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‘Com a vitória de Lula, vislumbro tempestade’, diz estudioso de militares na política

Para o cientista político Rodrigo Lentz, o que se sucederá no Brasil não é exatamente um golpe, mas uma tentativa de enfraquecimento político da próxima gestão

Por: Getulio Xavier | Entrevista: Rodrigo Lentz | Foto: Ricardo Stuckert/PR. Em 2007, militares da Aman prestam continência a Lula.

O cientista político Rodrigo Lentz, que há anos pesquisa o pensamento político dos militares no Brasil, vislumbra um cenário de ‘turbulência e tempestade’ nas Forças Armadas com a provável vitória do ex-presidente Lula (PT) nas eleições de outubro de deste ano.

O que se sucederá no País não é exatamente um golpe militar, como nos moldes de 1964 com a deposição do presidente, mas sim uma ação de deslegitimação da próxima gestão com o intuito de enfraquecê-la politicamente já a partir de 2023. “Eu faria neste momento um paralelo histórico muito mais a 1961”, destaca o pesquisador a Carta Capital.

“Em uma eventual vitória de Lula e no fracasso dessa atual tentativa de desestabilizar o processo eleitoral, vai haver uma negociação envolvendo essa acomodação [para preservar os espaços conquistados por militares na atual gestão]”, avalia também em outro trecho.

Lentz lançou recentemente o livro, o República de Segurança Nacional, que descreve o retorno dos militares ao poder no Brasil. Ele detalha o processo de formação de um ideário militar que culmina na atual ofensiva contra as urnas eletrônicas.

Rodrigo Lentz é doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília, advogado e professor convidado da Unisinos

“Sempre que se tem um militar, ou uma instituição militar, envolvido no jogo político ele vai usar a ferramenta pela qual foi educado a usar, que é a coerção”, destaca. “O militar pega os mecanismos que usa para guerra para usar na disputa política.”

Na conversa, o professor também comenta a participação dos generais no golpe contra Dilma Rousseff, que levou dois membros das Forças Armadas — o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro e o general Hamilton Mourão — aos mais altos postos de poder no Brasil.

 

Confira os destaques a seguir.

 

Carta Capital: Logo no início do livro você afirma que ‘para interpretar o Brasil atual ou o futuro da nação’ seria necessário entender essa relação entre civis e militares na disputa pelo poder. Como que se dá essa relação? O que ela nos diz?

Rodrigo Lentz: Posso falar um pouco sobre uma das motivações do livro, que foi justamente contestar, vamos chamar aqui, uma interpretação, um mito construído em 1985, de que os militares teriam abandonado a política. Isso sustentaria a tese de que nós fomos todos surpreendidos por essa volta. Eu contesto essa ideia: a regularidade histórica da nossa República foi ter os militares na política.

Depois de 1985, os militares apenas mudaram sua posição de continuidade na política, adotando uma postura muito mais sorrateira, camuflada discreta. Eles vêm a público algumas vezes, tendo uma atuação crítica em momentos-chave durante todo esse período.

CC: Como se manteve esta ‘normalidade’ durante todos estes anos?

RL: E essa regularidade, essa normalidade dos militares na política, ela se sustenta a partir do que chamo de um binômio, tanto de conflito, como de cooperação, que tem como base as classes sociais, que se organizam em uma hierarquia, inclusive numa disciplina social É nessa base que os militares acabam fazendo parte do jogo político, ora conflitando com as elites, ora ponderando.

Neutralizar o que a gente chama de Partido Militar é a grande tarefa

CC: No livro, você também analisa o pensamento ideológico dos militares brasileiros. Há quem diga que falta coesão, que há uma multiplicidade de pensamentos na caserna. Como o senhor vê essa questão?

RL: Eu lembro que, no início do governo Bolsonaro, alguns setores da imprensa faziam uma divisão entre uma ala técnica, uma ala militar e uma ala ideológica na composição do governo. Como se essa ala militar fosse distinta da ala ideológica, algo que o tempo e o governo foram dando conta de fazer cair por terra.

Na prática, o que hoje fica mais claro é uma simbiose entre as declarações mais ideológicas – vamos chamar aqui de conflitivas ou desarmônicas em relação aos outros poderes, em especial as proferidas por Bolsonaro – com o que pensam os militares, sobretudo os coronéis e generais.

A melhor forma de resumir do que se trata essa ideologia militar é olhar para o processo histórico. Esse processo vai começar em 1930 e envolve uma série de reformas profissionais que versavam sobre a regulação da atividade política do Exército e das Forças Armadas.

É bem simbólico o caso do general Góes Monteiro, uma das lideranças militares fundamentais a partir de 1930, do que eu chamo de a Primeira Geração de Segurança Nacional. Ele diz o seguinte: ‘não vai mais existir política no Exército, vai existir a política do Exército’. Essa é uma frase famosa e muito conhecida entre quem estuda os militares na política.

Essa frase marcou uma mudança muito importante e que demorou décadas, ou melhor, três gerações de Segurança Nacional, para ocorrer de forma sólida. Resumidamente, o que detalho no livro é o caminho que vai da Primeira Geração, iniciada em 1930; passa pela Segunda Geração, que acontece depois da Segunda Guerra Mundial até 1964; finalizando então com a Terceira Geração, que é o governo dos militares, até 1985.

Nesse período foi possível produzir expurgos de militares que eram anticomunistas, mas mais próximos do trabalhismo, de uma visão mais nacionalista nessa política do exército. Todo esse processo histórico produziu uma coesão em torno de uma doutrina de ação política oficial das Forças Armadas.

 

Saiba mais em: https://www.cartacapital.com.br/entrevistas/com-a-vitoria-de-lula-vislumbro-tempestade-diz-estudioso-de-militares-na-politica/

 

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