Após ser considerado por muitos anos como um aliado próximo dos EUA na América Central, e com uma ditadura corrupta por mais de uma década, Honduras tem agora um novo governo de esquerda. A Jacobin falou com o vice-ministro de Relações Exteriores, Gerardo Torres, acerca das transformações políticas que o país precisa com urgência.
Por: Hilary Goodfriend | Entrevista com: Gerardo Torres | Tradução: Sebastián Granda Henao |Créditos da foto: Orlando Sierra / AFP via Getty Images. O presidenta hondurenho Xiomara Castro discursa em Tegucigalpa em 25 de fevereiro de 2022.
Em janeiro, Honduras retomou sua democracia eleitoral após 12 anos de ditadura. Xiomara Castro, esposa do ex-presidente Manuel Zelaya, deposto em 2009 por um golpe militar, se converteu na primeira presidenta do país. Como candidata do partido Liberdade e Refundação (LIBRE), sua eleição também rompeu com um sistema bipartidista centenário; o qual mantinha o poder sequestrado entre as elites dos partidos Nacional e Liberal. O governo de Xiomara tem a enorme tarefa de desmantelar as estruturas de um narco-Estado, construído pelo regime golpista, enquanto deve avançar na refundação popular do Estado hondurenho – uma promessa do partido.
Aos 37 anos, o vice-Ministro de Relações Exteriores, Gerardo Torres, é um dos membros mais jovens do gabinete de Xiomara. Jornalista de profissão, Torres detém uma longa trajetória de militância e organização na esquerda. Foi um dos fundadores da organização de cunho marxista “Los Necios”, lutou contra a ofensiva neoliberal dos anos 2000 no movimento que depois faria parte da frente de resistência popular contra o golpe de Estado. Além do seu trabalho como funcionário público, Torres também é o secretário de relações internacionais do partido LIBRE.
Nesta entrevista à Jacobin, ele conversou com a editora Hilary Goodfriend sobre a longa luta do povo hondurenho pela sua autodeterminação, os desafios da transição da oposição ao governo e os ideais do governo solidário de Xiomara.
HG
A eleição da presidenta Xiomara Castro tem sido vista como uma restauração, no sentido de desfazer o golpe de 2009 e restabelecer as condições mínimas da democracia eleitoral. Mas também representa uma ruptura, no sentido de romper com o bipartidarismo histórico e propor uma “refundação” nacional. O que significa essa refundação para este governo?
GT
Honduras teve uma história política tumultuada, relacionada a interesses comerciais internacionais e a uma região que esteve em guerra por algum tempo. Com a ruptura com o governo militar em 1980, o país teve uma oportunidade na Constituição de 1981. É aí que iniciou a aspiração à democracia e ao desenvolvimento econômico.
Honduras foi tutelada e acompanhada ao longo dos anos 60, 70 e 80 para ser o país mais estável da América Central e, em consequência, tem sido um país com baixa agitação social, ou com uma agitação social que não foi muito bem registrada. Com exceção da greve de 1954 e de alguns movimentos camponeses e levantes político-militares, Honduras parecia ser um país onde nada demais acontece
Nos anos 80 foi mais do mesmo. Tínhamos o Comitê de Familiares de Detidos e Desaparecidos, mas como eram muito menos do que os da Guatemala ou de outros países, era pouco conhecido ou até desconsiderado. Nos anos 1990, venderam-nos a ideia de que por sermos o país mais bem-comportado, o mais amigo dos Estados Unidos, o mais amigável àquela lógica neoliberal que avançava mundialmente, seríamos o mais desenvolvido economicamente.
O furacão Mitch foi para nós o que a pandemia foi para o mundo. O furacão revirou tudo, mostrando-nos que desmantelar o governo, desmantelar o Estado, desmantelar a assistência pública não era uma boa ideia. Porque no final das contas, o setor privado está interessado em gerar riqueza, mas não necessariamente assumirá a tarefa de cuidar dos mais vulneráveis. A essa altura, já tínhamos os primeiros surtos das gangues, estávamos nos tornando um país cada vez mais empobrecido, e o furacão revelou que o Estado hondurenho tinha pouca ou nenhuma capacidade de reação para encarar esse problema.
