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Por que é preciso barrar a ExxonMobil no Nordeste

Multinacional norte-americana que mais polui no mundo está prestes a iniciar exploração na foz do São Francisco, já fragilizada. Relatório de impacto está repleto de falhas — e Ibama se isenta. Ativistas vão à justiça e lançam campanha

Por: Antônio Heleno Caldas Laranjeira / Créditos da foto: (Simone Santos)

Após a descoberta de campos promissores de petróleo e gás na bacia Sergipe-Alagoas e a permissão para empresas estrangeiras explorarem os campos de petróleo e gás do Brasil, foram aceleradas as atividades de exploração pela multinacional ExxonMobil no Nordeste.

Estas zonas de exploração estão geralmente localizadas no alto mar, a 50 km da costa, mas também podem impactar na zona costeira, como é o caso da região do Baixo São Francisco, mais especificamente na faixa da foz do “Velho Chico” ou “Opará”, como é popularmente conhecido pelos povos tradicionais e nativos que convivem com um dos maiores rios da América Latina.

Quem está no jogo?

A chegada da petrolífera foi silenciosa, mas foi denunciada, em maio de 2021, pela organização não governamental Canoa de Tolda, que atua na região com causas socioambientais.

Reprodução Site da audiência pública virtual do IBAMA que prossegue sem aprovação do MPF-SE. Reprodução: ExxonMobi

O polêmico “relatório de impacto ambiental” (ou RIMA) da ExxonMobil, documento exigido pelo IBAMA para a emissão do licenciamento em acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), órgão que permite uma exploração acontecer no território nacional, contém falhas técnicas denunciadas, foi questionado por ativistas.

De acordo com Carlos Eduardo Ribeiro Jr, diretor da organização não governamental Canoa de Tolda, que levou o caso à Justiça, foi exigido do IBAMA que fossem revistos os parâmetros de mensuração dos riscos em potencial para a modelagem do impacto na população ribeirinha e na biodiversidade do Baixo São Francisco.

Em resposta, foi convocada uma “audiência pública virtual” (APV), rejeitada pelo Ministério Público Federal de Sergipe (MPF-SE) que ajuizou uma ação urgente de suspensão da proposta de evento virtual previsto para próximo dia 14 de setembro.

Segundo a advogada, Jane Tereza Viera da Fonseca, mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (UFC), a região da foz do Rio São Francisco sofre com situações gravíssimas, como a construção de usinas hidrelétricas (UHE) como a de Xingó, a última das oito barragens que cortam o “rio da integração nacional”.

“O licenciamento proposto é ilegal e as audiências virtuais são inconstitucionais. Ilegal porque o órgão fiscalizador [IBAMA] está aceitando que a ExxonMobil trace as coordenadas, quando seu papel é regular como deve ser o licenciamento. Inconstitucional porque as comunidades da foz, que já sofrem com 40 anos de barramentos das águas, agora têm uma enorme ameaça e sequer foram ouvidas e consultadas, conforme a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho [OIT] sobre como ou quando as perfurações [previstas para setembro] devem ou não ser iniciadas”, defende Jane Fonseca.

O que está em jogo?

No mercado de petróleo e gás, a especulação afirma que “1,2 bilhão de barris serão explorados em uma região”. Ao todo são 11 poços exploratórios na bacia sob gestão da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

A empresa ExxonMobil tem buscado a permissão legal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para perfurar os blocos “SEAL-M-351, SEAL-M-428, SEAL-M-430, SEAL-M-501, SEAL-M-503, SEAL-M-573″, conforme a série de matérias investigativas “Petróleo na foz do Velho Chico”, publicada com exclusividade pelo InfoSãoFrancisco.

A gravidade dos riscos

O alto risco socioambiental desta exploração de petróleo não foi denunciado nas emissoras de rádio ou televisão de Sergipe e Alagoas. Foi após a divulgação feita pela ExxonMobil, sob requerimento na Justiça por parte da Canoa de Tolda, que as questões vieram para esfera pública da internet.

Entre os documentos e dados que detalhavam sistematicamente as etapas de exploração dos poços pela ExxonMobil, um mapa chama a atenção para a modelagem do risco por vazamento de óleo na região da foz do São Francisco.

Do vermelho (mais escuro) para o azul (mais claro), o mapa representa uma simulação para um vazamento de petróleo a 42 km da costa. Nesta simulação podemos notar que Brejo Grande é o município mais impactado com um dos 11 poços da ExxonMobil na zona de divisa entre Sergipe-Alagoas.

