A sedição corporativa é mais prejudicial para os EUA do que o ataque ao Capitólio
Kyrsten Sinema recebe milhões de empresas e se opõe a prioridades progressistas. Os republicanos que votaram para derrubar uma eleição ainda ganham muito dinheiro. De que lado estão os CEOs?
Por: Robert Reich | Créditos da foto: (Elizabeth Frantz/Reuters) | Tradução: César Locatelli
Capitalismo e democracia são compatíveis apenas se a democracia estiver no comando.
É por isso que me confortei logo após o ataque ao Capitólio, quando muitas grandes corporações prometeram solenemente que não financiariam mais as campanhas dos 147 legisladores que votaram para anular os resultados das eleições.
Pois bem, esses dias já se foram. Eles acabaram no momento em que o público parou de prestar atenção.
Um relatório publicado na semana passada pela Citizens for Responsibility and Ethics em Washington mostra que, no ano passado, 717 empresas e grupos do setor doaram mais de US$ 18 milhões para 143 desses legisladores insurgentes. As empresas que se comprometeram a interromper ou pausar suas doações doaram quase US$ 2,4 milhões diretamente para suas campanhas ou comitês de ação política (Pacs).
Mas há uma questão mais profunda aqui. Toda a questão de saber se as corporações financiam ou não a coalizão sediciosa é uma distração de um problema muito maior.
O tsunami de dinheiro que agora flui das corporações para o pântano da política norte-americana é maior do que nunca. E esse dinheiro – financiando quase todos os políticos e financiando ataques a seus oponentes – está minando a democracia norte-americana tanto quanto os 147 membros insurgentes do Congresso. Talvez mais.
A senadora democrata Kyrsten Sinema – cuja oposição obstinada a qualquer mudança nas regras de obstrução usada para impedir ou retardar as votações (filibuster) está à beira de condenar os direitos de voto – recebeu quase US$ 2 milhões em doações de campanha em 2021, embora ela não concorra à reeleição antes de 2024. A maior parte veio de doadores corporativos fora do Arizona, alguns dos quais têm um histórico de doar recursos majoritariamente para republicanos.
O dinheiro influenciou o Sinema? Você decide. Além de prejudicar os direitos de voto, ela votou contra o aumento do salário mínimo para US$ 15, se opôs a aumentos de impostos para empresas e ricos e bloqueou a reforma dos preços dos medicamentos – políticas apoiadas pela maioria dos senadores democratas, bem como pela maioria da população do Arizona.
Nas últimas quatro décadas, os gastos corporativos com os comitês de ação política (Pacs), nas eleições para o Congresso, mais do que quadruplicaram, mesmo considerando a inflação.
Os sindicatos não fornecem mais um contrapeso. Há quarenta anos, os Pacs sindicais contribuíam para as campanhas políticas tanto quanto os Pacs corporativos. Agora, as corporações estão gastando mais do que o triplo do que gastam as instituições representativas dos trabalhadores.
De acordo com um estudo histórico publicado em 2014 pelo professor de Princeton Martin Gilens e pelo professor da Northwestern Benjamin Page, as preferências do norte-americano típico não têm influência alguma sobre a legislação que emerge do Congresso.
Gilens e Page analisaram 1.799 questões políticas em detalhes, determinando a influência relativa das elites econômicas, dos grupos empresariais, dos grupos de interesse de massa e dos cidadãos comuns. E qual é foi a conclusão?
“As preferências do norte-americano médio parecem ter apenas um impacto minúsculo, próximo de zero, estatisticamente não significativo sobre as políticas públicas.”
Os legisladores ouvem principalmente as demandas políticas de grandes empresas e indivíduos ricos – aqueles com mais ousadia para fazer de lobby e bolsos mais recheados para financiar campanhas e promover seus pontos de vista.
Agora provavelmente está muito pior. Os dados de Gilens e Page vieram do período de 1981 a 2002: antes que a Suprema Corte abrisse as comportas para o dinheiro grosso no caso da Citizens United, antes da aprovação das grandes doações aos comitês de ação política (Super Pacs), antes do “dark money” [gastos políticos de organizações sem fins lucrativos que não precisam revelar seus financiadores] e antes do resgate de Wall Street.
O retorno dessa montanha de dinheiro para as empresas foi significativo. Nos últimos 40 anos, as taxas de impostos corporativos caíram fortemente. As proteções regulatórias para consumidores, trabalhadores e meio ambiente perderam poder. A regulação antitruste tornou-se tão ineficaz que muitas grandes corporações enfrentam pouca ou nenhuma concorrência.
As corporações lutaram contra redes de segurança social e investimentos públicos que são comuns em outras nações avançadas (mais recentemente, contra o projeto de investimentos de Biden, apelidado de Build Back Better). Eles atacaram as leis trabalhistas, reduzindo a parcela de trabalhadores do setor privado pertencentes a um sindicato de um terço há 40 anos para pouco mais de 6% agora.
Eles conquistaram para si centenas de bilhões em subsídios federais, resgates, garantias de empréstimos e contratos sem licitação. O bem-estar corporativo para as grandes empresas farmacêuticas, as grandes petrolíferas, as grandes empresas de tecnologia, as grandes empresas agrícolas, os maiores empreiteiros militares e os maiores bancos agora supera a quantidade de bem-estar para as pessoas.
Os lucros das grandes corporações acabaram de atingir o nível mais alto dos últimos 70 anos, mesmo durante uma pandemia. A proporção de remuneração de CEOs em grandes empresas para trabalhadores médios aumentou de 20 para 1 na década de 1960, para 320 para 1 agora.
Enquanto isso, a maioria dos norte-americanos não consegue sair do lugar. O salário do trabalhador típico é apenas um pouco mais alto hoje do que era há 40 anos, quando ajustado pela inflação.
Mas a maior vítima é a confiança pública na democracia.
Em 1964, apenas 29% dos eleitores acreditavam que o governo era “administrado por alguns grandes interesses que cuidavam de si mesmos”. Em 2013, 79% dos norte-americanos acreditavam nisso.
As doações corporativas a legisladores sediciosos não são nada comparadas a esse recorde de 40 anos de sedição corporativa.
Uma grande parte do público norte-americano tornou-se tão frustrada e cínica em relação à democracia que está disposta a acreditar em mentiras descaradas de um homem que autoproclama forte e disposta a apoiar um partido político que não acredita mais na democracia.
Como eu disse no início, o capitalismo só é compatível com a democracia se a democracia estiver no comando. Mas a ausência de democracia não fortalece o capitalismo. Alimenta o despotismo.
O despotismo é ruim para o capitalismo. Os déspotas não respeitam os direitos de propriedade. Eles não respeitam o estado de direito. Eles são arbitrários e imprevisíveis. Tudo isso prejudica os donos do capital. O despotismo também convida a cizânia e conflitos civis, que desestabilizam uma sociedade e uma economia.
Minha mensagem para todos os CEOs nos Estados Unidos: vocês precisam de democracia, mas vocês a estão minando ativamente.
É hora de vocês se juntarem ao movimento pró-democracia. Apoiem enfaticamente os direitos de voto. Façam lobby ativamente pelos projetos de lei para restaurar e fortalecer o direito de votar (Freedom to Vote Act e John Lewis Voting Rights Advancement Act).
Usem seu poder desequilibrado na democracia norte-americana para proteger a democracia norte-americana – e façam isso logo. Caso contrário, podemos perder o que resta da democracia.
Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/CEOs-voces-estao-do-lado-da-democracia-/6/52508
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