Esse foi o momento da minha geração. Eu tinha 15 anos em 1999 e nesse ponto começamos a apontar o fracasso do Estado, que basicamente tinha nos abandonado.
Bill Clinton e o primeiro-ministro do Japão apareceram aqui tentando segurar um país que estava caindo aos pedaços. Eles nos deram, por exemplo, o Status de Proteção Temporária [Temporary Protected Status (TPS), um estatuto que facilita a imigração para os Estados Unidos] por causa do furacão. Mas foi aí que a semente anti-neoliberal foi plantada. Antes, podíamos ser chamados de socialistas ou anti-imperialistas. Há um sentimento anti-privatização em Honduras: não podemos entregar o Estado ao setor privado. Nas ruas em 2000, quando éramos líderes estudantis, a gente dizia: “Vocês não podem privatizar pelo que o povo pagou”. Esse era o nosso principal grito de guerra.
Estamos falando de quando a América Latina promovia a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), o Plano Puebla-Panamá e o CAFTA [Acordo de Livre Comércio da América Central]. Em novembro de 1999, fundamos a organização política “Los Necios”, uma organização marxista que chamamos de “Los Necios” por causa de uma música de Silvio Rodríguez que diz que mesmo quando pareça que não faz sentido lutar, iremos lutar.
No dia 1º de maio de 2000, junto com os sindicatos e os movimentos camponeses e indígenas, fundamos o Bloco Popular em Tegucigalpa. O Bloco Popular era uma organização guarda-chuva anti-neoliberal e anti-privatização. Em 26 de agosto de 2003, o presidente Ricardo Maduro assinou o acordo para privatizar a água. Tinha havido revoltas na Bolívia e a gente se mobilizou em Tegucigalpa pela primeira vez em quase 30 anos. A gente tomou a capital. Ocupamos o Congresso e não permitimos que realizassem a sessão. Naquele dia, nasceu o Comitê de Coordenação Nacional da Resistência Popular.
Mais tarde, Zelaya assumiu o poder. Confrontamos Zelaya, porque ele era do partido Liberal, um partido neoliberal, mas depois começamos a acompanhá-lo. Em 2008, ele abandonou essa lógica neoliberal e passou a acompanhar o processo de recuperação das empresas públicas. Como essa era a nossa exigência — nada de privatizações, nada de livre comércio e etc. — vimos uma oportunidade importante e um aliado em Zelaya, que coincidia cada vez mais conosco. Quando o golpe aconteceu em 2009, foi formada a Frente Nacional Contra o Golpe de Estado. Mas uma semana depois, quando Zelaya não conseguiu desembarcar em Honduras em 5 de julho, foi criada a Frente Nacional de Resistência Popular. Antes, chamava-se Comitê Coordenador; mudamos uma letra e seguimos com nossa organização.
Tanto Zelaya quanto os liberais e nós do movimento social tínhamos uma coisa clara: a Constituição de 1981 era uma farsa. A lógica de que se os ricos ficassem mais ricos, todos nós deixaríamos de ser pobres não se sustentava. Foi uma mentira, os banqueiros ficaram absurdamente ricos, o setor financeiro cresceu desproporcionalmente e os setores produtivos foram desmantelados. Não fazia sentido trabalhar no cultivo de milho se o milho vinha dos Estados Unidos. Não fazia sentido cultivar feijão se o feijão vem de outro lugar. Começamos a sofrer de fome, com a pobreza e com o desmantelamento de nossas capacidades produtivas.
Quando Zelaya quis parar aquele trem que avançava, o trem das privatizações e do neoliberalismo, o povo o acompanhou. Mas a velocidade em que esse trem ia foi o que gerou o golpe de estado.
“Quando eles me falam: ‘Cuidado com a esquerda, porque os socialistas empobrecem as pessoas’, eu respondo: ‘Irmão, e o que é que os capitalistas fazem?’ Quando era criança, tinha 34% de pobreza e agora tem 75%.”
