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COP 27: cerrado desmatado pode reduzir águas nos rios em 1/3 e afetar geração de energia, indica estudo

Os rios do Cerrado, responsáveis por boa parte do abastecimento hídrico e da geração de energia elétrica do Brasil, perderam 15,4% de sua vazão de água por causa do desmatamento e das mudanças climáticas entre 1985 e 2022.

Por: Leandro Machado | Créditos da foto: ANDRE DIB/ISPN. Rios do Cerrado perderam 15,4% de sua vazão de água entre 1985 e 2018, aponta estudo

E a perspectiva de futuro não é nada animadora: um terço do volume de águas (34%) tende a ser perdido até 2050 caso a destruição do bioma continue no ritmo atual.

Essas são algumas das conclusões de um estudo inédito sobre a redução das vazões dos rios do Cerrado, realizado pelo geógrafo Yuri Salmona, doutor em ciências florestais pela Universidade de Brasília (UnB).

A pesquisa será apresentada nesta quinta-feira (10/11) na Conferência das Nações Unidas para o Clima, a COP 27, no Egito.

Oito das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras — como as dos rios São Francisco e Paraná — nascem no território do Cerrado, conhecido como “berço das águas” e segundo maior bioma do país, só atrás da Amazônia.

A pesquisa, que foi apoiada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), analisou o comportamento de 81 bacias hidrográficas. No total, 88% delas já apresentam diminuição da vazão de água causada por alterações do uso do solo e, em menor escala, pelas mudanças climáticas.

O geógrafo mediu a recente perda e a tendência para o futuro por meio de modelos matemáticos, compilando dados históricos sobre vazão de água, alterações no uso do solo, chuvas e evapotranspiração (ciclo de retorno da água à atmosfera).

Segundo ele, 56,7% da queda da vazão se deve a mudanças do uso do solo no entorno dos rios, especialmente para expansão do agronegócio — outros 43,3% foram causados pelas mudanças climáticas no planeta.

Área de plantação de soja
CRÉDITO,THOMAS BAUER/DIVULGAÇÃO. Legenda da foto: Cerca de 45% da área desmatada do Cerrado deu lugar à agropecuária, como plantação de soja

Em grande parte, a vegetação do Cerrado vem sendo destruída para implantação de pastos ou de grandes áreas de cultivo de commodities, como a soja. Estima-se que 47% da área original do bioma já foi totalmente desmatada.

“De 1985 para cá, nós perdemos 19,7 mil metros cúbicos de água por segundo nas bacias analisadas, o equivalente à vazão do rio Paraná. É como se tivéssemos jogado fora o rio Paraná inteiro nesse período”, explica Salmona.

Para projetar a queda da vazão nos próximos 28 anos, o pesquisador considerou os índices de desmatamento atuais e a tendência para o futuro.

Ele levou em conta uma possível queda dessa taxa — hoje entre 5 mil e 8 mil km² por ano — porque se o desmatamento continuar no ritmo atual, logo não haverá mais Cerrado para desmatar. “É como um homem calvo: ele já perdeu todos os fios de cabelo com potencial para cair. Os restante não vai cair porque é o resto mesmo”, explica.

Segundo Salmona, perder um terço dessas bacias significa diminuir a oferta de água que vai chegar nas torneiras da população, pois os rios que nascem no Cerrado abastecem dezenas de milhões de pessoas no país.

Outra consequência é a geração de energia elétrica.

“Menos água significa que vamos gerar menos energia elétrica nas usinas. Conservar o Cerrado é uma questão estratégica e de soberania nacional”, diz o geógrafo, cujo estudo foi apresentado no programa de doutorado da UnB, na semana passada.

O rio Arrojado, na Bahi
CRÉDITO,ISPN. Legenda da foto: O rio Arrojado, na Bahia, foi um dos que mais foram afetados pelo desmatamento do Cerrado

Das bacias analisadas, Salmona destaca três rios cujo volume de água está caindo com o avanço do agronegócio em seu entorno: o rio da Corda, no Maranhão, e os rios Arrojado e Ondas, ambos na Bahia.

No primeiro, o volume diminuiu 25% de 1985 a 2022 — ou seja 391,5 metros cúbicos por segundo.

De acordo com o geógrafo, 74% desse valor teve como causa a substituição da vegetação original do entorno para dar lugar a pastagens, produção de commodities e áreas urbanas. Para os próximos 28 anos, as projeções indicam uma perda 56% do tamanho atual do rio da Corda.

No oeste baiano, a situação é parecida.

Os rios de Ondas e Arrojado registraram diminuição do volume de água em 25% e 18,2%, respectivamente. E a tendência é que o primeiro vá perder 56% da água até 2050; e o segundo, 36,2%.

“As comunidades que vivem nessas áreas já estão sentindo os efeitos em seu modo de vida com a diminuição da água, algumas só conseguem ficar em períodos de cheia. Já existe o que chamamos de ‘guerra da água’, com grupos econômicos controlando o acesso à água enquanto a população sofre com a escassez”, explica Salmosa.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, o biólogo Reuber Brandão, professor de manejo de fauna e de áreas silvestres da UnB, afirmou que nascentes de alguns rios no oeste da Bahia, como o Formoso e o Arrojado, recuaram vários quilômetros em virtude do avanço do agronegócio.

“Conheço veredas cujas nascentes recuaram mais de 10 quilômetros em relação à original. Essas áreas, que tinham a presença de corpos aquáticos na paisagem, passaram a ser muito mais secas”, disse.

“Isso tem um impacto muito grande sobre fauna e flora, porque as plantas que precisam ter contato com a água do solo sofrem um estresse hídrico e começam a morrer. Já a fauna foge para procurar água”, completou.

Irrigação de soja

Além do desmatamento, boa parte da água do Cerrado é utilizada para irrigação de produtos agrícolas, principalmente a soja. Essa água é retirada do solo com autorização do Estado, por meio de outorgas previstas na lei.

Ela é utilizada nos chamados pivôs centrais, círculos de irrigação com uma lança de 150 metros.

Pivô central em fazenda
CRÉDITO,EMBRAPA. Legenda da foto: Pivô central utilizado para irrigar lavoura

Uma reportagem da Agência Pública de 2021 apontou que, apenas no oeste baiano, o agronegócio capta 1,8 bilhão de litros de água por dia de maneira gratuita para irrigação, com autorização do governo do Estado.

Esse volume seria o suficiente para abastecer cerca de 11,8 milhões de brasileiros. Parte dessa água é retirada por meio de barramentos em riachos e veredas, além da captação direta de rios e de poços.

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