Nunca o país elegeu tantos parlamentares indígenas. Mas grupo é heterogêneo – e terá desafio gigante contra Congresso ultraconservador. Seu trunfo: contar com visibilidade inédita e força de articulação na defesa dos direitos dos povos
Por: Oswaldo Braga de Souza
A partir de 2023, o Congresso terá o maior número de parlamentares indígenas da história. A expectativa do movimento social e da sociedade civil é que isso signifique mais visibilidade e capacidade de articulação na defesa dos direitos dos povos originários e do meio ambiente. Outra expectativa, porém, é que a “bancada do cocar” enfrente uma oposição inédita por causa do crescimento de bolsonaristas e adversários diretos no Legislativo.
O tamanho do problema também dependerá do novo presidente eleito. Jair Bolsonaro faz um governo anti-indígena e anti-ambiental, enquanto Luís Inácio Lula da Silva tem um legado positivo na área e fez promessas importantes na campanha, como criar um Ministério dos Povos Originários e retomar a política ambiental. As posições antagônicas irão se refletir no parlamento e apontar os rumos do debate da agenda.
Com os resultados do 1º turno das eleições, os autodeclarados indígenas eleitos para o Congresso são agora sete. Desses, duas novas deputadas federais tiveram as candidaturas apoiadas formalmente pelo movimento indígena: Sonia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). Também se autodeclararam e foram eleitos para a Câmara Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-SP) e Sílvia Waiãpi (PL-AP) (saiba mais no quadro ao final da reportagem). Já Wellington Dias (PT-PI), ex-governador do Piauí, e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), o vice-presidente da República, chegaram ao Senado. Além deles, Capitão Assumção (PL-ES) e Índia Armelau (PL-RJ) elegeram-se para assembleias estaduais.
Em 2018, apenas Joenia Wapichana (Rede-RR) conseguiu uma vaga na Câmara, tornando-se a primeira mulher indígena deputada federal. Antes dela, só Mário Juruna (PDT-RJ) tinha exercido o cargo, entre 1982 e 1986. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começou a registrar a cor e raça dos candidatos a partir de 2014 (veja tabela).
Outra boa notícia para as populações indígenas é que aliados históricos, com experiência e peso políticos, também conseguiram eleger-se ou reeleger-se, como a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP), que também chega à Câmara.
Correlação de forças
Nessas eleições, 44% do Legislativo federal foi renovado. Na Câmara, os partidos que, nos últimos anos, alinharam-se aos ambientalistas e ao movimento indígena perderam duas cadeiras das 146 que têm hoje, somando 27% do total. No Senado, o número baixou de 16 para 15 ou 18%.
A conta considera as legendas que podem ser qualificadas como oposição ao atual governo: PT, PSB, PDT, PCdoB, PSol, PV, Rede, Solidariedade, Pros, Avante e Cidadania. Obviamente, o número de votos a favor ou contra as pautas socioambientais pode variar entre os partidos, dependendo do tema específico.
Por outro lado, agremiações de centro-direita, que só eventualmente votaram contra o governo na última legislatura, perderam assentos, enquanto partidos mais à direita ou de extrema-direita, em geral anti-indígenas e antiambientais, ampliaram sua presença. Chamou atenção o crescimento do PL, ao qual Jair Bolsonaro é filiado, que passou de 76 para 99 deputados, e de 9 para 13 senadores, sendo agora o maior do Congresso.
Além disso, União Brasil e PP, também com muitos bolsonaristas e ruralistas, avaliam uma fusão. Se concretizada, ela pode originar uma nova força com mais de 100 assentos na Câmara e 15 no Senado ‒ desconsiderando possíveis defecções ou adesões.
Assim, essas legendas continuarão dominando a distribuição de cargos nas mesas diretoras e comissões e, logo, também a definição das prioridades legislativas e o ritmo da tramitação de matérias. Em consequência, as pressões pela aprovação de propostas contra o meio ambiente e os direitos indígenas devem aumentar e as negociações tendem a ser ainda mais difíceis.
Menos compromisso socioambiental
O impacto do 1º turno na agenda socioambiental no novo Congresso foi medido pelo Farol Verde, projeto liderado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e a Rede Advocacy Colaborativo. A iniciativa criou o Indicador de Convergência Ambiental total (ICAt) para avaliar o compromisso dos parlamentares com a pauta. Numa escala de 0% a 100%, quanto maior, mais “verde”.
Segundo o levantamento, o percentual de deputados “verdes” (acima de 50%) cairá de 30% para 27% e dos “moderados” (ICAt na faixa média) passará de 30% para 33%, enquanto aqueles com ICAt abaixo de 50%, com baixo engajamento socioambiental, vai subir de 37% para 42%. O índice geral da Câmara hoje é 43%. Com a nova composição, cai para 42%.
O ICAt tem como referência as posições do coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista em temas como regularização fundiária, agrotóxicos e mineração em Terras Indígenas. Para medir o índice da nova legislatura, foram avaliados posicionamentos dos parlamentares reeleitos e, no caso dos novatos, aplicada a média do ICAt de cada partido.
O consultor jurídico do ISA Mauricio Guetta concorda que o crescimento das bancadas alinhadas mais diretamente ao bolsonarismo será um fator importante no Congresso a partir de 2023, mas ressalva que elas sozinhas não têm maioria nas duas casas legislativas.
“Não vamos convencer bolsonaristas radicais, como Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Ricardo Salles (PL-SP). A saída é continuar a dialogar com o centro, que eventualmente pode votar a favor do meio ambiente e dos direitos dos povos originários”, aposta.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/quem-compoe-a-maior-bancada-indigena-ja-eleita/
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