O grande fiador armado desse processo econômico foram os Estados Unidos. Mas seria mentira dizer que eram apenas os Estados Unidos promovendo o neoliberalismo. Não, aqui tem grandes corporações do Canadá, da Itália, da França, de todos os lugares, que tiraram vantagem desse modelo. O controle político e militar dos Estados Unidos foi implantado a serviço dessas empresas, e assim as forças militares hondurenhas seguiram o exemplo e deram um golpe de Estado.
Consultamos o povo e chegamos à necessidade de uma nova Constituição. Emendar a Constituição de 1981 é absurdo, não faz sentido. Ela tem uma filosofia diferente: o Estado, seus valores, as instituições servem apenas para proteger o setor privado, não atendem à população, não atendem aos hondurenhos mais pobres. Nós, hondurenhos, somos expulsos do país, e depois nossas remessas sustentam o país que nos expulsou. O exílio de milhares de conterrâneos é fruto do fracasso desse modelo que não nos atendeu.
Quando eles me falam: “Cuidado com a esquerda, porque os socialistas empobrecem as pessoas”, eu respondo: “Irmão, e o que é que os capitalistas fazem?”. Porque este país, quando eu era criança, tinha 34% de pobreza e agora tem 75% de pobreza. O modelo não funciona.
É por isso que falamos em refundação. Como cidadãos, conseguimos acabar com os governos militares. Como o fizemos? Com uma Constituição, porque eles não podiam reivindicar um Estado capitalista moderno, democrático, com uma Constituição militar. Passamos praticamente 80% do século passado sob governos militares. Tínhamos que fazer uma nova Constituição.
Essa Constituição neoliberal, a Constituição dos banqueiros, das privatizações, a Constituição onde o Estado não intervém, onde os bens são para quem pode pagar e não são direitos – essa Constituição já não é suficiente. Então falamos sobre a refundação de um Estado de bem-estar, não de um Estado comercial. Um Estado com direitos, não apenas de mercadorias. Um Estado onde a livre concorrência e a empresa se desenvolvam sem atropelar os direitos básicos da população, dos territórios e da soberania nacional.
Obviamente, como diz o nosso coordenador-geral do LIBRE e ex-presidente Zelaya, o tema é tão polarizado que ainda não podemos falar de uma Assembleia Constituinte, a não ser que seja para falar de um processo informativo, uma discussão para entender que não queremos uma nova Constituição ou um novo Estado para manter-nos no poder, mas porque o Estado que temos possui um marco normativo geral que não serve à gente.
A atual presidenta tem se referido a duas ações simultâneas: desmantelar o que a ditadura de 12 anos nos deixou, o narco-regime que tínhamos, e construir as bases para um governo da solidariedade. O momento para isso é agora, mas para avançarmos, vamos precisar de mudanças estruturais para viabilizar esse novo marco, que significa refundar o Estado.
HG
Um dos aparentes estopins do golpe contra Zelaya foi sua relação com o bloco anti-neoliberal do Sul, inclusive aderindo à Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA). Que tipo de relações este governo pretende estabelecer com o novo bloco progressista na América Latina?
GT
Quando Lula da Silva no Brasil, Hugo Chávez na Venezuela e Néstor Kirchner na Argentina interromperam o projeto da ALCA de Bush na Cúpula de Mar del Plata em 2003, eles propuseram um projeto alternativo: ALBA. O problema da ALBA — com todo o respeito a essa geração, que admiro muito — era que era muito dependente politicamente. Quando os governos começaram a cair, a ALBA foi desmantelada. São coisas que aprendemos. Mesmo não concordando com os governos de direita na América Latina, acho importante pensar em projetos de integração econômica que incluam todos nós.
Não faz sentido continuar pensando que posso ter uma relação bilateral com os Estados Unidos, mas não posso ter uma relação bilateral com a Guatemala. Por isso, acreditamos muito em mudar a filosofia da Organização dos Estados Americanos (OEA), acreditamos no fortalecimento da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), e estamos trabalhando arduamente para fortalecer o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA).
