Estudo analisa centenas de doenças infecciosas e descobre que quase 60% delas podem ser agravadas por secas, tempestades e ondas de calor. Cientistas identificaram mais de mil ligações entre mudança climática e surtos.
Por: Tim Schauenberg |Créditos da foto: Thomas Peter/REUTERS
As mudanças climáticas provocadas pelo homem favorecem claramente a propagação e o surto de doenças infecciosas. É o que aponta um estudo da Universidade do Havaí publicado na segunda-feira (08/08) na revista científica Nature Climate Change.
“Foi realmente assustador ver que as emissões de gases de efeito estufa são uma ameaça muito grande à saúde”, afirma Camilo Mora, professor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Havaí e principal autor do estudo.
Ao avaliar mais de 800 artigos científicos, os pesquisadores descobriram que 58% das doenças infecciosas analisadas foram agravadas pelas mudanças climáticas. E uma conexão pôde ser comprovada em mais de 3 mil casos individuais.
Segundo o estudo, das 375 doenças analisadas, 160 podem ser agravadas pelo calor, 121 pelas inundações, 71 pelas tempestades, 81 pela seca e 43 pelo aquecimento dos oceanos.
“Dadas as extensas e generalizadas consequências da pandemia de covid-19, foi verdadeiramente assustador descobrir a enorme vulnerabilidade sanitária resultante das emissões de gases de efeito estufa”, acrescenta Mora.
Secas, tempestades e ondas de calor
As ligações entre mudanças climáticas e doenças podem ser variadas: a escassez de água e alimentos causada pelas secas pode, por exemplo, levar animais selvagens a se aproximarem de áreas residenciais, aumentando o risco de indivíduos contraírem uma doença transmitida por animais ou parasitas.
As secas também podem acabar forçando pessoas a consumirem água contaminada, o que pode causar doenças como diarreia ou cólera.
Por sua vez, tempestades, chuvas fortes e inundações podem danificar estradas, linhas de energia e sistemas de esgoto, além de interromper o fornecimento de água potável. Tais eventos já levaram a surtos de hepatite A e E, rotavírus e febre tifoide.
Outro ponto é que o sistema imunológico poderá estar enfraquecido, por exemplo, devido à desnutrição causada pela seca ou por ondas de calor, deixando-o mais suscetível a doenças. O estresse devido a outros extremos climáticos também pode enfraquecer o sistema imunológico tanto de humanos quanto de animais.
Os pesquisadores descobriram, por exemplo, que o calor e a falta de alimentos em morcegos levaram ao aumento da disseminação de vírus e promoveram surtos do vírus Hendra – que pode causar encefalite grave em humanos.
No total, os cientistas identificaram mais de mil maneiras diferentes pelas quais as mudanças climáticas poderiam promover surtos de doenças.
Mosquitos adaptados à Europa
Temperaturas mais altas podem não apenas promover a propagação de patógenos e aumentar o risco de infecção, mas também favorecer a disseminação de portadores, os chamados vetores. Estes podem ser mosquitos ou carrapatos, por exemplo, que se reproduzem facilmente em áreas mais quentes. Devido ao aumento das temperaturas, eles agora podem viver em regiões onde antes não eram nativos.
O estudo encontrou mais de cem doenças transmitidas por vetores que estão se intensificando com as mudanças climáticas.
“Já observamos na Alemanha e na Europa a influência dos eventos relacionados às mudanças climáticas sobre os patógenos”, afirma Renke Lühken, do Instituto Bernhard Nocht de Medicina Tropical (BNITM), em Hamburgo, em entrevista à DW. O virologista é especialista em doenças transmitidas por insetos e não esteve envolvido no estudo.
De acordo com Lühken, especialistas estão particularmente preocupados com a disseminação do mosquito-tigre-asiático (Aedes albopictus). Atualmente, ele está se estabelecendo em grande parte da Europa e “é particularmente responsável por surtos do vírus chikungunya e da dengue na região do Mediterrâneo”, acrescenta o virologista.
“Ele é muito agressivo e assertivo: é capaz de transmitir mais de 20 vírus diferentes em humanos e deslocar espécies nativas de mosquitos. Ele também é muito adaptável na hora de escolher locais de reprodução adequados”, explica Artur Jöst, biólogo e especialista em mosquitos no Instituto de Dipterologia, em Speyer, na Alemanha.
Abordagem agressiva é necessária
O vírus zika e a dengue causam febre alta, erupções cutâneas e fortes dores de cabeça, nos ossos e no corpo. Em um estudo de 2020, pesquisadores da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, alertaram que, até 2050, mais de 1,3 bilhão de pessoas viverão em áreas onde o zika pode se espalhar. Mais de 700 milhões viverão com temperaturas que tornam a transmissão possível durante o ano inteiro.
“Isso é preocupante, porque só existem vacinas aprovadas para alguns desses patógenos”, diz Lühken, do BNITM.
Vetores transmitem 17% de todas as doenças infecciosas. Quase 700 milhões de pessoas contraem doenças transmitidas por mosquitos todos os anos, e mais de 1 milhão morrem.
De acordo com os autores do artigo na Nature Climate Change, é difícil ou mesmo impossível prevenir – ou se adaptar – ao aumento da propagação de doenças devido às mudanças climáticas, já que os patógenos e as vias de transmissão são numerosos.
Para os especialistas, portanto, o que se faz necessário é uma “abordagem agressiva” a fim de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
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