Modelagem do risco em caso de vazamento de apenas um dos 11 poços estimados. Reprodução: ExxonMobil

A bacia Sergipe-Alagoas (SE-AL) é um território marcado pela diversidade ecológica estuarina, visto que um dos maiores rios do Brasil desemboca suas águas (além de inúmeros poluentes despejados) nesta zona marcada pelas injustiças socioambientais e lutas populares. O relatório destaca ainda que os danos ambientais são do “alto” ao “muito alto” em todas as etapas de do processo de perfuração, previsto pela ExxonMobil para serem iniciados o mais rápido possível.

Entre barragens e poços de petróleo: a resistência

Um fato mais recente, que chamou a atenção de noticiários internacionais, foi o vazamento de óleo na costa do Nordeste, que atingiu pescadores e marisqueiras que vivem na região da foz do Rio São Francisco, mas que pescam cada vez mais nos manguezais e na costa do mar, devido à escassez de peixes no rio.

Emerson Soares, PhD em Ciências Aquáticas pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), realizou uma ampla pesquisa de campo sobre a realidade ambiental da Bacia do São Francisco ao longo de 2018 e 2019.
Soares e sua equipe, composta por pesquisadores das federais de Pernambuco e Sergipe (UFPE e UFS), em seu relatório de 2020, afirmam que os barramentos do Velho Chico, que represam a água com fins de geração de energia hidrelétrica, são um agravante que coloca o Baixo São Francisco como um contexto socioambiental de “emergência”.

O progresso da produção hidrelétrica, conduzido pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) comandado de Recife e acatado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), dirigida de Brasília, tem dramáticos custos socioambientais para essa região periférica do Brasil.

A comunidade ribeirinha do Saramém, Brejo Grande, SE. Foto: Carlos E. Ribeiro Jr. / InfoSãoFrancisco.

Carlos Eduardo destaca que as vazões da UHE Xingó praticadas pelo setor elétrico são comprovadamente menores do que há anos atrás e o comitê gestor da Bacia do São Francisco não cumpre seu papel fiscalizador. “Mas o que importa é que a redução das vazões é um relevante fator hidrológico desconsiderado grosseiramente pela ExxonMobil, produzindo um resultado otimista nas modelagens de derramamento de óleo”, diz o diretor da Canoa de Tolda.

Nessa realidade, o real risco em casos de vazamentos de petróleo no mar é ainda maior, visto que até mesmo as lagoas à margem do Velho Chico, em pontos onde antes se plantava arroz, hoje se cria camarão, devido à salinidade da água, conforme revelou a reportagem especial publicada este ano no O Joio e O Trigo.

A realidade e a percepção local

A realidade dos habitantes da foz do Velho Chico, um dos mais cenários mais desiguais do Brasil atualmente, será uma das mais afetadas com as atividades da ExxonMobil.

Segundo dados do IBGE, o município de Brejo Grande, delimitado entre a costa de Sergipe, o rio São Francisco e o oceano Atlântico, é um dos mais vulneráveis do Brasil em doenças como a esquistossomose, tendo apenas 1,1% de casas com esgotamento sanitário adequado.

Ao todo 126 comunidades tradicionais e 26 organizações internacionais assinaram uma carta dos povos, documento que denuncia abusos de direitos humanos e apoia a revisão técnico-científica do processo de licenciamento das atividades da ExxonMobil. A carta também repudia o começo das perfurações, previsto pela empresa para o segundo semestre de 2021, sem as devidas divulgações e consultas públicas.

A moradora da comunidade quilombola Brejão dos Negros, localizada em Brejo Grande, Maria Izaltina Silva Santos, 51 anos, pescadora e agricultora, confirma o que a carta dos povos expressa coletivamente.

Tratamento de mariscos na região do Funil, no canal da Parapuca, Pacatuba, SE. Foto. Carlos E. Ribeiro Jr. / InfoSãoFrancisco.

“É um risco para todos nós, para natureza, para o modo de vida que a gente vive e o nosso sustento que é a pesca. Saímos de uma tragédia recente com o óleo e ninguém se responsabiliza por isso. Ver mais um poço, de uma empresa estrangeira, aqui perto de nós, dá medo, dá revolta… Por isso estamos procurando nossas redes de comunicação e órgãos públicos”, diz Maria Izaltina.

A privação da população local no acesso aos direitos básicos ilustra a emergência ambiental que vive o Baixo São Francisco, desde o barramento das águas até a ameaça estimada com a ExxonMobil, empresa acusada de ser a primeira no ranking de danos ambientais no mundo, que agora aporta em águas quase arrasadas.

Veja em: https://outraspalavras.net/terraeantropoceno/por-que-e-preciso-barrar-a-exxonmobil-no-nordeste/

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