Atualmente, sou presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico e Cooperação da Associação dos Estados do Caribe. Em Honduras, só ouvimos falar do Caribe quando temos eliminatórias para a Copa do Mundo. Temos relações com Cuba e a República Dominicana, mas as possibilidades que existem entre a América Central e o Caribe são gigantescas.
Acreditamos na integração latino-americana e caribenha e queremos convidar os Estados Unidos a aderir também, mas com uma filosofia diferente. Infelizmente, após o golpe de Estado em Honduras, oito anos de regime foram durante um governo democrata, que foi [Barack] Obama, e quatro foram durante um governo republicano com [Donald] Trump. Agora, com [Joe] Biden e Kamala Harris, encontramos um aliado, um parceiro que vê a questão da migração como uma questão de geração de oportunidades, não uma questão de coerção e violência. Esse é um ponto de convergência, embora haja outras coisas com as quais não concordamos.
“Essa Constituição neoliberal, dos banqueiros, das privatizações, a Constituição onde o Estado não intervém, onde os bens são para quem pode pagar e não são direitos – essa Constituição já não é suficiente.”
Entendemos que os problemas da região estão relacionados com permitir o desenvolvimento econômico, não a militarização e o uso da violência. Essas coisas, por exemplo, permitem que minha presidenta Xiomara Castro tenha uma boa relação com a vice-presidenta Kamala Harris. Elas concordam neste assunto essencial: se não permitirmos um desenvolvimento econômico abrangente na América Latina, os problemas que acabam impactando os Estados Unidos não serão reduzidos.
Em Honduras, dois milhões de crianças não receberam educação de qualidade ou não receberam nenhuma educação porque não tem internet. Não existe escola virtual, porque neste país nunca ninguém pensou que a internet era um bem que pertencia a todos. A pandemia revelou que neste país, apenas Tegucigalpa, San Pedro Sula, La Ceiba e duas outras cidades têm mais de 60% das pessoas com acesso à internet. No resto de Honduras não tem internet.
A educação pública acabou sendo uma mentira. Quem de nós poderia manter nossos filhos na escola? Só aqueles que pagam uma escola particular. Isso é essencialmente injusto.
A grande poetisa hondurenha Clementina Suárez diz: “Não quero nada para mim que os pobres não tenham.” É tão difícil colocar pessoas em cargos públicos que pensem assim?
HG
Uma das lutas mais proeminentes nos últimos anos tem sido a questão da justiça e da impunidade. Seu governo autorizou a extradição do ex-presidente Juan Orlando Hernández para os Estados Unidos, o mesmo país que o apoiou durante seus dois mandatos. Você também negociou a instalação de uma nova Comissão Internacional Contra a Impunidade em Honduras (CICIH) com a ONU.
Quais contradições ou desafios esse cenário apresenta para a soberania hondurenha?
GT
A questão é que não há soberania hondurenha. Estamos construindo a soberania hondurenha. E estamos construindo com as Forças Armadas que deram o golpe de Estado, construindo com um governo que se considera diferente, construindo com os Estados Unidos, com quem agora temos uma relação muito respeitosa. Mas que soberania hondurenha, de verdade?
Este país ganhou o apelido de “república das bananas”. Nossos presidentes eram indicados pela Standard Fruit Company ou Chiquita Banana. Quando Manuel Zelaya Rosales se tornou presidente, a embaixada dos Estados Unidos lhe enviou uma lista com três nomes para cada ministério, e lhe disseram: “Escolha um para cada, esse é o seu gabinete”. E ele disse: “Não, eu não vou fazer isso”. A ruptura com essa lógica causou uma crise política no nosso país.
