As cenas trágicas que se desenrolam na Palestina e em Israel são uma lembrança arrepiante dos horrores que a ocupação cria – e da urgência de desmantelar os bloqueios e o sistema de apartheid de Israel.
Por: Seraj Assi Tradução: Sofia Schurig | Créditos da foto: (Majdi Fathi / NurPhoto via Getty Images). Um ataque aéreo israelense atinge Gaza, Palestina, em 7 de outubro de 2023, após combatentes do Hamas lançarem um ataque surpresa a Israel
Nas primeiras horas da manhã de sábado, sob uma barragem de foguetes disparados de Gaza, dezenas de membros do grupo militante palestino Hamas romperam a barreira bloqueada da Faixa de Gaza, violaram as barreiras de segurança e invadiram cidades israelenses vizinhas, matando centenas e mantendo outros como reféns em um ataque surpresa sem precedentes.
Foi uma operação massiva, aclamada pelo Hamas como “Tempestade de Al-Aqsa”. Saleh al-Arouri, um líder exilado do Hamas, disse que a operação foi uma resposta “aos crimes da ocupação”. O Hamas instou todos os palestinos a se juntarem à batalha, declarando: “Hoje o povo está recuperando sua revolução”.
Israel declarou imediatamente estado de guerra, lançando ataques aéreos em Gaza em retaliação, matando mais de quatrocentos palestinos, a maioria civis. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu “vingança poderosa” contra os palestinos, chamando Gaza de “cidade do mal” e jurando transformá-la em “cidades em ruínas”. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, já aprovou uma convocação abrangente de reservistas.
As cenas trágicas que se desenrolam em Gaza e Israel são um lembrete arrepiante de que a ocupação e a opressão têm um preço. A verdade é que, quando você aprisiona dois milhões de pessoas em 225 quilômetros quadrados, colocando-as sob um cerco impiedoso sem fim à vista, sem entrada ou saída, com drones e foguetes zumbindo dia e noite, com vigilância e assédio constantes, com pouco controle sobre suas vidas cotidianas — no final, os despossuídos se rebelarão.
A violência não foi provocada, como a mídia mainstream a retratou. Ela estava fermentando e se intensificando em todos os cantos do país.
Na Cisjordânia, a cidade palestina de Jenin ainda está se recuperando da devastação de um recente e implacável ataque israelense, que deixou a cidade em ruínas. A pequena cidade de Huwara ainda não se recuperou dos horrores mortais desencadeados pelos colonos contra seus moradores.
Até agora, neste ano, as forças militares de Israel mataram mais de duzentos palestinos na Cisjordânia.
Para tornar a vida um inferno para os palestinos, multidões de colonos e gangues de extrema-direita, apoiadas e incentivadas pelo governo ultranacionalista de Israel, têm espalhado terror e causado estragos entre os palestinos, queimando aldeias e casas, linchando e matando civis com impunidade.
Em Jerusalém, soldados israelenses e forças de segurança permitiram que as multidões de colonos agissem livremente, despejando à força famílias palestinas e ocupando suas casas. Durante o feriado judaico de Sucot, os colonos invadiram o complexo da Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém, fazendo passeios provocativos, assediando e agredindo os fiéis, e cuspindo em cristãos.
Os palestinos em Gaza têm sofrido sob cerco. Apertados em uma estreita faixa de terra conhecida como a maior prisão ao ar livre do mundo, os habitantes de Gaza têm enfrentado um bloqueio brutal por quase duas décadas, sujeitos a repetidos ataques aéreos e incursões de Israel, operações militares e punições coletivas. A maioria de seus dois milhões de habitantes ainda vive em campos de refugiados apertados em condições sub-humanas. Benny Gantz, ex-chefe militar das Forças de Defesa de Israel (IDF), referindo-se à invasão de Gaza por Israel em 2014, se vangloriou de “bombardear Gaza de volta à Idade da Pedra”. A IDF descreve sua tática em Gaza como “cortar a grama”.
Por décadas, Israel exigiu a rendição inquestionável de suas vítimas e se recusou a aceitar a desafio de qualquer forma. A mensagem foi inequívoca: táticas democráticas são fúteis. Mesmo quando os palestinos adotaram a resistência não violenta — greves, manifestações, etc. — foram recebidos com brutalidade por Israel.
A primeira intifada, um levante popular palestino que começou no campo de refugiados de Jabalya, em Gaza, em 1987, foi brutalmente reprimida pelas forças israelenses, dando origem ao Hamas e a outros grupos militantes. Em setembro de 2000, Gaza se tornou o campo simbólico da segunda intifada, quando Muhammad al-Dura, de doze anos, foi morto a tiros nos braços de seu pai em uma encruzilhada perto do campo de refugiados de Bureij, em Gaza, tornando-se a imagem icônica do levante. Mais de cinco mil palestinos foram mortos por Israel durante a primeira e segunda intifadas.
Em 2018, quando refugiados de Gaza realizaram a “Grande Marcha do Retorno” para comemorar o aniversário anual da Nakba (ou “catástrofe”, o deslocamento em massa dos palestinos na fundação de Israel), as forças israelenses responderam matando mais de 150 manifestantes e ferindo dez mil outros, incluindo crianças e jornalistas, ao longo de seis semanas. Um relatório das Nações Unidas concluiu posteriormente que soldados e líderes israelenses cometeram crimes contra a humanidade e usaram munição real intencionalmente contra civis.
A brutalidade desenfreada de Israel em Gaza produziu uma geração de palestinos que perderam a fé na resistência não violenta, tornando a explosão mais recente tão trágica quanto inevitável. Os jovens palestinos que invadiram Israel vindos de Gaza neste fim de semana agiram por desespero, não vendo saída do jugo da opressão e da desumanidade do bloqueio.
A Cisjordânia também está à beira de uma explosão. Assim como Gaza, a Cisjordânia está sob cerco, com mais de meio milhão de pessoas vivendo em mais de 140 assentamentos exclusivos para judeus construídos por Israel em terras e casas palestinas. Cerca de 3,5 milhões de palestinos residem em guetos segregados atrás do “muro do apartheid” de Israel e da recém-construída “Estrada do Apartheid” — e em cidades e vilarejos confinados entre blocos de assentamentos judeus e uma rede de estradas segregadas, barreiras de segurança e instalações militares. Para os palestinos que vivem lá, o apartheid significa não apenas segregação, mas a desumanidade da vida sob ocupação: espancamentos, tiros, assassinatos, execuções, linchamentos, toques de recolher, postos de controle militares, demolição de casas, despejos, deportações, desaparecimentos, arrancamento de árvores, prisões em massa, prisões prolongadas e detenções sem julgamento.
A explosão contínua de violência é a feia realidade do apartheid israelense, o resultado de décadas de ocupação de um povo sem estado, privado de direitos humanos e liberdades básicas. A menos que as causas raiz sejam desmanteladas — o levantamento do cerco, o fim do sistema de apartheid e da ocupação — a violência continuará assombrando tragicamente palestinos e israelenses nos anos que virão.
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