Moradores relatam avanço de plantações sobre território das comunidades, incluindo áreas já demarcadas. Empresas produtoras alegam que geram empregos e atuam para mediar disputas.
Por: Taymã Carneiro |Créditos da foto: Foto: Arte/g1. Plantações de palma no Pará geram conflitos por terra, no que passou a ser chamado de ‘guerra do dendê’
No interior do Pará, as plantações de palma, matéria-prima para a produção do óleo de dendê, são palco de embates constantes entre empresas produtoras e comunidades indígenas e quilombolas, que envolvem acusações de grilagem, ameaças a lideranças locais e até cartório-fantasma. O conflito passou a ser conhecido como “guerra do dendê”.
Em um cenário de fiscalização frouxa e cobertura policial frágil, moradores relatam que as fazendas avançam sobre territórios na Amazônia já demarcado, que, em tese, deveriam ser protegidos. O mesmo acontece em outras áreas ainda em fase de reconhecimento, em processos que se arrastam há anos.
Em um cenário de fiscalização frouxa e cobertura policial frágil, moradores relatam que as fazendas avançam sobre territórios na Amazônia já demarcado, que, em tese, deveriam ser protegidos. O mesmo acontece em outras áreas ainda em fase de reconhecimento, em processos que se arrastam há anos.
Nos últimos meses, os episódios de tensão se intensificaram ainda mais: indígenas incendiaram ônibus e valas foram cavadas por empresas para impedir o acesso às comunidades. Tentativas de conciliação não têm dado certo. O Ministério Público Federal (MPF) defende a federalização do caso.
Embora o dendê seja comumente associado à Bahia, o Pará é responsável por 88% da produção de óleo de palma do Brasil, segundo a Associação Brasileira de Produtos de Óleo de Palma (Abrapalma).
Item valioso, o óleo tem uma série de aplicações em diferentes indústrias, como a alimentícia (nos segmentos de panificação, confeitaria, produtos lácteos e sorvetes, além de frituras), a química e na de cosméticos e biocombustíveis.
O negócio movimenta cifras elevadas. Em 2020, o Pará produziu 2,8 milhões de toneladas, segundo dados do governo estadual. Hoje, a tonelada é comercializada por cerca de US$ 1,7 mil, o que dá, na cotação atual do dólar, em torno de R$ 10 mil. Usando como base a produção daquele ano, seriam R$ 28 bilhões.
E a produção tem tomado porções da Floresta Amazônica, causando impacto ambiental e a expulsão da população local desde a sua implantação, na década de 1980.
Para pesquisadores e autoridades, a presença de “milícias rurais” mantidas pelas empresas acirra os conflitos, colocando em risco direitos territoriais de comunidades tradicionais, que, em geral, vivem da agricultura de subsistência e da venda de produtos, como farinha. Uma parte dos jovens trabalha nas plantações de dendê.
As companhias alegam que atuam para mediar conflitos com as comunidades e que geram empregos no cultivo do dendê, promovendo a agricultura familiar e a preservação de áreas verdes.
Procurado pelo g1, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que responde pela titulação fundiária no país, informou que, nas próximas semanas, dará início a um levantamento para embasar estudo técnico a fim de regularizar os territórios quilombolas da região.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão do governo federal responsável por garantir a proteção dos direitos dos povos indígenas, e o Instituto de Terras do Pará (Iterpa), órgão do governo estadual que cuida da regularização de terras, também foram procurados pela reportagem, mas não se pronunciaram.
1. Principais áreas de conflito
A produção de palma está presente em 29 dos 144 municípios paraenses – cerca de um quinto do estado, que é líder brasileiro em conflitos no campo. As cidades com mais áreas ocupadas pelas plantações são Tomé-Açu, Tailândia, Moju e Acará– justamente onde também estão os principais focos de tensão.
As comunidades vivem às margens do rio Acará, que corta toda a região e de onde tiram água para sustento, pesca e locomoção.
Os indígenas afetados, da etnia Tembé, vivem na Terra Indígena Turé-Mariquita, em Tomé-Açu. Com 147 hectares, foi homologada em 1991. Já as comunidades quilombolas estão em três territórios: Amarqualta, Nova Betel e Balsa/Turiaçu/Gonçalves/Vila Palmares, sendo que esta última teve documento com pedido de reconhecimento perdido nos arquivos do Iterpa e aguarda regularização.
Duas principais companhias atuam na região há décadas: a Agropalma e a Brasil BioFuels (BBF) – antiga Biopalma. A área somada das fazendas produtoras é de cerca de 535 mil hectares, que equivalem a aproximadamente 535 mil campos de futebol. Desse total, metade é destinada aos dendezais. O restante abriga moradias, criação de gado e plantações para sustento.
Somado aos milhares de hectares gerenciados pelas empresas, que instalaram núcleos industriais perto de territórios tradicionalmente ocupados pela população local, o negócio do dendê ainda recruta pequenos produtores para o cultivo em suas propriedades.
Além da proximidade com as comunidades, há áreas em que as fazendas se sobrepõem a territórios reivindicados pelos moradores. No Vale do Acará, quatro cemitérios antigos de origem quilombola e indígena estão dentro de propriedades da Agropalma. Os moradores vão até esses locais, que vivem sob vigilância permanente de seguranças, em especial para as celebrações de finados. A movimentação, invariavelmente, gera conflitos.
Na avaliação do Ministério Público Federal, as plantações “estrangulam” essas comunidades. Entre a BBF e a Terra Indígena Turé-Mariquita, por exemplo, o órgão ressalta que “não há zona de amortecimento de ao menos dez quilômetros de distância”, conforme prevê a legislação que trata de unidades de conservação.
O advogado Jorde Tembé defende que a prioridade da luta indígena seja o respeito à zona de amortecimento. “Você vê a menos de cem metros das aldeias a plantação de dendê e, até mesmo, dentro das comunidades”, conta.
“As comunidades acabam aceitando várias situações para manter uma boa vizinhança. Mas, com a chegada da BBF, os funcionários se mostraram plenamente combativos e intransigentes. Por conta disso, as comunidades se revoltaram porque não aceitam”, afirma.
Comente aqui