Quando eu era o porta-voz da Frente Nacional Popular de Resistência nos Estados Unidos durante a maior parte dos 12 anos que estávamos na resistência, eu falava com algumas pessoas muito conservadoras e dizia: “Em Honduras, há um narco-Estado, em Honduras estão matando e prendendo as pessoas. Todas essas coisas que você alega estar preocupada na Venezuela, na Nicarágua e em outros lugares estão acontecendo em Honduras e multiplicadas por mil. Estão acontecendo às três da tarde, às dez da manhã. Por que você não faz alguma coisa?” Eles respondiam: “Mas vocês são todos comunistas, vocês são socialistas, vocês são amigos do Chávez!”
A gente ganhou eleição porque o povo de Honduras exigiu uma mudança, e acho que os Estados Unidos entenderam isso. Eles até entenderam que é necessário mudar o relacionamento entre nossos países.
Existem coisas com as quais não concordamos. Por exemplo, a presidenta decidiu que se não fossem convidados todos os países para a Cúpula das Américas, ela não iria, e ela não foi. A mídia aqui, acostumada a essa política hondurenha historicamente servil, ficou escandalizada. Disseram: “Vão fazer outro golpe, vão cortar relações, os Estados Unidos vão nos bloquear!” Os Estados Unidos, que entenderam que estamos construindo uma relação diferente, disseram justamente o contrário: “Respeitamos a decisão da presidenta, adoraríamos que ela estivesse aqui, é uma pena que ela não esteve, vamos seguir em frente.” Isso era impensável no meu país há dois anos, há vinte anos, ou cinquenta ou cem anos atrás.
A soberania hondurenha é um processo que está em construção. Se livrar de Juan Orlando Hernández foi importante. Ele era o líder de um regime profundamente violento. O que nosso sistema de justiça fez durante doze anos para deter o narco-regime que estava se consolidando? Cinco mil camaradas foram processados e perseguidos por defender os rios, as montanhas, as selvas e as praias. Por que nenhum político hondurenho foi acusado de corrupção, de narcotráfico? Se a Missão da OEA de Apoio ao Combate à Corrupção e Impunidade em Honduras (MACCIH) não veio com o apoio da OEA, e se a DEA [Administração Antidrogas dos EUA] não veio para extraditar corruptos, criminosos, assassinos, ninguém teria sido tocado aqui por 12 anos. Então, quando a extradição de Juan Orlando acontecer, espero que o levem!
É um processo que está apenas começando. Temos que aspirar construir um poder judiciário digno – soberano, independente, que respeite os interesses da população. Mas é ingênuo acreditar que o poder judiciário em Honduras seja independente só porque a Constituição assim o diz. Estamos no processo de construção de um Supremo Tribunal e do Ministério de Justiça. Temos que fazer direito, e isso começa no ano que vem [com as eleições para magistrados e procurador-geral no Congresso]. Se fizermos certo, serão pessoas que não veem as colorações políticas, serão pessoas que servirão a justiça que nos falta agora. Mas não temos isso e estamos trabalhando para construí-lo.
A CICIH é um processo que dará um acompanhamento necessário, pois só recentemente conquistamos o executivo neste país. Os poderes historicamente estabelecidos que foram fortalecidos nestes últimos doze anos permanecem intactos. Eles têm capacidade militar, econômica apoio da mídia. A CICIH é um acompanhamento à gosto da presidência, e a presidenta disse à CICIH: “São bem-vindos, desde que sua presença nos ajude a fortalecer nosso poder judicial, nossa capacidade de investigação e nossa capacidade de servir à justiça.”
HG
Além de ocupar cargos públicos, você também é filiado ao partido LIBRE, e tem uma longa trajetória na organização social. Como você entende a relação entre militância e serviço público? E como é a relação dos movimentos sociais com o governo?
GT
Não gosto de pensar nas forças progressistas como uma coisa única. Em Honduras, tem o movimento social, que é um movimento de trocas. São os sindicatos, as federações trabalhistas, as organizações camponesas. O movimento social tem a responsabilidade de manter sua independência para salvaguardar os direitos das pessoas que representa. Além disso, tem o movimento popular, que é o que em outros países eles chamam de front line [linha de frente]. São os defensores do território, as feministas, a comunidade LGBTQ. Eles estão falando sobre direitos mais universais. Assim, o movimento social e o movimento popular são bastante distintos em Honduras.
