Diante de novos sinais de colapso climático, e da paralisia dos governos, pesquisadores de todo o mundo decidem deixar os laboratórios e ir às ruas. Dois deles declaram: “de que adianta estudar o Universo, se planeta está a ponto de sucumbir?”
Por: Juan Bordera | Entrevista: Elena Egea e Mike Lynch-White | Tradução: IHU Online
Há poucos dias, vimos como uma greve patronal dos transportes [na Espanha], com muitas reivindicações legítimas, mas descaradamente incentivada pelos setores da ultradireita, não só foi bem acolhida, mas suspeitadamente aclamada por alguns dos grandes meios de comunicação. Os mesmos meios de comunicação que frequentemente reagem de forma completamente diferente em relação a qualquer outra forma de protesto da sociedade civil. Tanques para os grevistas metalúrgicos de Cádiz, estúdios e telejornais para os representantes de uma plataforma minoritária.
Elena González Egea e Mike Lynch-White estão unidos pelo desejo de que esses meios de comunicação tenham a dignidade de tratar sua luta com a mesma preocupação e dignidade. E estão unidos por muitas outras coisas: os dois são doutorandos, em Astrofísica, ela, em Física Teórica, ele. Também compartilham o ativismo no movimento Rebelião Científica (Scientist Rebellion), responsável por vazar o conteúdo do relatório do grupo III do IPCC, em sua versão preliminar, e que esse meio disseminou para mais de 35 países. No dia 4 de abril, enfim, poderemos comparar e confirmar se serviu para evitar pressões na redação final.
A situação de ambos é semelhante, os dois pararam de acreditar em seu desenvolvimento pessoal, em um mundo onde a inércia e a inação lentamente nos conduzem a um destino fatal, mas que ainda podemos evitar. Questionados sobre o motivo de sua decisão de abandonar suas carreiras pessoais para se tornar ativistas, a resposta comum não poderia ser mais contundente: “Nós dois estávamos interessados em procurar vida em outros planetas, mas então compreendemos que a crise climática é tão grande, que a vida pode ser extinta neste planeta, então abandonamos nossos sonhos e decidimos deixar a academia”.
Eis a entrevista.
Que mudança, deixar de querer descobrir vida em outros planetas para descobrir que a vida deste planeta está em risco.
Elena: Sim, foi como se todos os meus sonhos fossem destruídos. Na verdade, pior, não foram só meus sonhos, descobri que minha vida está em perigo, e a de centenas de milhões de outras pessoas. É um dever moral trabalhar para tentar evitar isso. Nós dois sofremos um tremendo choque quando compreendemos que até mesmo a vida neste planeta pode estar em risco de extinção. Passar para a ação foi o próximo passo lógico.
O que é e o que pretende Rebelião Científica?
Mike: Rebelião Científica pretende mudar radicalmente a consciência da comunidade científica para que atuem conforme a dimensão da gravidade do problema. Até agora, foram escritos muitos relatórios e papers, mas o fruto de tanto trabalho foi um aumento das emissões. Baseando-nos na história, a forma mais rápida de provocar uma mudança social, que é o que a ciência está pedindo, é por meio da ação direta não violenta, da desobediência civil.
Não seremos nós que faremos essa mudança, isso corresponde, como sempre foi, à classe trabalhadora. Mas nós, sim, podemos ser aqueles que apontam, coerentemente, que isto é uma emergência. Como as pessoas darão importância, se nós que compreendemos melhor o problema não agirmos de acordo? Temos que abandonar parte de nossos privilégios.
Elena: Sim, um exemplo que explica a importância de passar para a ação: imagine que somos duas pessoas em uma casa que está pegando fogo, com a possibilidade de ruir. Uma avisa a outra e, imediatamente, começa a tomar um café, enquanto lê o jornal. Não seria credível. A outra pessoa não levaria os avisos a sério. Acontece o mesmo com os cientistas que não agem conforme a gravidade.
O que vocês podem me dizer a respeito das convocações previstas? Em quantos países preveem ações?
Elena: Será uma semana internacional, de 4 a 9 de abril. No dia 6, acontecerá a maior ação, na qual esperamos mobilizar mais de 1.000 pessoas da comunidade científica de todo o mundo. Já estamos nos organizando em mais de 25 países.
Mike: Nada como isso já aconteceu antes, nem de longe. Já na Cúpula do Clima, em Glasgow, estabelecemos um marco com a maior ação de desobediência civil por parte da comunidade científica.
Preveem conflitos, de acordo com os diferentes contextos? Ou seja, de repressão nos países aos ativistas ou de responsabilidade dos mesmos em gerar o problema?
Elena: Sim, no Norte temos mais privilégios e uma situação melhor para nos expor. No Sul, são menos responsáveis e sua situação é mais perigosa para as pessoas que decidem agir. As pessoas de cada país se organizam e escolhem até onde estão dispostas a arriscar, conforme o seu contexto.
O título de uma entrevista anterior que fizemos com dois de seus companheiros foi: “Se a situação do clima começar a degenerar, será mais fácil o triunfo de regimes autoritários”. Um dia depois, começava a invasão da Ucrânia.
