois da COP-26, no fim do ano passado, o clima político mudou. O governo brasileiro se comprometeu com metas consideradas ambiciosas pelos americanos tanto para a redução de emissão de gases do efeito estufa, como o metano, como para eliminação do desmatamento ilegal. O próprio Kerry e a indicada para embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, elogiaram publicamente os compromissos brasileiros.

Manifestações críticas dos americanos sobre a questão ambiental se tornaram mais raras e escassas. E até mesmo a possibilidade de que a gestão Biden abrisse mais espaço de interlocução às lideranças indígenas amazônicas – algo aventado por Kerry – não se concretizou.

Agora, no entanto, o sumiço de Phillips e Pereira voltam a jogar luz sobre um tema espinhoso para Bolsonaro, às vésperas de sua agenda mais importante com o governo americano desde a saída do republicano Donald Trump da Casa Branca.

Montagem mostra fotografia colorida com Bruno Araujo e Dom Phillips
Bruno Arújo (à esq.) e Dom Phillips desapareceram no domingo (5/6)

Kerry, que foi informado sobre o assunto pela coordenadora da Articulação para os Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, em um evento em NY, se comprometeu a acompanhar o caso de perto. Já a equipe do senador Ed Markey, de Massachussets, se encontrou com Toya Manchineri, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, a COIAB, em Washington. Manchineri participou da manifestação em Los Angeles, na qual pediu que os americanos não celebrem nenhum acordo com o governo do Brasil.

Nesta quarta, Markey se posicionou via Twitter: “Estou preocupado com relatos de que Bolsonaro quer evitar discutir o desmatamento da Amazônia e os esforços para minar a integridade das próximas eleições do Brasil, na Cúpula das Américas, nesta semana. Os EUA devem pressioná-lo em ambas as questões”, disse o senador da base de Biden, citando ainda o pleito presidencial de outubro, tema que a diplomacia brasileira gostaria de evitar.

Nos últimos dias, congressistas da base de Biden na Câmara dos Representantes lançaram mensagens públicas exortando o governo brasileiro a intensificar suas buscas pelo jornalista e pelo indigenista e expressando preocupação com ambos e com a situação de conflagração na região.

A Comissão de Relações Exteriores da Câmara, por meio de seu presidente, o deputado Gregory Meeks, afirmou que “nos unimos ao povo brasileiro e à comunidade internacional no apelo por ações que os encontrem (Phillips e Pereira) o mais rapidamente possível”.

Já o deputado pelo Wisconsin Mark Pocan afirmou estar “profundamente preocupado pela segurança” dos desaparecidos. “As autoridades brasileiras devem intensificar a busca por eles e ajudar a trazê-los para casa”, disse Pocan.

Raul Grijalva, deputado pelo Arizona, postou em sua conta que o “governo brasileiro deve imediatamente buscá-los”.

E Jim McGovern, representante pelo Massachussets, afirmou: “Exorto o governo do Brasil a intensificar seus esforços para encontrar os respeitados jornalista Dom Phillips e o especialista indígena Bruno Araújo Pereira, desaparecido há vários dias. Por favor, vamos trazê-los para casa”.

Bolsonaro de perfil, com feição irritada
REUTERS. Na Cúpula das Américas, está previsto o primeiro encontro pessoal de Bolsonaro com o presidente americano, Joe Biden

‘Aventura’

A resposta do governo federal e do Exército brasileiro diante do sumiço gerou questionamentos na comunidade internacional e no Brasil. Segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), que primeiro deu o alerta para o desaparecimento, nas primeiras 24 horas após a denúncia, a mobilização para buscas foi insuficiente e não empregou, por exemplo, helicópteros, considerados fundamentais para varrer a enorme área e localizar pessoas nas matas.

O Comando Militar da Amazônia, que teria contingente e equipamentos para a procura, chegou a divulgar nota em que dizia aguardar por ordens superiores para iniciar operações de resgate. As forças policiais e militares têm repetido que todo o esforço possível tem sido feito.

Ao comentar o assunto, o presidente Bolsonaro disse em entrevista ao SBT que Phillips e Pereira se lançaram a uma “aventura não recomendável”.

Na diplomacia brasileira, há a expectativa de que fossem feitas poucas cobranças sobre o meio ambiente durante a conversa com Biden e a sua presença na Cúpula, além da discussão de medidas sobre o avanço das energias renováveis e combate das mudanças climáticas.

Mas se o presidente americano escutar parte da sua base, não deixará de falar sobre o desaparecimento de Phillips e Pereira, do desmatamento da Amazônia e das sucessivas declarações de descrédito de Bolsonaro sobre o processo eleitoral.

“Apelamos ao presidente Bolsonaro que aumente significativamente os esforços de busca e abstenha-se de minimizar esta grave situação”, disseram em comunicado conjunto os deputados Grijalva e Susan Wild, da Pensilvânia. No mesmo documento, os parlamentares ainda pedem que durante o encontro bilateral, Biden pressione Bolsonaro a interromper o desmatamento e o garimpo ilegal na Amazônia e a deixar claro que os EUA não tolerarão ataques à democracia brasileira.

“À medida que as eleições no Brasil se aproximam, o presidente Biden deve enviar uma forte mensagem de que os esforços para semear desconfiança no sistema eleitoral, intimidar eleitores ou endossar a violência são inaceitáveis”, escreveram os parlamentares em sua mensagem para Biden.

Diante de eleições parlamentares em cinco meses, Biden costuma ser bastante sensível à pressão política de seus correligionários. Nesta quarta, um dia antes do encontro com Bolsonaro, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, assegurou que não haverá tópicos proibidos na conversa entre os presidentes, em um recado para a base de Biden.

“Os presidentes vão discutir sobre eleições abertas, livres, transparentes e democráticas. E o clima será um tema importante da conversa, acreditamos que poderá ser uma área de progresso na relação entre Brasil e EUA, especialmente em ações tangíveis para proteger a Amazônia”, disse Sullivan.

Não há previsão de que os presidentes acertem acordos ou façam anúncios após a conversa.

As buscas por Phillips e Pereira seguem, segundo as autoridades, mas o paradeiro de ambos é ainda desconhecido.

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