O regime conseguiu penetrar significativamente no movimento social. Havia dirigentes sindicais e outros que tinham uma relação muito próxima com o governo, o que lhes permitia fazer certas coisas, por exemplo, a lei do trabalho por hora e o desmantelamento dos direitos dos professores. Eles conspiraram juntos.
O movimento popular teve zero infiltração. O movimento popular enfrentou o regime do primeiro ao último dia, e eles também nos confrontam. O movimento feminista exige que avancemos o mais rápido possível com nossa agenda, e isso é bom. A relação [com o movimento popular] é uma coisa e com o movimento social é outra, porque a gente sabe que aí também tem mais interesses políticos. Essa relação é mais como uma negociação política.
A outra é a agenda da qual fazemos parte e que, como Estado, nem sempre podemos avançar necessariamente com a mesma rapidez. Em um de seus primeiros livros, quando era vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera disse: “Quando consigo avançar com o que me pedem, sinto que é uma garantia de que o processo está indo bem, porque eles exigem o impossível de mim, e eles exigem agora.” Enquanto conseguir levar essa agenda adiante, mantenho-me fiel à luta.
O terceiro elemento são os membros do partido. Isso inclui pessoas de ambos os setores e outras de nenhum dos dois, que são apenas membros do partido. Quem adere ao partido às vezes chega a entrar em conflito com os demais setores. Então, nos movemos entre os três.
Pessoalmente, estou morrendo de vontade de continuar sendo da comandante das tropas. Eu adoraria continuar fazendo isso, é o que eu tenho feito a minha vida toda. O que estou fazendo agora é novo, só estou nisso há cinco meses. Mas também entendo a responsabilidade que isso implica. A presidenta Xiomara Castro é clara e nos repete o tempo todo: “Tudo o que você faz na diplomacia precisa estar relacionado ao benefício dos hondurenhos mais pobres”.
O hondurenho mais pobre não é necessariamente membro do LIBRE, nem é organizado, nem gosta ou concorda comigo. Mas são os mais pobres. Um governo da solidariedade, diz a presidenta, precisa estar sempre do lado de quem mais precisa.
Quando comecei a trabalhar na política, nunca imaginei que acabaríamos assumindo o controle político de Honduras. Isso era um absurdo. Havia talvez dois mil de nós em todo o país – estou falando de vinte anos atrás. Mais tarde, com o apoio do presidente Zelaya e sua liderança e habilidade, algo se rompeu na mente dos setores conservadores deste país, e eles começaram a nos acompanhar. A presidenta Xiomara Castro surgiu nesse processo de luta. Ela sempre se distanciou daquele liberalismo e nacionalismo conservadores. Ela sempre sustentou que tinha que haver algo que viesse mais das pessoas.
Então fizemos nossa cama e agora temos que nos deitar nela. Estamos em apuros, porque precisamos dar respostas à população. Não somos mais a oposição. Estamos aqui para fornecer respostas e fornecê-las em breve. É uma mudança emocionante.
Muitas pessoas na América Latina estão nos dizendo coisas como: “Não abandone a festa, não abandone as ruas, não esqueça de onde você veio. Estávamos lá, perdemos o controle do governo porque esquecemos de onde viemos. Não se esqueça. Faça seu trabalho como funcionário público, mas lembre-se de manter a organização, manter a educação.” E estamos tentando.
Por exemplo, nesta sexta-feira vou a Tocoa, que é a região do Vale do Aguán, para conversar com a população camponesa sobre a CICIH. Vamos dizer a eles o que é a CICIH e como a CICIH beneficiará eles de alguma forma, porque o mundo deles é muito particular. Estão cercados de latifundiários, militarização e violência. É importante manter essa comunicação e contato, mas o mais importante é dar respostas às pessoas: reduzir a pobreza, reduzir a fome, reduzir a violência, dar acesso à educação, à saúde, aos direitos individuais. Essa é a tarefa, e temos que fazê-la rapidamente para todos.
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