Mike: Sim, as pessoas que realmente entenderam a crise climática costumam ter depressões, porque compreender bem a indescritível gravidade do problema é entender que o que já está acontecendo não é nada comparado ao que virá, caso não agirmos urgentemente. Os conflitos crescerão exponencialmente. Crises, migrações em massa, guerras, que alimentarão os fascismos já presentes.
Tudo isso acontecerá, a menos que construamos democracia radical e participativa na base, a única alternativa real. Ou então terminará em tiranias. Essa é a escolha que temos que tomar: ou caminhamos para um processo que pode ser belo e libertador, ou para um colapso que não tem comparação.
Elena: Já vimos isso em países como a Síria, cuja guerra está relacionada à crise climática e ao aumento das secas. Chegamos muito tarde.
Enquanto são registradas temperaturas recordes na Antártida e no Ártico, – 40 graus e 30 graus, respectivamente, acima da média para esta época -, o partido de ultradireita Vox está se queixando que nosso governo segue uma “Religião climática” que empobrece as pessoas. Como vocês avaliam essa questão?
Elena: Não é possível crescer eternamente em um planeta finito. Ponto. É isso. Para manter nosso nível de consumo no Norte, temos que saquear e manter o Sul na pobreza, e assim provocamos esse tremendo problema com o clima e estamos praticamente acabando com os recursos essenciais. Essas pessoas precisam acordar, ou talvez não saibam que caminhamos para um pesadelo. Temos que imaginar uma sociedade que trabalhe menos horas, que produza e consuma menos, que dependa menos de recursos finitos que trazemos de muito longe.
Mike: É incrível a cegueira. Em absoluto, não é a minha posição, é quase o contrário, mas até para as pessoas de extrema direita deveria ser uma prioridade enfrentar a crise climática. Costumam defender posições que buscam conservar o status quo das coisas, certo? Então, é melhor acordarem porque tudo em que acreditam vai desmoronar, caso não agirmos logo. Não há nada que empobrecerá mais as pessoas do que a crise climática. Sem colheitas estáveis, com fenômenos extremos cada vez mais brutais e recorrentes, as economias sofrerão o indizível.
Historicamente, a desobediência civil, a ação direta não violenta foi um dos principais motores para avançar na questão dos direitos humanos: as sufragistas, Rosa Parks, Martin Luther King, Mandela… Por que – exceto Extinction Rebellion e agora vocês – ainda não houve um movimento global que passe à ação diante da crise climática?
Mike: Bem, as fronteiras ainda restringem nossos pontos de vista, essa seria uma razão. Historicamente, as lutas foram, no melhor dos casos, muito nacionais. Outra causa é que dá muito trabalho fazer com que muitas pessoas entrem em acordo quando se trata de fazer uma ação disruptiva e inovadora. Há diferentes pontos de vista e diferentes contextos. Temos que ter soluções globais e lutas muito mais locais, assentadas no território, isso também cria dificuldades.
Elena: Chegando tão tarde como chegamos, a gravidade da situação ainda não foi efetivamente comunicada pelos governos e os meios de comunicação. Para mim, essa é a principal razão. Se as pessoas soubessem como é tarde, estaríamos reagindo com mais força.
Almejam provocar essa onda? E consideram a possibilidade de por serem um movimento centrado apenas na comunidade científica, uma grande parte da sociedade não entenda a mensagem?
Elena: Sim, mas não buscamos apelar a todos. A história da luta pelos direitos humanos deixa muito claro que basta mobilizar efetivamente uma minoria que se comprometa, para tornar evidente para a maioria que está ela correta. Não se trata nem mesmo de que todos aprovem nossos métodos, trata-se principalmente de provocar um debate crucial que não está acontecendo. Mudar um pouco a cultura da comunidade científica. Normalizar que agir é necessário.
Mike: Teremos pessoas que não vão escutar os cientistas, estejam ou não em ação. Mas muitas pessoas, sim, vão se importar. Nós nos habituamos a ter um alto nível de confiança na ciência. Além disso, a comunidade científica costuma estar mais próxima do poder, dos governos, do que a maior parte da sociedade. Estrategicamente, isso pode ser disruptivo, caso as mensagens sejam radicalizadas.
Existe um estudo que defende que a raiva, a ira, é a emoção que mais ajuda a agir e a evitar tanto as ansiedades como as depressões. Pretendem estimular esse sentimento?
Elena: Penso que entender a verdade já é o motivo suficiente para sentir raiva.
Mike: Sim, queremos que as pessoas sintam fúria, mas isso não é o suficiente. Como você sabe, no Extinction Rebellion costumamos assinar nossos comunicados com “amor e fúria”, é como nosso santo-e-senha, pois acreditamos que os dois ingredientes são necessários.
O que vocês diriam aos cientistas que pensam que não se deve arriscar tanto como propõem?
Elena e Mike: Que a casa queima, que parem de viver como se não estivesse.
Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/o-que-e-e-como-luta-a-rebeliao-cientifica/
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